Por que os russos ficam nas barras das saias de suas mulheres (e gostam disso)

Natalya Nosova
Nas rodas masculinas de conversas, todo mundo é o bonzão e chefe da casa. Mas, na realidade, os russos são uns coitados e quem manda mesmo no recinto é a mulherada.

Eu tinha um amigo na escola. O pai dele, o tio Vítia, era um cara barulhento e doido, que adorava beber e encrencar com todo mundo que estivesse perto: os vizinhos, nossos jogadores de futebol, e até o Brejnev – este, a meia voz.

O tio Vítia causava em casa, causava no pátio do prédio, causava no trabalho. Mas tinha uma única pessoa que fazia o tio Vítia se calar. Era sua mulher, a tia Larissa. Não, ela não era uma miserável escandalosa, e sim uma titia soviética das mais habituais, bem fofa.

Mas, em sua presença, o tio Vítia se comportava de maneira surpreendentemente pacífica. Por vezes, ao beber, ele podia ficar alegre. Então, a tia Larissa falava de maneira dura: “Vítia, acalme-se!”. E ele, resmungando para fazer tipo, ficava quieto.

Então, eu, na infância, ficava surpreso de uma maneira medonha: como aquele “macho man” furioso aplacava sob a voz de uma mulher? Mais tarde, notei uma abundância de casos parecidos em outras famílias. E cheguei a uma conclusão simples: os homens russos ficam na barra das saias das mulheres.

E isto não lhes causa o menor desconforto. Pelo contrário, eles gostam muito disso. Não, claro que eles não falam sobre isto. Eles escondem isto. Se você ouvir as conversas nas rodas masculinas, todo mundo é o bonzão, o chefe do lar. Na verdade, é tudo mentira. A chefe em casa é a mulher. A boazona é a mulher dele.

Neste ponto, tudo é bem complicado. A Rússia é um país patriarcal. Na política e nos negócios, esta fórmula se mantém. Uma mulher que busque a presidência é vítima de gozação ou mesmo ódio de 95% dos habitantes. Uma mulher que tenha ousado criar um negócio eficiente imediatamente gera suspeitas: foi ajudada pelo marido ou pelo amante.

Mas, em família, tudo é completamente diferente. É um espetáculo completo, em que a cada dia representam milhões de russos. As relações se constroem seguindo uma fórmula ardilosa. Formalmente, o homem é o chefe. No papel do que decide tudo. A mulher faz o papel da que o escuta em tudo. De qualquer maneira, é tudo ao contrário na maioria das famílias, e as mulheres decidem tudo, da cor do papel de parede do apartamento ao destino de férias.

Tenho experiência pessoal para comprovar: dois casamentos. No primeiro, eu realmente tentei fazer o papel do chefe, ganhava muito mais que minha mulher, decidia onde ir, o que comprar. Isto frequentemente levava a conflitos: minha mulher não estava pronta a submeter-se a toda e qualquer decisão minha. E pouco a pouco fiquei de saco cheio do papel de líder. Para que, se eu tinha uma mulher que resolvia uma porção de questões sozinha (e, aliás, bem melhor que eu)?

No segundo casamento, eu mudei completamente a fórmula. Quase tudo era minha mulher que resolvia, e eu com um sorrisinho maroto me autoproclamava um homem na barra das saias. E isso me era conveniente.

Tem famílias que eu conheço em que os maridos são empresários, ganham montanhas de dinheiro e têm centenas de empregados. Eles são verdadeiros chefes. Mas mal ultrapassam a soleira da porta e imediatamente viram criaturas quietas e submissas. Eles têm seus próprios chefes: as mulheres.

Há muito me interessa esclarecer este fenômeno: por que os maridos russos estão dispostos a ficarem na barra das saias das mulheres, por que isto não  estrangula de maneira alguma sua impetuosa moral russa? E isto até mesmo quando o homem já está acostumado a chefiar!

Penso que a coisa aqui esteja no há muito deteriorado modelo familiar formado sob o socialismo. O homem trabalhava muito e pesadamente, e quase não aparecia para as crianças. Lendo memórias soviéticas, você percebe que o papai estava sempre ou no trabalho, ou em uma viagem de negócios, ou na frente de guerra, ou na prisão.

Tudo na família, devido a este estímulo, era dirigido pelas mulheres: mães e avós. As mulheres russas são muito fortes, as mais fortes do mundo, e digo isto com orgulho e consternação. Eu também fui criado pela minha mãe sozinha. Meu pai era geólogo, estava sempre em expedições ou peregrinações fascinantes. Ele amava caçar, navegava sozinho pelos rios. Mas meninos como eu cresciam sob os cuidados das avós e das mães, que eram para aqueles seus principais educadores. Os meninos, desde a infância, acostumaram-se a submeter-se a mulheres, acostumaram-se com o fato de que as mulheres decidem tudo. E os pais ou descansavam à noite (e não podíamos importuná-los então), ou nos davam um “pedala Robinho” pelas notas ruins (e nisto terminava sua função pedagógica). Além disso, os pais também bebiam bastante e não ganhavam muita simpatia dos filhos.

É bastante claro que quando um menino crescesse ele já pensasse: deixe que a casa seja dirigida por uma mulher. Para ele, isto era normal. Ele estava pronto a se submeter à mulher. Além disso, claro, há as mães. Daí surge o eterno conflito russo entre a mãe do marido e a esposa. Duas mulheres fortes não podem ficar por perto e dividir um homem. Este, por sua vez, apenas as escuta brigar e, de vez em quando, faz o papel do parlamentar.  

Pode ser que em algum tempo não muito distante algo mude nas famílias russas: as próprias mulheres agora trabalham muito, estão prontas a largar muitas das obrigações familiares, não querem ter que decidir tudo. Mas me parece que nossos homens não querem, de maneira alguma, sair das barras das saias.

Aleksêi Beliakov é jornalista e colunista em diversos veículos russos.

As opiniões expressas neste artigo pertencem ao autor e não refletem necessariamente as do Russia Beyond.

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