Poucos sabem que os vampiros não vêm da Europa, mas são um fenômeno eslavo. “Você os chama, só Deus sabe por quê, de vampiros, mas posso garantir que o verdadeiro nome russo deles é upir; e por serem de origem puramente eslava, embora sejam encontrados em toda a Europa e até na Ásia, não é razoável usar o nome distorcido pelos monges húngaros, que decidiram transformar tudo em estilo latino e fizeram de upir um vampiro” — essa é uma citação do início do conto “Upir” (também publicado em português sob o título “O Vampiro”), escrito em 1841 por Aleksêi Konstantínovitch Tolstói, primo em segundo grau do famoso escritor russo Lev Tolstói.
Contos sobre espíritos malignos, mortos-vivos e criaturas diversas do outro mundo surgiram na literatura russa há séculos e podem ser encontrados até nos antigos contos folclóricos russos.
O escritor mais famoso do gênero de “horror” russo é Nikolai Gógol, com suas coletâneas de contos “Noites na Granja ao Pé de Dikanka”, de 1831-32 (publicada em português pela editora Assírio & Alvim), “Contos de São Petersburgo” (1845) e “Mirgorod” (1835), que inclui a novela de horror “Viy”, considerada uma das obras mais aterrorizantes da literatura russa.
Cena de “Noites na Granja ao pé de Dikanka”.
Aleksandr Rou/Estúdio de Cinema Górki, 1961As obras de ficção de Gógol, assim como de outros escritores russos, podem ser divididas em dois tipos: histórias com humor, nas quais os espíritos malignos não são aterrorizantes e vivem organicamente ao lado das pessoas; e histórias pseudorrealistas assustadoras, em que mortos emergem das suas sepulturas e assustam as pessoas.
A obra de Aleksêi Tolstói “Upir”, porém, fica um pouco à parte.
“Upir” começa com a cena de um baile lotado. Como se nada tivesse acontecido, um jovem completamente grisalho, conta ao protagonista Runévski que o baile está cheio de upirs (vampiros) e lista quem exatamente são. Ele afirma ter comparecido pessoalmente aos funerais de muitos deles — e agora eles estariam na sala, prontos para beber o sangue dos jovens.
Cena do filme “Sugadores de Sangue”, um suspenso místico sobre vampiros filmado em 1991 pelo diretor Evguêni Tatarski.
Evguêni Tatárski/Lenfilm, 1991Runévski fica perplexo e se recusa a acreditar, pensando que o seu interlocutor é louco.
O herói se apaixona pela órfã Dacha, cuja avó também é considerada uma upir. A mãe de Dacha morreu muito jovem, supostamente de tuberculose, e seu sangue foi encontrado no vestido da avó.
Com o tempo, de acordo com alguns detalhes e sinais indiretos, Runévski começa a acreditar em upirs e perceber que sua amada Dacha também não é deste mundo.
Imerso em pensamentos e dúvidas, Runévski encontra novamente seu interlocutor no baile.
Cena do filme “Upir” de 1967.
Stanislav Lenartovitch/Associação Criativa “Kadr”, 1967O interlocutor conta uma história misteriosa sobre como quando estava na Itália. Ele e seus amigos haviam entrado em uma mansão gótica abandonada, que todos na região chamavam de “a casa do diabo”. Coisas místicas aconteciam lá à noite — tanto que nenhum deles entendia o que era sonho, realidade, ou talvez a pegadinha maligna de alguém.
Descobriu-se que naquele local teria existido um templo pagão onde viviam Lâmias e Empusas (criaturas fantásticas do folclore grego-romano) — e que eram muito parecidas com os upirs russos.
Mais tarde, Runévski conhece Vladimir, irmão de sua amada Dacha, que também havia estado naquela casa malfadada. Vladimir conta a história de sua visita à “casa do diabo” de uma maneira completamente diferente.
No final, o leitor fica com uma escolha: em quem acreditar? Em um louco que acredita cegamente em upirs; em Runévski que duvida; ou em Vladimir, que explica tudo de forma lógica, sem sombra de misticismo.
O “Upir” de Tolstói foi transportado para as telonas duas vezes: em 1967, foi lançado um filme polonês com o mesmo nome e, em 1991, o thriller soviético “Bebedores de Sangue”.
Acredita-se que Tolstói escreveu “Upir” sob a influência da história “O Vampiro”, do escritor inglês John William Polidori. Nele, pela primeira vez, um monstro selvagem sugador de sangue aparece como um aristocrata. “O Drácula” de Bram Stoker nasceu bem mais tarde.
“Ghouls” é um longa-metragem russo dirigido por Serguêi Ginzburg. Adaptação para as telonas de “A Família do Vurdalak”, de Tolstói.
Serguêi Ginzburg/Gorad, 2017No entanto, o fenômeno do “upir” pode ser enconrado em fontes históricas escritas eslavas muito mais antigas.
“Upir” é uma palavra original russa que era usada na mitologia eslava para se referir aos mortos que se levantam de seus túmulos e sugam o sangue dos vivos. Os upirs também eram heróis de diversos contos populares russos: na maioria dos casos, pessoas excomungadas da igreja. E a única maneira de escapar dos upirs, segundo a mitologia eslava, era jogando água benta neles.
“Upir”, um conto popular russo da coleção de contos de fadas do folclorista Aleksandr Afanassiev.
Ivan Ivanov/Phoenix, 2020Em geral, os upirs russos são semelhantes aos vampiros da Europa Ocidental. Os linguistas acreditam que as palavras “upir” e “vampiro” têm uma origem comum. Por exemplo, na língua bielorrussa essas criaturas são chamadas de “vupir”; em búlgaro, “vapir”. Todos esses termos são semelhantes entre si. Segundo uma das teorias, a palavra “upir” chegou à língua russa da antiga mitologia tártara, que descreve uma criatura sanguinária chamada “ubir”. Esse substantivo provém do verbo tártaro que significa “sugar”, “absorver”.
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