O período que abrangeu meados dos anos 1980 na Rússia foi turbulento na política. Em outubro de 1993, confrontos armados irromperam em Moscou após um conflito entre o presidente Borís Iéltsin e o Parlamento russo ficou fora de controle.
Dois meses depois, o Partido Liberal Democrático da Rússia, liderado pelo populista (ainda em atividade nos dias atuais) Vladímir Jirinóvski venceu as eleições parlamentares. Tudo parecia possível então.
O estrategista político Konstantin Kalatchev, então futuro líder do Partido dos Amantes da Cerveja (Partia Liubitelei Piva), não estava nada satisfeito em 1993. Ele havia concorrido para o Parlamento, mas perdeu. “Decidi afogar minhas mágoas na cerveja”, conta ele ao portal Lenta.ru.
Nasce uma lenda
Sergei Metelitsa / TASS
Em uma fila para conseguir cerveja, Kalatchev encontrou Dmítri Chestakov, amigo que também havia fracassado nas eleições para o Parlamento. Os dois estavam bebendo cerveja no apartamento de Kalatchev e falando de política. “Chegamos à conclusão de que não havia um partido político decente na Rússia, e Dmítri disse que só votaria em um partido dos amantes da cerveja”, conta Kalatchev.
Talvez a dupla tenha bebido um pouco demais, mas Kalatchev, ainda dando seus tragos, escreveu a todas as agências de notícias que o Partido dos Amantes de Cerveja havia sido criado na Rússia (sim, ainda era fácil fazê-lo na década de 1990).
No dia seguinte, ele estava em todos os noticiários, convocando coletivas de imprensa e confirmando o feito. “Dane-se toda a política séria, eu quero meus 15 minutos de fama!”, disse.
A cerveja contra vodca
Sergei Metelitsa / TASS
Oficialmente criado em dezembro de 1993, o Partido dos Amantes de Cerveja, apesar de seu nome engraçado e conexão com a bebida, tinha uma agenda política séria – ou, pelo menos, afirmava ter -, e abriu suas portas não apenas àqueles que amavam álcool.
“O partido defende os direitos humanos, entre eles o direito de beber cerveja e o direito de não beber cerveja”, instituía o programa. Quanto à política, o Partido dos Amantes de Cerveja era bastante liberal, apoiando qualquer tipo de liberdade política e “recusando qualquer forma de autoritarismo”.
Fazia sentido também em um momento imediatamente posterior ao grande controle de bebida alcoólica e de campanhas contra o alcoolismo perpetrado por Mikhail Gorbatchov.
“Estávamos nos opondo ao governo, já que o governo era controlado por amantes da vodca, ou seja, Iéltsin. Dizíamos: a vodca causa agressividade e leva a guerras, enquanto a cerveja é símbolo do entendimento mútuo, da paz e do bem”, afirma Kalatchev.
A ideia não era nova: como escreveu Iliá Ehrenburg em suas memórias, até Lev Tolstói acreditava que a cerveja deveria substituir a vodca na classe trabalhadora. Apesar disto, nem ele, nem Kalatchev tiveram êxito em promover tal substituição.
Campanha maluca
Viktor Akhlomov/МАММ/МDF
O Partido dos Amantes da Cerveja levantou 300 mil dólares e atraiu muita gente para a campanha das eleições parlamentares de 1995, inclusive o cantor Borís Moiseev, o campeão de xadrez Vassíli Smislov e o físico Borís Rauschenbach.
De acordo com dados oficiais, havia pelo menos 50.000 membros no partido pela Rússia.
Kalatchev orgulha-se em dizer que eles gozavam de diversas opções dentro do próprio partido: a facção dos abstêmios, dos “amantes do vobla” (um tipo de peixe seco que acompanha bebidas) etc. Eles tinham até mesmo a “facção das mulheres insatisfeitas”. Insatisfeitas com o governos, oficialmente.
Portanto, não foi surpresa que a campanha teve muito a ver com cerveja. Os “Amantes de Cerveja” mandaram uma caixa de cerveja a Iéltsin e tentaram convencer Mikhaíl Gorbatchov de que a bebida era o melhor meio de reunir os países pós-soviéticos.
Seus estranhos vídeos de campanha tiravam sarro dos amantes da vodca e advogavam pela paz... por meio da cerveja, é claro!
Derrota amarga
Vladimir Velengurin / TASS
Apesar dos esforços, Kalatchev e seu partido não alcançaram um grande êxito. Nas eleições parlamentares de 1995, eles conseguiram apenas cerca de 430 mil votos – um número modesto para o país, representando apenas 0,62% do total de eleitores.
Assim, o Partido dos Amantes de Cerveja não chegou ao Parlamento. “Os elegantes piadistas do Partido dos Amantes de Cerveja tentaram participar do leilão político em vão”, escreveu o jornal russo Kommersant.
“Nossa campanha não obteve muito sucesso em termos de mensagem”, admite Kalatchev. Entre os erros que mais nos prejudicaram, estava a desorganização, segundo ele.
“Nossos fundos foram parcialmente distribuídos às regiões e nossos colegas simplesmente os gastaram e beberam”, diz.
O partido em si não durou muito também. Em 1998, Kalatchev anunciou seu fechamento. Ele retornou à política séria (e sem ligações com o álcool), trabalhando com o Partido Rússia Unida, que tem ligações estreitas com Vladímir Putin.
Apesar disto, ele parece um pouco nostálgico: “Não estou certo de que a política era mais sincera nos anos 1990, mas ela era, definitivamente, mais interessante”.
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