Marina Fôkina, da cidade de Saianogorsk, na república russa da Khakássia, é uma jovem corajosa. Para ela, a melhor forma de relaxar é passando alguns dias em uma floresta com os amigos. Ainda mais que sua cidade fica a 200 quilômetros do parque nacional Ergaki, um dos mais populares da região.
Ela visita o local já há mais de 20 anos, desde que estava no colegial. A visita do dia 12 de junho de 2015, porém, ficará para sempre marcada em sua memória. Naquele dia, ela foi à floresta com o filho de cinco anos, a irmã, o sobrinho e uma amiga de 72 anos.
À noite, quando todos dormiam, um jovem urso farejou comida na tenda. E Marina era a primeira na barraca que teria que enfrentá-lo, simplesmente por causa da disposição em que dormiram.
Marina depois do ataque.
Arquivo pessoal“No começo, achei que tinha uma árvore caindo. Então, imaginei que podia ser um lobo. Mas no final das contas era um urso e ele começou a me morder!”, conta Marina.
A dor era terrível, mas ela temia pelas crianças e viu o urso levantando a pata para o filho. “Tive a impressão de que o urso tinha mordido a perna do meu filho e fiquei furiosa! Resolvi matá-lo”, conta.
Então ela se lembrou que havia deixado um machado fora da tenda para cortar lenha para a fogueira. De algum jeito que nem ela sabe ao certo, Marina conseguiu rastejar para fora da tenda e pegou, já com a mão quebrada, o machado: em estado de choque, ela encontrava forças extraordinárias para lutar pelas crianças.
Marina (esq.), a irmã, o filho e o sobrinho logo antes do ataque do urso.
Arquivo pessoalMas o urso a viu e agarrou sua perna. Naquele momento, a irmã, as crianças e a amiga correram para fora da tenda. Mas o urso já não estava mais interessado em nenhum dos humanos: eles eram só um obstáculo em seu caminho rumo à comida na tenda.
Assim, eles conseguiram escapar, sair da floresta vivos e chamar o resgate. Se tivessem atacado o urso com o machado, porém, eles só teriam irritado o animal e, provavelmente, não teriam conseguido escapar.
Nunca mantenha comida na barraca
“Já vimos ursos antes em passeios, mas sempre de longe. Eu sabia que tinha ursos lá, mas achava que eles nunca viriam até mim, ainda mais no verão”, diz Marina.
“Mais tarde, um guarda florestal me explicou que o verão é a época em que eles estão no cio e os ursos machos ficam completamente malucos. E lá estávamos nós, com comida e tão perto, e o urso se deixou tentar pela comida”, conta.
Os ursos têm o olfato bastante aguçado, e é regra geral para quem acampa não manter comida na barraca e manter uma fogueira acesa durante a noite. Naquela noite, como estava chovendo, o grupo decidiu trazer a comida para dentro da barraca para ela não molhar. “Esse foi o erro crucial”, admite Marina.
O urso conseguiu morder a perna e a lateral do tronco da criança, e quase escalpelou a amiga idosa, que ainda não se recuperou do choque. Marina teve mais azar ainda: os médicos em Abakan, a capital de Khakássia, tiveram que, literalmente, recompor seu rosto em pedaços. A mandíbula estava pendurada como uma dobradiça. A mordida tinha passado, literalmente, a um milímetro de distância de seu cérebro e nervos óticos.
“Quando fui levada ao hospital, os médicos não pensaram que eu ia sobreviver. Mas, já no segundo dia, comecei a me levantar e até fazer alguns exercícios. Eu não percebia que a situação era tão grave. Só depois entendi que as coisas não seriam mais as mesmas”, conta Marina.
Marina tem agora 38 anos e já fez diversas cirurgias plásticas: ela teve problemas principalmente nas terminações nervosas do lado esquerdo do rosto, um olho piscava menos que o outro. Há pouco tempo, ela voltou ao local da floresta onde ocorreu o ataque e amarrou ali uma fita: “Para que todo mundo saiba que a alma russa não pode ser destruída por nenhum urso”, diz rindo.
