Como os russos mudaram minha vida: Morgane, da França

Arquivo pessoal
“Aprendi a abandonar meus padrões e a ser autêntica”, diz francesa, traçando comparativo entre os jovens russos e os provenientes de países da Europa Ocidental.

Quando me mudei para a Rússia há dois anos, não estava preparada. Eu era uma jovem europeia de classe média, nascida em um mundo estável e com a garantia de que a sociedade sempre me acolheria caso eu fracassasse. Na Europa, há sempre alguma coisa ou alguém – a polícia, o sistema de assistência social, ou os pais – para resolver os seus problemas, grandes e pequenos, e protegê-lo da vida real.

Em Moscou, as coisas começaram a dar errado de imediato. A colega russa que dividia o apartamento comigo me aterrorizava, meu gato caiu da sacada, eu comprei uma bicicleta que foi roubada logo em seguida, eu não conseguia entrar em contato com as pessoas que eu precisava para trabalhar, e não havia como encontrar o escritório certo para resolver questões de imigração. Eu me senti oprimida, sem poder e...meio ofendida. Eu não tinha controle algum – era como se a sociedade russa estivesse tentando me derrubar. Tão difícil e realmente injusto.

Então fiz meus primeiros amigos russos. Eles foram sábios o suficiente para não tentar resolver os meus “problemas” por mim. Em vez disso, eles tiraram essas paranoias da minha cabeça e me permitiram entrar em suas vidas. Eles me levaram para a piscina e para a datcha, onde fazíamos churrascos e bebíamos conhaque armênio em longas conversas sobre Púchkin e a ascensão e queda das civilizações. A intensidade desses momentos tão simples me fizeram perceber que eu estava presa a preocupações mesquinhas. Eu estava me sentindo como uma garotinha assustada. Eu estava me agarrando a expectativas, em vez de ver me expor as coisas ao redor.

Com um novo olhar, comecei a apreciar o bairro e a incrível vista da varanda para Moscou. Comecei a confrontar minha colega hostil, e ela me deixou em paz.

Na Rússia, tudo dá errado o tempo todo. É normal – e reclamar é inútil. Não se deve pensar que o mundo é especialmente injusto com você. Não quero generalizar, mas os russos raramente chafurdam na lama das dificuldades. E não é que eles não fiquem com receio ou chateados: eles apenas têm a coragem de resolver seus problemas, ou deixá-los passar. E, assim, eles se concentram no essencial.

Quebrando paradigmas

Muitos dos meus amigos aqui têm entre 20 e 30 anos. Esses millennials(geração Y, ou geração do milênio, que se refere a nascidos entre meados dos anos 1980 a 1990) russos nasceram e cresceram em um mundo muito diferente do meu – isto é, na época da perestroika e nos traumáticos anos 1990. Alguns dos meus amigos nasceram na Tchetchênia e foram deslocados quando as forças armadas russas começaram a bombardear Grózni; outros nasceram em Leningrado e cresceram na pós-soviética São Petersburgo, atormentada por crimes violentos, extorsões e miséria. A maioria deles viu seus pais lutarem, perderem tudo, ou até mesmo serem mortos.

Então, as coisas foram se acalmando. A vida ficou mais fácil e previsível. Agora Moscou tem um quê nova-iorquino, e os jovens moscovitas vivem suas vidas como os europeus. Eles têm segurança social, fundos de aposentadoria e planos de carreira ambiciosos. Ainda assim, passar a infância e a adolescência em um país em profunda crise deixa marcas. Esses meus amigos russos convivem com a noção de que tudo pode mudar, para o bem ou para o mal, da noite para o dia. Portanto, não se deve ficar muito ligado a seus próprios modelos, planos e expectativas.

Acho que é por isso que eles trabalham duro para conseguir o que querem, mas não se apegam a essas coisas se a vida levar embora. Se tudo ao redor ruir, o mais importante é manter a base: seus recursos internos, amigos, família e momentos agradáveis.

Vivendo rodeada por eles, aprendi a valorizar momentos agradáveis ​​mais do que modelos abstratos de vida. Eu aprendi que o tempo é algo para ser usado agora, em vez de ser guardado para mais tarde.

O valor da autenticidade

Os russos me ensinaram a fortalecer meu senso próprio. Na minha opinião, eles tendem a apreciá-lo por seu valor como indivíduo, e não por seu status na sociedade. Eles preferem gastar tempo (e mesmo na hora de fazer negócios) com uma pessoa leal, inteligente e gentil, e não com alguém “importante”.

Na Europa, eu estaria apegada às minhas credenciais sociais. Eu ia querer dizer às pessoas qual universidade frequentei e que amo literatura clássica. Eu colocaria algumas conquistas profissionais na conversa, insistiria que prefiro Bourgogne a Bordeaux e fingiria entender algo sobre design dinamarquês. Essa seria a minha maneira de impressionar meus colegas e me sentir bem comigo mesma.

Mas os russos não se impressionam facilmente. Eles sabem que status social vem e vai, sucesso profissional pode ser aleatório, e arte e cultura são irrelevantes, a menos que conectem as pessoas em um nível mais profundo.

Por estar perto de pessoas que valorizam autenticidade e riqueza espiritual, em vez de atributos sociais, comecei a ser mais verdadeira e mais gentil comigo mesma. Os russos sempre se recusavam a me respeitar por quem eu fingia ser. No fim das contas, eles preferiam o meu eu verdadeiro. E, graças a eles, comecei a gostar mais de mim.

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