Zona de fronteira da República de Altai com a Mongólia
Evguêni Epantchintsev/SputnikAo descer por Vladikavkaz, fiquei animado. Era a minha primeira vez nas montanhas do Cáucaso do Norte e eu estava em uma grande viagem de carona até a Geórgia. A estrada cortava um vale de rio raso. Meus motoristas tentavam me contar piadas que, por ainda não saber russo o suficiente, eu não conseguia entender. As montanhas eram de um tom de verde profundo.
Zona de fronteira na Ossétia do Norte, Cáucaso
Josh Nadeau/SputnikUm homem uniformizado nos parou e pediu nossos passaportes. Vendo meus documentos estrangeiros, ele perguntou para onde eu estava indo.
“Para a Geórgia”, eu respondi, esperando que não houvesse problemas.
“Sem parar no caminho?”
“Não, por quê?”
“Esta é uma zona de fronteira.”
Zona restrita
Não, não estamos falando sobre a ‘Zona’ surreal do filme “Stalker”, de Tarkóvski. Estamos falando de zonas de fronteira, que são resquícios de um passado complicado. O movimento dentro da União Soviética era controlado – os cidadãos tinham passaportes internos e um regime de registro que orientava as pessoas a morar em certas cidades ou regiões. Houve décadas em que viagens ao exterior eram fortemente regulamentadas e as áreas próximas à fronteira eram monitoradas de perto. Para entrar, era preciso solicitar um passe da KGB e aguardar a aprovação.
A primeira zona de fronteira, onde a Polônia se encontrava com os Estados Bálticos (então parte da URSS), se estendia de 7,5 a 90 quilômetros dentro do país, restringindo o movimento em um território enorme. Essas políticas se espalharam para outras fronteiras soviéticas, mas, quando a URSS caiu, houve confusão sobre como criar novas zonas que fizessem sentido na recém-criada Federação Russa.
Região de Kaliningrado. Bagrationovsk. Funcionários da alfândega na fronteira da Rússia e da Polônia, 1993
Gennadi Hamelianin/TASSUma nova lei foi aprovada em 1993 limitando essas zonas a 5 km de distância da fronteira. Mas em algumas regiões o FSB trabalhou com as autoridades locais e as expandiu para cobrir distâncias maiores. Em diversos casos, o distrito inteiro que fica na fronteira está fora do alcance de estrangeiros sem autorização. A linha de 5 quilômetros ainda existe, e até os russos precisam de uma licença para ultrapassá-la.
Quando sou parado pela polícia de fronteira no meu caminho ao atravessar a linha de 5 km, normalmente me perguntam se estou indo para o outro lado. Sou do Canadá e estrangeiros como eu não precisam de um passe para sair da Rússia, mas eles podem se recusar se houver qualquer indício de que esteja indo para a área em turismo.
Essas regras são aplicadas com rigor em todas as regiões? Existem diferenças nos locais onde há muito tráfego na fronteira? E o que acontece quando existem cidades inteiras (ou locais turísticos famosos) dentro da zona?
A resposta é: “depende”.
As inconsistências
Viajo muito pela Rússia e, quando as pessoas perguntam sobre minha experiência com zonas de fronteira, penso em três lugares em particular.
O primeiro é Ivangorod, na fronteira entre a Rússia e a Estônia – é uma parada no trajeto de São Petersburgo, onde moro, para a Estônia, na União Europeia. Trata-se de uma cidade pequena com 11.000 habitantes, mas a fronteira possui bastante tráfego de russos étnicos que vivem no país Báltico.
Dique do rio Narva e vista da Fortaleza de Ivangorod e da fronteira entre a Rússia e a União Europeia
Legion MediaMuitas pessoas passam pela alfândega carregadas de produtos, deixam com alguém do outro lado e depois voltam. Outros chegam (de qualquer direção) para ver a famosa fortaleza. Os estrangeiros são às vezes parados para perguntar se atravessarão a fronteira, mas muitas vezes ninguém pergunta nada.