'Eu rezava enquanto era mastigada'
Você pode até prever a possibilidade de encontrar um urso na floresta. Mas, na cidade, isto é completamente fora do comum. Mesmo assim, foi isto o que aconteceu com Natália Pasternak, da cidade de Tinda, no Extremo Oriente da Rússia.
Aos 54 anos de idade, Natália só havia visto ursos no zoológico e no circo. Foi então que, em 11 de maio de 2015, ela foi com a amiga Valentina Gorodétskaia, de 82 anos, e o cachorro até as margens da cidade para colher seiva de bétulas.
Natália Pasternak
Arquivo pessoalQuando chegaram, elas se separaram, pois frequentavam o local havia 15 anos e o conheciam bem. O cachorro foi o primeiro a perceber a presença da ursa, que tinha quatro anos e devia estar em busca de comida, recém-saída da hibernação.
“O cachorro começou a latir e entendi que estávamos em perigo. Aí eu vi um urso surgindo do meio das árvores e correndo atrás dele”, conta Natália.
Ela queria fugir, mas lembrou da amiga, parou e começou a gritar para que a outra saísse do local. “Acho que esse foi o meu erro. Meu grito deve ter assustado o urso, porque ele pulou em cima de mim”, conta.
Natália Pasternak
Arquivo pessoalValentina ouviu o grito assustador da amiga e foi correndo até ela. No começo ela pensou que fosse um ataque de cachorros vira-lata, mas depois viu um urso em pé sobre o corpo ensanguentado de Natália. Valentina tentou fugir, mas o urso a viu e bateu em suas costas. A marca de suas garras ainda está lá, mas Valentina conseguiu, felizmente, escapar e ligar para o resgate.
Enquanto isso, o urso retornou à sua presa: ele já tinha enterrado quase completamente o corpo de Natália, mas quando Valentina o assustou, ele decidiu transferir a presa para um local mais isolado.
Natália resistiu o máximo que pôde: tentou agarrar-se aos arbustos, às árvores e já estava desmaiando de dor. “Eu entendi que ia morrer, mas não queria desistir. Ele estava me enterrando, e eu podia ver e ouvir ele me mordendo. Enquanto isso, eu rezava”, conta.
Caçadores chegaram ao local 40 minutos depois. O urso tentou atacá-los, mas eles atiraram primeiro. Foi o cachorro quem mostrou o local onde Natália tinha sido enterrada, e ela só sobreviveu porque o urso ainda não tinha conseguido enterrar sua cabeça, permitindo assim que ela respirasse.
O urso escalpelou Natália e comeu suas pernas quase até os ossos. “Eu estava com o crânio aberto, toda cheia de sangue e sujeira. Os médicos me disseram mais tarde que, quando me viram, nem sabiam por onde começar. Eu lembro como eles cortavam minhas roupas e a enfermeira disse: não tem uma única parte do corpo ilesa”, conta Natália.
Depois da operação, ela foi levada de avião para a cidade de Blagoveschensk, onde passou recebeu muitos enxertos de pele. Ela passou dois meses ali, onde continua se recuperando - não só fisicamente, mas também psicologicamente.
Após o ocorrido, Natália descobriu que outras pessoas também tinham visto ursos na cidade nos últimos anos. “As pessoas dizem que eles andam pelas hortas e pátios, mas ninguém faz nada a respeito”, diz Natália.
A natureza em Tinda é muito bonita: a cidade é cercada por montanhas e florestas. Os pais de Natália se mudaram para lá nos tempos soviéticos para ajudar a construir a linha de trem Baikal-Amur. Depois, eles voltaram para Dnepropetrovsk, mas ela decidiu ficar.
Ela tinha finalmente conseguido comprar um apartamento depois de esperar por 20 anos em uma fila por ele. “Os tempos eram outros. A gente passeava em lugares mais remotos, colhendo cogumelos e frutas na floresta, e nunca tinha medo de nada e de ninguém”, diz.
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