Por que Moscou e São Petersburgo são um país à parte da Rússia?

Estilo de vida
EKATERINA SINELCHIKOVA
A vida nas duas maiores cidades russas é diferente daquela em outras partes do país – tanto é que, para muitos nativos, elas são praticamente um universo independente.

Se você estiver ao lado de um russo que venha de uma cidade provinciana (tomando chá no trem, por exemplo) e começar a falar sobre a Rússia com base em uma recente viagem a Moscou ou São Petersburgo, provavelmente ouvirá as palavras: “Meu amigo, você não sabe nada sobre o país. Porque essa que conheceu NÃO é a Rússia”.

A noção de que as capitais da Rússia são um país à parte em termos econômicos, culturais, educacionais e de mentalidade, quando comparadas aos milhões que vivem em outros locais remonta a décadas, se não a séculos. Existe uma infinidade de piadas sobre a necessidade de implantar controle de vistos e passaportes à beira do anel viário de Moscou. A atual capital e a ex-capital ao norte, com suas catedrais, praças, Kremlin, Hermitage e parques modernos, jamais serão cidades “puramente russas”.

As capitais do capital

A principal razão é o enorme abismo econômico. Enquanto Moscou gasta nos feriados cerca de 400  milhões de rublos (um pouco mais de 6 milhões de dólares) para dispersar nuvens no céu e recebe um investimento de 3 bilhões de rublos (45 milhões de dólares) nas celebrações de Ano Novo, as pessoas nas demais regiões do país estão lutando para pagar empréstimos bancários. Este é também o principal motivador para o ódio nacional em relação aos moscovitas.

Na época soviética, os trens que iam de outras regiões menores para Moscou eram apelidados de ‘salsichas’. Isso porque as pessoas desses locais “viajavam à capital comprar salsichas em troca de pães e cintos de munição, afinal, não tinham salsichas em suas próprias cidades”, relembra Germanitch, usuário do LiveJournal.

Desde então, a diferença entre o padrão de vida em Moscou e as províncias mudou pouco, mas não é mais calculada em termos de linguiças – esse problema específico foi resolvido há muito tempo. A média salarial em Moscou é de 81.000 rublos (US$ 1.220) por mês, enquanto nas cidades vizinhas o valor é de 30.000 rublos (US$ 450).

Obviamente, existem também exceções. Iujno-Sakhalinsk (6.400 km a leste de Moscou, perto do Japão), por exemplo, tem salários comparáveis ​​aos da capital, mas a vida lá é mais cara por causa de seu afastamento geográfico e logístico.

“Moscou é o lar de tudo: grande governo, grandes empresas, e empregos que simplesmente não existem em outro lugar. Moscou vive melhor e é mais rica que o resto da Rússia. São Petersburgo, por sua vez, em termos de renda per capita, se assemelha mais a outras cidades da região de Moscou”, disse Natália Zubarevitch, professora de geografia econômica da Estatal de Moscou, ao Russia Beyond.

O poder da centralização

Como é que o maior país do mundo em extensão tem apenas dois centros de gravidade? Segundo os especialistas, isso se deve a história e centralização excessiva.

“Tradicionalmente, desde os tempos tsaristas, a Rússia tem dois centros de desenvolvimento: Petersburgo e Moscou. Na União Soviética, a centralização continuou, mas desta vez priorizando Moscou e as outras capitais das repúblicas –  Kiev, Minsk, Tashkent e etc.”, explica Evguêni Gontmakher, professor da Escola Superior de Economia de Moscou. “Após a queda da União Soviética, a bipolaridade Moscou-Petersburgo voltou à tona. E, embora o país seja chamado de Federação Russa, o federalismo aqui é considerado bastante simbólico”, completa.

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Todas as principais instituições científicas, educacionais, culturais, grupos intelectuais, universidades de ponta, mídia nacional e sedes corporativas estão localizadas nas duas capitais. Nesse aspecto, a Rússia é o oposto dos EUA, onde os melhores cirurgiões estão no Texas; a sede da Apple fica na Califórnia; a CNN, em Atlanta; e o Congresso, em Washington (a 20ª maior cidade do país, embora capital).

“Nós evoluímos de forma bastante diferente, não a partir das bases. O nosso país sempre foi monocêntrico, anexando províncias e as subordinando a si próprio. Este centro simplesmente se deslocou um pouco”, diz Zubarevitch.

Mais europeus, mas nem tanto

Por último, há a crença imortal de que os moscovitas e os peterburguenses são, de certo modo, “diferentes” – e não o verdadeiro povo russo.

Especialistas alegam que Moscou não pode ser vista como a Rússia, porque trata-se de uma cidade avançada e modernizada, e com uma enorme concentração de pessoas altamente instruídas que são, por essência, o motivo dessa modernização.

Elas realmente são distintas em muitos aspectos, com um ritmo totalmente diferente de trabalho e vida: Moscou nunca dorme, enquanto na cidade de Kirillov, na região de Vologda (600 km ao norte de Moscou), a dia termina por volta das 17h.

“Os moscovitas [e os peterburguenses] têm uma mentalidade fundamentalmente diferente. Eles são estrangeiros. Querem ser como americanos ou europeus ocidentais (de comerciais e revistas), mas, por dentro, permanecem russos e não gostam muito disso”, definem os usuários de um fórum on-line.

No entanto, a verdade está nos olhos do observador. Moscou é, de fato, a Rússia quando se considera que cerca de três quartos de seus habitantes não são moscovitas, mas sim pessoas de todas as partes do país e da extinta União Soviética.