A segunda zona é o Cáucaso, uma cordilheira de montanha que forma uma fronteira natural entre a Rússia e a Geórgia e separa o Cáucaso em Norte e Sul. Isso significa que alguns dos pontos turísticos mais bonitos, os mais próximos dos picos, ficam literalmente bem na fronteira. Como é complicado cruzar para a Geórgia (ou Azerbaijão, para quem estiver no Daguestão) sem equipamento de montanhismo, a regra dos 5 quilômetros é aplicada com menos rigor.
Posto fronteiriço na aldeia de Khuchet, na fronteira entre a Rússia e a Geórgia
Magomed Aliev /SputnikSe fosse, os estrangeiros não poderiam visitar o Monte Elbrus, a montanha mais alta da Europa (e fonte de renda local), porque a estrada até lá segue dentro da linha dos 5 km. Em outros lugares com passagens ou cachoeiras mais acessíveis, é preciso apresentar licença ou dirigir-se a capitais regionais, como Vladikavkaz, para obtê-la.
A terceira zona é a república de Altai. Eu estava pegando carona por essa região no verão passado, porque era um dos únicos (e mais seguros) lugares abertos durante a pandemia de covid-19. Fiz um desvio para ver Belukha, uma das montanhas mais altas da Sibéria – Belukha fica na zona de 5 km, mas não planejava chegar tão perto. Porém, quando eu ainda estava a horas de distância, fui parado pela polícia de fronteira. Eles disseram que eu já havia adentrado a zona e que deveria seguir para o escritório do FSB (Serviço Federal de Segurança) na vizinha Ust-Koksa. A fronteira mais próxima, com o Cazaquistão a oeste, ficava a mais de 50 km de distância.
Patrulha de guardas na zona de fronteira perto da vila de Ust-Koksa, nas montanhas de Altai
Evguêni Epantchintsev/SputnikAcontece que a confluência das fronteiras do Cazaquistão, China e Mongólia requer cuidado especial, e toda a região de Ust-Koksa é considerada zona de fronteira. Não havia qualquer sinal disso, e a primeira pessoa que me disse foi o policial de fronteira.
Dicas para viajantes
Sobrevivi à entrevista com o FSB e saí com alguns insights.
Em primeiro lugar – e possivelmente o mais frustrante – é que não existe um recurso único que os viajantes possam usar para descobrir quais regras de fronteira são aplicadas em quais zonas. E mesmo que houvesse, os regulamentos podem não ser aplicados de forma consistente. Pode haver poucos sinais de que você está se aproximando de uma área restrita até que esteja dentro dela. O ideal é fazer a pesquisa por conta própria se estiver procurando explorar áreas próximas à fronteira.
Posto de controle de pedestres Narva-2, na fronteira entre a Estônia e a Rússia
Serguêi Stepanov/SputnikEm segundo lugar, esteja ciente de que às vezes a área restrita é limitada a 5 km, e outras vezes é todo o distrito (‘raion’, em russo). Isso não é um grande problema na parte europeia da Rússia, já que os distritos são geralmente pequenos. Nas regiões dos Urais, da Sibéria ou do Extremo Oriente, porém, os distritos podem ser maiores do que alguns países europeus. Antes de sair de casa, verifique se algum dos lugares que planeja visitar fica dentro de um distrito de fronteira e quais são as regras locais.
Por último, procure agências de turismo especializadas nas regiões que pretende visitar. Você pode tentar obter autorizações de fronteira por conta própria no escritório local do FSB (primeiro entre em contato on-line e veja quais são os regulamentos), mas a menos que você tenha alguma experiência e fale fluentemente russo, pode ser a maior dor de cabeça. As empresas de turismo têm um relacionamento de longa data com a patrulha de fronteira e muitas vezes conseguem o passe em um curto período de tempo – por uma taxa, é claro.
Mas toda essa burocracia não deve impedir quem quer desbravar a Rússia – alguns dos lugares mais legais do país estão localizados bem ao longo da fronteira e, com um pouco de sorte e preparo, você terá tudo de que precisa para seguir explorando.
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