Russo Em Fúria: Dá para desligar esse telefone e ir escrever um maldito poema?

Natalya Nosova
Imagine se você tivesse apenas que pensar. Pensar livremente, sem organizar suas ideias em um mural de Facebook... Impensável?! A loucura do povo por tecnologia está me deixando doido! Eis o que eu sugiro que façamos quanto a isto...

Há muitos reis e rainhas andando entre nós na atualidade. Tantos VIPs, ministros, formadores de opinião... inclusive no transporte público. Vejam por exemplo este cara.

Ei, Senhor Importante, sinto muito mesmo por interromper, mas você acaba de sair da porta do ônibus e parou todo imponente para ver alguma coisa no iPhone. Claro que as 15 pessoas que estão atravancadas atrás de você tentando descer vão esperar quanto tempo Vossa Majestade quiser, junto com os outros 27 passageiros cujo ônibus não pode seguir o trajeto logo por sua causa.

Mas sejamos positivos: possivelmente foi Jesus Cristo quem lhe enviou uma mensagem tão importante para você parar todo mundo desse jeito.

A vida de servo é difícil em uma megalópole contemporânea. Há um ano, uma pessoa – aparentemente, uma grande chanceler ou algo assim – bateu seu Honda Jazz bem na traseira do meu velho Passat B3 quando eu parei no sinal vermelho.

Quando saí do meu carro, ela ainda estava mandando mensagem pelo telefone. “Era uma mensagem muito importante”, ela disse. Devia ser mesmo. Eu falei para ela mandar um “oi” para a Rainha Elizabeth da próxima vez que ela a visse.

Maldade demais?

Não, eu não acho que tirar sarro desses reis e rainhas seja irracional. Quem mais poderia ser tão descuidado e desatencioso com os outros, como se todos nós estivéssemos abaixo deles?

É tudo diversão até que alguém se ferra de verdade. Vocês se lembram da garota que morreu em um acidente de carro enquanto tirava “selfies” e a música “Happy” de Pharrell Williams tocava no fundo?

Todos os anos, mais de 330.000 acidentes com ferimentos diversos ocorrem porque o motorista está mandando mensagens. Aparentemente, algumas pessoas são descuidadas demais para tomar atitudes quanto a isto, e assim governos e gigantes da tecnologia estão introduzindo suas próprias medidas para lidar com o problema.

A Apple, por exemplo anunciou novas funções de seu sistema operativo que ajuda os usuários a controlar quanto tempo eles passam nos aplicativos.

No metrô de Tóquio, há aconselhando as pessoas a desligarem o toque dos telefones, evitarem a falar no telefone em público e olhar de verdade por onde andam enquanto falam.

Para completar, uma placa surgiu nas estrada de diversos países, entre eles a Rússia: “Atenção, pessoas no smartphone!”.

Quanto a encontros públicos, shows etc., os telefones e tablets ainda são uma enorme distração. Recentemente, o diretor de música clássica russo Teodor Kurentzis parou uma apresentação porque um telefone tocou na plateia.

Também houve modos mais ardilosos (e mais humilhantes) de avisar as pessoas que uma sala de espetáculos filarmônicos não é cabine telefônica.

Dizem “a liberdade de uma pessoa termina onde começa a de outra”. Por mim, tudo bem. Pelo menos enquanto é sua liberdade que começa, e não a tela do seu tablet que está batendo na minha testa quando estamos em um metrô tão lotado que parece uma lata de sardinha.

Não escrever cada pensamento no Facebook é impensável?

Eu também me pergunto porque o vizinho no transporte público tem vergonha quando espreito a conversa dele no Facebook com a namorada, se ele mesmo está ali discutindo as explorações da noite passada bem debaixo do meu nariz. Ah, peço-lhe desculpas, Sua Majestade. Eu deveria fechar meus olhos e apagar minha memória.

O que eu sugiro é algo simples: para começar, sua viagem de casa ao trabalho pode ser livre de celular? Sim, eu sei quão difícil é isto. Sem sacrifícios não se obtêm êxitos. Imagine se você tiver apenas que pensar sem organizar esses pensamentos em um mural de Facebook...

Observe os malditos passarinhos e árvores da janela do ônibus ao invés disso! Experimente o prazer de olhar para as pessoas no metrô, analisar suas roupas, inventar histórias sobre os estranhos...

Lembra daquela  brincadeira em “America”, de Simon & Garfunkel? “Rindo no ônibus, criando jogos com os rostos// Ela disse que o homem vestindo casaco de gabardina era um espião// Eu disse ‘Tenha cuidado, sua gravata borboleta é, na verdade, uma câmera’”. Este tipo de entretenimento só é possível sem um telefone em mãos.

E talvez, algum dia no futuro, quando alguém lhe perguntar “por que você não respondeu minhas mensagens por três horas seguidas”, você poderá responder: “eu tinha coisas mais importantes, estava olhando as flores no parque e escrevendo um poema”. E aí você vai se cobrir misteriosamente com seu capote e ir embora de maneira dramática.

Mas lembre-se: ir embora de maneira dramática deve ser feito com seu queixo voltado para as nuvens e não para o tablet. E não, não pode tirar selfie de capote. Meu Deus, você não entendeu nada de novo!

Russo Em Fúria escreve artigos opinativos sobre diversos assuntos que irritam universalmente a nós todos. Ele não é facilmente irritável, mas se ele se irrita... Sai de baixo!

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