Por que os russos ainda não acreditam que os norte-americanos estiveram na Lua?

Estilo de vida
EKATERINA SINELSCHIKOVA
Uma das teorias conspiratórias mais conhecidas do mundo (sobre ter sido uma farsa o pouso na Apollo-11 na Lua) ainda é muito popular na Rússia - você nem imagina o quanto! Para prová-la, alguns russos chegam até a doar grandes quantias.

“Um pequeno passo para o homem, um grande salto para a humanidade.” A célebre declaração de Neil Armstrong, pronunciada por ele na Lua, marcou o início de uma nova era: os humanos ultrapassaram os limites do planeta e, pela primeira vez, pousaram em outro corpo celeste. Isto ocorreu no já distante ano de 1969.

Agora, sonhamos em colocar o homem em Marte e lemos sobre vazamentos de uma “conferência marciana secreta” realizada por Elon Musk. Mas, mesmo depois de tanto tempo, os russos ainda não conseguem acreditar no “pequeno passo” de Armstrong na Lua.

É verdade que teoria da conspiração sobre a Lua foi inventada nos EUA, mas quase nenhum país do mundo acredita tão fortemente que o governo dos EUA tenha encenado uma complexa farsa sobre o pouso na Lua, todo filmado em Hollywood.

Atualmente, somente 24 por cento dos russos acredita que o pouso dos norte-americanos não foi uma farsa.

Fake news dos anos 1990

Mas nem sempre foi assim. Na União Soviética, em 1969, ninguém - nem funcionários públicos, nem a imprensa - duvidou da conquista dos astronautas norte-americanos.

"Enquanto recebíamos sinais da Lua, os recebíamos da Lua, e não de Hollywood", disse o cosmonauta russo Gueórgui Grêtchko, membro do programa lunar soviético (que foi cancelado depois de a missão Apollo-8 ter orbitado ao redor da Lua pela primeira vez).

Então, todos os sistemas de reconhecimento soviéticos assistiam ao primeiro voo tripulado para a Lua, e o equipamento de rádio soviético recebia sinais a bordo da Apollo-11, todas as suas comunicações de áudio e as imagens de TV na superfície da Lua.

"Encenar uma farsa como essa talvez tenha sido tão difícil quanto realizar a verdadeira missão", disse, em seu livro “Trektoria jízni” (do russo, “A trajetória da vida”), Konstantín Feoktistov, cosmonauta que projetou o ônibus espacial.

Para tanto, seria necessário, primeiramente, enviar uma estação de televisão para a Lua e, depois, enviar a ela a Apollo-11 como retransmissora. E ainda fazer dezenas de fábricas para produzir naves naves espaciais. E então, encenar o pouso na Terra... Complicado demais. Mesmo para uma corrida espacial entre as “superpotências”.

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Mas, no final dos anos 1990, a chamada “conspiração lunar” chegou à Rússia, onde ganhou eco. Contemporâneos atribuem isso ao fato de que a nova e frágil Rússia urgia por conceitos pseudo-patrióticos que mostrassem como os americanos enganavam todo o mundo, inclusive a União Soviética, a qual sempre foi a primeira em tudo.

‘A grande mentira americana’

A história russa desta teoria conspiratória iniciou-se com a publicação do livro “Anti-Apollo. A farsa lunar dos EUA”, pelo publicista Iúri Mukhin. Nele, o autor afirmava que o dinheiro investido n o programa lunar teria sido roubado, enquanto as cenas do pouso lunar, filmadas por Stanley Kubrick, o diretor por trás do filme cult “2001: Uma Odisseia no Espaço”.

Além disso, segundo Mukhin, teriam participado da conspiração alguns comunistas soviéticos e alguns cientistas soviéticos (graças ao dinheiro, claro).

Mas a "grande mentira americana" dificilmente teria ficado tão famosa na Rússia se não tivesse sido apoiada por indivíduos respeitados e pela imprensa.

O jornalista Aleksandr Gordon fez dois documentários sobre a "conspiração lunar". Em 2007, a revista científica “Questões atuais da ciência contemporânea” publicou um artigo "provando" que, na velocidade em que voava, o foguete norte-americano não poderia ter chegado à Lua.

Além disso, em 2018, o chefe da agência espacial russa Roscosmos, Dmítri Rogózin, anunciou que a Rússia estava preparando uma missão à Lua. "Definimos a tarefa de voar para lá para verificar se eles [os americanos] estiveram ali ou não. Eles dizem que sim, então vamos verificar", disse.

E tudo isto apesar do fato de que a Academia Russa de Ciências condenou oficialmente a "conspiração lunar" e o presidente russo Vladimir Putin declarou que ela é "tolice".

 O show continua

A julgar pelas pesquisas de opinião pública, 65% das pessoas que não acreditam que a aterrissagem lunar de 1969 realmente aconteceu têm apenas o ensino médio. É interessante notar que a vontade de revelar a "verdade" vai muito além da curiosidade comum: alguns russos estão prontos a doar seu próprio dinheiro para a causa.

Em 2015, iniciou-se uma vaquinha virtual na plataforma de crowdfunding Boomstarter para um microssatélite com câmera para verificar o local de pouso da Apollo-11. A ideia foi lançada por um blogueiro louco pelo espaço. A meta era alcançar os 800.000 rublos (então, US$ 12.000), o projeto conseguiu 218% mais que isso.

Alguns dos colaboradores provavelmente são aqueles que ainda participam de discussões intermináveis nos fóruns on-line sobre a teoria da conspiração (acredite, eles são muitos). Eles escrevem comentários como este: "Se você acha que os norte-americanos são charlatães, eu concordo... Há muitas provas disso. Por exemplo, há algo errado com a pegada [provavelmente, a de Armstrong], ou como se movimenta a bandeira, e muito mais. Por exemplo, o clipe da banda Rammstein “America” é prova disso, ou o jogo do GTA “Vice City” – em uma ilha tem um cenário e lá tem um edifício dentro do qual há rocha lunar artificial e teria sido ali onde eles filmaram o pouso na Lua".