Como os russos mudaram minha vida: Donatien, da França

Arquivo pessoal
Não foram os russos nem mesmo a Rússia que mudou minha vida. Foi todo esse ‘universo russo’ que transformou minha vida, ou devo dizer, me deu uma nova vida. Eu renasci aos 30 anos, e as mudanças continuam ainda hoje.

Muitos franceses comparam sua chegada ao “universo russo” com a Alegoria da Caverna, de Platão – há uma revelação sobre eles mesmos, e uma bofetada. E vários dos que vêm para ficar pouco tempo jamais retornam.

Essa bofetada pode ser resumida na palavra russa DAVAI !!! (Vamos!), que é sempre escrita em letras maiúscula e seguida por três pontos de exclamação.

Para fazer o carro à sua frente no trânsito seguir em frente, ou confortar um amigo que foi abandonado pelo amor de sua vida, apenas pronuncie essa palavra. Pode também ser empregada para deixar uma gorjeta para o garçom, ou aceitar um convite, no calor do momento, para ir ao outro lado do país. Não traduzimos essa palavra – vivemos.

Nos últimos anos, tive a chance de ser jurado em um concurso de música, comprar uma fábrica de relógios soviéticos com meus amigos, experimentar a ausência de gravidade no Centro Iúri Gagárin e até organizar exposições de arte contemporânea.

Para cada uma dessas oportunidades, havia uma única resposta: DAVAI !!!

Eu não acho que essas coisas possam acontecer no resto da Europa, pelo menos não tão fácil e rapidamente como na Rússia. Talvez seja uma tendência restrita a Moscou? Convites para exposições de arte moderna são enviados no Facebook apenas dois ou três dias antes do evento. O CEO de uma grande empresa franco-russa me disse que é assim em todo o mundo, mas há menos barreiras na Rússia. Na Rússia, vive-se ao máximo e no momento presente – tanto a parte boa, quanto a não tão boa. DAVAI!!!

Esse ritmo intenso nos permite e nos força a ver a vida de maneira diferente, o que, às vezes, no Ocidente soa como severidade. Mas, talvez, devêssemos ver isso como uma sinceridade severa. Os russos não entendem por que sorrir para um estranho. No entanto, quando um amigo estiver uma hora atrasado, não se ofenda, fique lisonjeado e feliz por ele ter chegado. Quando você está mal-humorado, só está se punindo. “Meu amigo, você finalmente está aqui. DAVAI !!! Vamos curtir a noite!”

Babel russa

A Rússia não é um país, mas um império, um universo inteiro. Estudei a noção de impériona Sorbonne por vários anos, mas comecei a compreendê-lo apenas andando pelas ruas de Moscou. Na Rússia, existem dois conceitos: nacionalidade e cidadania.

Todas as pessoas têm cidadania russa, mas existem várias nacionalidades diferentes: calmucos, tártaros, tchetchenos, e assim por diante... Há, inclusive, palavras distintas para um cidadão russo e um russo étnico. Mas todas essas nacionalidades compartilham uma história comum, e elas choram e riem assistindo aos mesmos filmes. Além disso, compartilham a sensação de fazer parte de um todo.

Essa continuidade profunda de Kaliningrado a Vladivostok não é apenas cultural, mas também tem uma estranha dose de sincretismo profundamente influenciada pela religião ortodoxa. Nos táxis em Moscou, por exemplo, não é incomum ver um véu muçulmano pendurado sobre ícones ortodoxos. Lembro-me também do calendário de uns amigos judeus, no qual os sábados eram riscados com a palavra “shabat”. Porém, logo acima desse calendário, havia um belo tríptico ortodoxo.

“Donatien, não somos apenas judeus, somos também russos.”

Antes de finalizar, devo ainda destacar a pessoa que torna minha vida diária uma constante transformação: o nome dela é Kátia, minha esposa russa. Por causa dela, tudo o que descrevi tem sido uma experiência com outro nível de sentimento.

Confira aqui os relatos de outros estrangeiros instalados na Rússia.

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