Poliamor ártico: tchuktchi, a tribo nômade do Norte que trocava esposas

Library of Congress
Este costume de casamento pode parecer estranho nos dias de hoje. Mas os povos minoritários, em especial os tchuktchi, viam vantagens importantes nessa prática.

Os tchuktchi, um povo indígena do Extremo Norte, vivem conforme as leis do levirato: se aquele que provém o sustento vier a falecer, um irmão ou outro parente próximo do morto deve cuidar de sua família. Ele é obrigado a se casar com a viúva e adotar seus filhos.

Mas isso é apenas parte da tradição matrimonial. De fato, por muito tempo, as pessoas consideraram o casamento em grupo absolutamente normal – quando homens casados ​​trocam de esposas com seus amigos próximos ou parentes distantes.

Como funciona o casamento em grupo?

Tchuktchi sentados na entrada de sua residência, 1901

Os tchuktchi chamam a prática de “companhia para esposa” ou nevtumgit. Nele, os homens concluem um acordo de amizade, dando a cada uma das partes o direito à esposa do amigo. O contrato é organizado como um casamento ritual, com unção de sangue e sacrifício.

Um casamento em grupo pode incluir dois ou mais casais. A principal condição era que eles tivessem uma casa separada, que eles não fossem parentes um do outro e que tivessem aproximadamente a mesma idade. Irmãos de sangue não poderiam participar dessa troca, assim como pessoas de diferentes gerações.

Tchukotka, 1968

Paralelamente, a troca de esposas era comparativamente rara, durante as viagens ao campo da “esposa-casal”. Cada homem tomava uma esposa do outro, vivia com ela por alguns meses e depois, via de regra, a devolvia ao marido (embora houvesse casos em que ele a mantivesse inteiramente para si). Todos os membros dessa grande família coletiva eram considerados parentes iguais, igualmente responsáveis ​​uns pelos outros, e todos os filhos nascidos de um “casal de casados” eram considerados irmãos e irmãs, que não podiam manter relações íntimas. Apenas os bens permanecem separados: os filhos de um casamento coletivo não poderiam reivindicá-los, e os casais não tinham bens em comum.

Por muito tempo, até meados do século 20, os tchuktchi acreditavam que esse costume de casamento tinha boas razões para continuar.

Sobreviver é lucrativo

Família tchuktchi em sua iaranga, a moradia tradicional dos pastores de renas durante as migrações nômades na tundra, 1987

A sobrevivência e continuação de sua própria linhagem era a principal tarefa das sociedades nômades. Os tchuktchi se viram obrigados a sobreviver em condições muito duras. Nessa situação, era mais vantajoso permanecer em grandes grupos: um grande número de membros em uma família extensa aumentava as chances de sobrevivência, motivo pelo qual era vantajoso para os deficientes ou pobres se juntarem aos irmãos ricos. O nascimento de qualquer criança na tundra era percebido pelos tchuktchi como uma grande felicidade, não sendo tão importante para eles quem era o pai biológico. Eles cuidavam de seus filhos todos juntos, assim como nas sociedades primitivas.

Acampamento de pastores de renas na aldeia de Kantchalan, em Tchukotka, 2008

Troca de mercadorias e networking

O etnógrafo russo Konstantin Kuksin observou que essa “confraternização” era benéfica para a troca de mercadorias nas condições do norte: as pessoas tentavam organizar um casamento coletivo com representantes de diferentes profissões - pescadores, criadores de renas etc. Isso transformava a referida família em um forte conglomerado independente.

Tchuktchi em frente à sua residência, em trajes de pele tradicionais, 1910

Os etnógrafos também observaram que os thuktchi oferecem suas esposas para passar a noite com desconhecidos em troca de algumas coisas (como tabaco ou joias para a esposa) ou como sinal de amizade. Paralelamente, todos os observadores notaram que a mulher não se importava. Esboços sobre a vida dos indígenas de Tchukotka foram publicados em várias edições do jornal “Estrela Polar” de 1924, onde o costume de nevtumgit era descrito: “A visão deles sobre os laços familiares é muito simples. Um thuktchi, por exemplo, oferece a sua esposa para um hóspede querido, e ele mesmo vai passear pela praia durante esse tempo. Eles não têm uma atitude possessiva em relação à esposa ou marido”.

 1889

Os envolvidos em nevtumgit eram sobretudo homens que não tinham parentes de sangue mais jovens na linha masculina. No caso de morte, as esposas e filhos ficaram sem patrono ou provedor.

Ausência de filhos

Uma boa razão para um casal participar de um casamento coletivo é a ausência de filhos. Se o casal não tivesse filhos devido à disfunção reprodutiva do homem, a mulher teria a possibilidade de engravidar.

“A família Antaku Thuktchi não teve filhos por muito tempo. Eles então entraram em uma relação nevtumgit com a família Thuktchi de Antolín. Desta união nasceu um filho, e depois nasceram mais dois filhos da própria Antaku. Quando algum dos filhos da Antaku se aproximava dos Antolín, era saudado como se fosse seu próprio filho e estavam dispostos a dar-lhe tudo o que quisesse. Se ninguém tivesse nascido dessa união, o parentesco entre essas famílias não teria se formado”, escreveram os pesquisadores sobre o caso no vilarejo de Vaiegui, no distrito de Anadir.

Nas pequenas comunidades, criar um grande número de novas combinações também é geneticamente vantajoso. Caso contrário, pequenos povos nômades que vivem isolados do resto do mundo poderiam sofrer de problemas genéticos. Para evitar isso, as sociedades primitivas garantiram intuitivamente uma maior diversidade por meio dessa mistura. Quanto mais diversos os pares, maior a probabilidade de a prole ser saudável e resiliente. Pela mesma razão, os tchuktchi convidavam prontamente forasteiros para trocar suas mulheres.

Quando tudo acabou

Mulher tchuktchi com crianças em roupas tradicionais, 1910

Se no final do século 19 o casamento em grupo compreendia uma parte importante das famílias tchuktchi, em meados do século 20 essa forma de união havia desaparecido. O principal motivo foi a transição dos tchuktchi para o modo de vida moderno, a globalização e o desenvolvimento do artesanato popular. Muitas das vantagens que o costume do casamento coletivo costumava proporcionar acabaram perdendo sentido. Por exemplo, a criação de renas no Extremo Norte desenvolveu-se mais intensamente do que a pesca marítima, e a troca de esposas com casais onde havia pescadores tornou-se desigual.

LEIA TAMBÉM: A União Soviética contra os xamãs

Caros leitores e leitoras,

Nosso site e nossas contas nas redes sociais estão sob ameaça de restrição ou banimento, devido às atuais circunstâncias. Portanto, para acompanhar o nosso conteúdo mais recente, basta fazer o seguinte:
Inscreva-se em nosso canal no Telegram t.me/russiabeyond_br

Assine a nossa newsletter semanal

Ative as notificações push, quando solicitado(a), em nosso site

Instale um provedor de VPN em seu computador e/ou smartphone para ter acesso ao nosso site, caso esteja bloqueado em seu país.

Autorizamos a reprodução de todos os nossos textos sob a condição de que se publique juntamente o link ativo para o original do Russia Beyond.

Leia mais

Este site utiliza cookies. Clique aqui para saber mais.

Aceitar cookies