Russas podem dirigir metrô pela primeira vez em 30 anos (FOTOS)

Estilo de vida
VICTÓRIA RIABIKOVA
Por mais de três décadas a profissão de maquinista de metrô ficou restrita homens no país. Mas, em janeiro de 2021, doze russas passaram por provas e entrevistas e finalmente foram contratadas.

“Fizeram várias entrevistas comigo, uma repetição sem fim, como um disco quebrado — e eu queria começar a trabalhar o mais rápido possível”, conta Olga Buravleva, de 24 anos, que hoje opera na linha Filevskaia do metrô de Moscou.

Não é difícil entendê-la: para conseguir o emprego, a jovem teve que passar por entrevistas, exames médicos, curso teórico de nove meses, curso prático e, para completar, muitas provas (uma delas, com abertura do prefeito de Moscou, Serguêi Sobiânin).

A notícia inundou a imprensa russa justamente devido à longa restrição às mulheres no cargo de maquinistas, em vigor até muito recentemente. As mulheres puderam exercer essa profissão no metrô de Moscou de 1936 até a década de 1980, quando a URSS deixou de contratá-las sob o pretexto de que a profissão exigia demais fisicamente delas.

Em 1º de janeiro de 2021, o Ministério do Trabalho reverteu essa decisão e 12 mulheres começaram, quase imediatamente, suas novas funções como maquinistas, enquanto outras 42 iniciaram os estudos para ingressar no cargo, de acordo com a assessoria de imprensa do metrô de Moscou.

Apesar de a vitória igualitária ser celebrada pelas feministas, não faltaram comentários maldosos e machistas nas redes sociais: “Estamos voltando 40 anos no tempo. É para chorar, não para comemorar!”, escreveu um usuário.

“Essas são as opiniões deles, eles podem pensar o que quiserem. Eu tinha um objetivo e o alcancei. Minha vida não vai mudar porque um cara me chama de boba e me diz que este não é o lugar para mim”, diz Olga Buravleva, uma das mais novas maquinistas moscovitas.

Tarefas monótonas e emergências

Olga Buravleva começou sua carreira no metrô como operadora, há seis anos, enquanto estudava na Escola de Transportes Ferroviários de Moscou (então chamada Universidade Russa de Transportes). Hoje, ela cursa o último ano.

Olga sonhava em se tornar comissária de bordo, mas acredita que as companhias aéreas russas não a aceitariam devido a suas tatuagens, seguindo as retrógradas regras das empresas. Assim, quando seus amigos maquinistas sugeriram que ela iniciasse o curso, ela não pensou duas vezes.

“Eu já sabia muito sobre o metrô, o trabalho estava claro para mim, e também sabia que seria difícil”, lembra Buravleva.

Ela tinha razão. Para começar, todos os maquinistas de trem precisam ser aprovados em uma entrevista, que é seguida de um exame psicológico e, depois, um físico. Em seguida, há um período de experiência de duas semanas, em que os candidatos aprendem o ofício de motorista-assistente, dominando o funcionamento dos vagões e equipamentos, assim como segurança e situações de emergência.

Vários meses de prática de direção se seguem, junto com provas, e só depois de tudo isso é que os candidatos podem começar a operar o metrô. Os alunos recebem uma bolsa mensal de 26.000 rublos (cerca de R$ 2.000) e podem optar por expandir suas habilidades após a qualificação.

“Fomos monitorados de perto pela direção do metrô, e até [o prefeito] Sobiânin e [o Ministro dos Transportes] Liksutov vieram nos visitar... Durante nossos estudos, dirigimos um simulador baseado no antigo trem ‘Moscou’ — mas era um brinquedo e eu estava ansiosa para saber como era a sensação da coisa de verdade”, lembra Buravleva.

Para Olga, a parte mais difícil do trabalho é o horário fora do comum. O dia dela começa às 6h e ela leva uma hora e meia para chegar ao local de trabalho. Lá, ela passa 20 minutos fazendo um check-up médico e revendo as regras e regulamentos mais uma vez antes do turno.

“É um trabalho monótono, claro, mas também é um trabalho estressante, pois uma situação de emergência pode ocorrer a qualquer momento”, diz Buravleva.

Treinamento difícil e “bagels”

“Cheguei à entrevista, entrei na sala e só tinha homens por todo o lado! Eu era a única mulher e todos me olhavam de esguelha”, conta Anastassía Mamkina, de 25 anos, também recém-contratada como maquinista do metrô.

Alguns anos atrás, ela viu um anúncio do metrô de Moscou buscando recrutar motoristas do sexo masculino e ficou com vontade de se candidatar às vagas. Os pais, no entanto, queriam que ela estudasse contabilidade — diploma que ela recebeu, coroado com uma licenciatura em economia.

Anastassía Mamkina trabalhou em diversos cargos do setor de serviços, sem se identificar com eles. Foi quando se deparou com um anúncio para a vaga de maquinista, enviou o currículo e foi convidada para uma entrevista apenas duas horas depois.

Ela conta ter ouvido as histórias de várias mulheres que não conseguiram passar nos testes.

“Tinha uma porrada de botões que eles usavam para verificar nossos reflexos e nossa prontidão para trabalhar em tarefas monótonas. Quem não aguentava simplesmente era mandado embora. Quando o médico me disse ‘apta para o trabalho’, eu fiquei tão feliz que comecei a chorar de tanta vontade de começar a trabalhar ali!”, lembra.

Em sua turma, no total, foram aceitas 68 pessoas, sendo 20 mulheres. No final, restaram apenas 17 — e Mamkina era a única do sexo feminino.

Anastassía diz que muitos candidatos não estavam prontos para lidar com a terminologia complexa ou conhecer os mecanismos do trem, assim como estudar algoritmos de ação projetados para todos os tipos de emergências. Alguns alunos desanimam simplesmente por ter que entrar em forma — embora isso não seja um empecilho ao trabalho diário, ainda é um requisito.

“Um dia comum não exige tanto trabalho físico, mas você precisa estar preparado para qualquer emergência. Por exemplo, se os freios ficarem presos ou você precisa forçar uma alavanca para fechar... Elas raramente são giradas, por isso tendem a emperrar, e é incrivelmente difícil de puxar, em direção à barriga, com todas as forças possíveis. Mas, claro, isso não ocorre com frequência”, acrescenta Anastassía.

Mamkina está terminando o treinamento, que será seguido pelo curso prático, depois por um exame e, por fim, seus primeiros dias como maquinista. Ela já trabalhou como motorista-assistente e diz que seus turnos passam muito rápido.

“Saímos do depósito, chegamos à estação final e voltamos - chamamos isso de ‘bagel’. Depois de dois ‘bagels’, você pode fazer uma pausa, almoçar, sair, ler o instruções novamente, se necessário. Em seguida, mais dois ‘bagels’ e é hora de ir para casa. Mas é preciso ser sempre pontual: cada minuto e cada segundo são importantes e é preciso dizer a velocidade e descrevendo a situação em voz alta o tempo todo. É difícil, mas é interessante”, diz Anastassía.

Mamkina conta que só viu negatividade em relação às mulheres maquinistas on-line, e na vida real as pessoas costumam se interessar pelo trabalho dela.

“Minha mãe queria que eu tivesse uma profissão diferente, mas está ouvindo minhas histórias hoje e dizendo: ‘É por isso que você desmontava todos os despertadores e lanternas quando era criança!’ Tento não ligar para os estereótipos que nos impõem. Quero trabalhar o mais rápido possível, depois me qualificar para coisas maiores”, diz Mamkina.

LEIA TAMBÉM: Iguais, mas só na superfície