Russo planta a sementinha do bem no YouTube (anonimamente)

Estilo de vida
ANNA SORÔKINA
Um jovem youtuber de Moscou borra o próprio rosto nos vídeos porque não está atrás de marketing pessoal. Seu objetivo é influenciar as pessoas. Mas não do mesmo jeito que os youtubers comuns: ele quer tornar seus espectadores mais gentis.

"Eu achava que um lugar inacessível seria um penhasco, mas agora vejo que um lugar inacessível pode ser tão simples quanto o meio-fio da calçada". Estas são as palavras iniciais de um vídeo postado no canal do YouTube "Palavra de um Cara" ("Slovo Patsana", em russo), no qual jovens cadeirantes russos viajam às montanhas do Cáucaso.

No vídeo, o apresentador aparece em frente à câmera: é um jovem magro, de roupa de esporte, com uma bolsa camuflada, que começa a falar sobre as pessoas filmadas e como tudo ali aconteceu.

O canal tem pouco mais de 20 vídeos, que mostram desde voluntários distribuindo pão gratuitamente, comprando produtos vendidos de velhinhas em mercados ou instalando um piano na rua.

O rosto do apresentador está sempre borrado, apesar de ser uma só a pessoa por trás do canal. O Russia Beyond foi atrás deles para descobrir mais sobre o projeto.

'Há muita coisa negativa no mundo'

Román, de 30 anos, vive em Moscou. Ele nos pede para não revelar seu sobrenome ou mostrar seu rosto e explica por que borra suas feições em todos os vídeos. "É um pouco estranho fazer essas coisas diante das câmeras, porque elas parecem vir com a mensagem: 'vejam só como eu sou cheio de virtudes'. Além disso, meus colegas de trabalho podem me reconhecer!", diz.

Na verdade, Román tem três empregos (no comércio e na construção) e gasta boa parte significativa de seus rendimentos em seu projeto de caridade "Palavra de um Cara".

"Atualmente, a internet só tem coisas negativas, mas quero que meus filhos tenham um bom exemplo. As coisas que os jovens assistem na internet fazem eles ficarem com a cabeça fraca e eles não estabelecem prioridades como deveriam. Percebi que era preciso criar um conteúdo alternativo para jovens com exemplos de bondade", diz Román.

Assim, ele resolveu fazer vídeos retratando boas ações. Román comprou uma câmera e pediu a um amigo cinegrafista para filmar. Até ali, Roman não tinha experiência nenhuma com blogues e vídeos, mas seu primeiro post, que o mostra comprando verduras de velhinhas na rua, já teve quase oito milhões de visualizações desde dezembro de 2018.

Ele chamou o canal "Palavra de um cara", porque ele acha que ninguém deveria quebrar uma promessa - este é o princípio dele desde tenra infância. Além disso, Román acredita que os espectadores jovens gostam do canal porque se veem nele.

"Muito pouca gente do meu círculo mais próximo sabe que eu faço isso. Eu sei que vai chegar uma hora em que eu terei que falar para todo mundo e mostrar meu rosto, mas, por enquanto, prefiro ficar incógnito", diz.

As pessoas no vídeo não têm ideia do que vai acontecer

Román descobre os protagonistas de seus vídeos por acaso. Quando ele foi ao Cáucaso para fazer o vídeo sobre cadeirantes, conheceu algumas velhinhas vendendo verduras e flores e decidiu comprar tudo o que elas estavam vendendo e fazer um vídeo.

Outro protagonista de seus posts, o pai solteiro Vadím, que cuida de uma grande família, conheceu Román na prefeitura. Assinantes do canal também indicaram outros personagens para as histórias.

O ponto principal é que nenhuma dessas pessoas sabia que ele levaria produtos básicos ou iria ajudá-las de alguma forma. Sempre foi uma surpresa para todas elas, por isso é que os vídeos trazem tanta emoção genuína - tanto dos personagens, como do próprio apresentador.

Um dos cadeirantes no Cáucaso, Iliá, fica deitado em casa o dia todo. A última vez que ele tinha saído havia seis meses. Mas, mesmo que ele saia, aonde ele pode ir?

"Eu digo a ele: ‘Iliá, se você aprender a entrar na sua cadeira de rodas, prometo criar para você uma rota até o parque e as lojas. Vou colocar uma ladeira na calçada onde você tem que atravessar e instalar obstáculos de concreto para impedir que os carros bloqueiem seu caminho. Mas você tem que aprender a se levantar primeiro!", conta.

Roman parece tomar para si próprio todos os problemas que encontra. "Antigamente, eu queria ficar não me envolver, porque estava tudo bem com a minha vida. Mas, depois de passar quatro dias em contato com essas pessoas, vi que era gente como a gente. Só que a vida deles ficou tão mais difícil, que até sair de casa pode ser um problema", diz Román.

Boas ações para as massas

Román diz que também quer ajudar outras pessoas, entre elas, vítimas de incêndios florestais e idosos solitários que vivem em áreas remotas, mas acha difícil incrementar mais seu canal sem anunciantes: ele não quer promover negócios escusos  e ainda não tem seguidores que lhe gerem uma renda da plataforma (o canal tinha 365.000 seguidores em maio de 2019) ou para atrair grandes anunciantes, como o motor de busca russo Yandex.

Para tanto, diz Román, seria preciso pelo menos um milhão de assinantes.

“É claro que é extremamente difícil para duas pessoas [ele e o cinegrafista] organizarem tudo isso”, diz Román.

Já os seguidores, tocados, não apenas enviam doações, mas também oferecem toda a ajuda possível.

"Os espectadores enviaram comida para o Vadím e sua grande família. Teve até quem lhe mandasse pacotes apartir da região de Altai. Em Tula, um espectador forneceu um caminhão GAZ com o qual distribuímos pão. Outro cara ajudou a arrumar um forno para um veterano de guerra" conta.

Ele acrescenta que houve, porém, um episódio desagradável. Foi quando uma pessoa, sob o pretexto de querer ajudar, buscava fazer marketing pessoal e começou a transmitir ao vivo os feitos em seu próprio blog.

"Eu pedi a ele várias vezes para não fazer isso, mas ele não quis saber, então tive que deixar claro de maneira menos educada", conta.

Román ressalta que seu principal objetivo não é simplesmente ajudar as pessoas, mas também inspirar outros a fazê-lo. E está funcionando. "Os assinantes me enviam histórias de como levam comida para velhinhas ou simplesmente expressam palavras de gratidão. Algumas pessoas chegam até a me escrever do exterior", arremata.

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