Com bordado tradicional, mestres criam mapa etnográfico da Rússia

Cultura
ANNA SORÔKINA
Em um museu interiorano, pode-se ver o mapa mais diferente do país. Isso porque, nele, todas as regiões estão representadas no estilo de bordado tradicional local. 

Você não encontrará cidades, montanhas ou florestas neste mapa da Rússia – simplesmente porque as diferentes regiões do país são representadas por meio de bordados locais. Em alguns lugares, pode-se identificar as características dos pontos de referência locais delineados em pontos-cruz; em outros locais, há brasões; e existem também aqueles representados por grupos étnicos inteiros ou animais e pássaros peculiares.

Este mapa bordado da Rússia foi feito em 2022 e está atualmente em exibição no Museu Nacional da Tchuváchia em Tcheboksari. Esta república na região do Volga é frequentemente descrita como “a terra dos cem mil bordados”, porque em nenhum outro lugar se encontra tamanha riqueza e variedade de padrões. Tanto é que o Dia do bordado da Tchuváchia tem até dia próprio –  comemorado em 26 de novembro.

Do cocar ao mapa

Tudo começou com um ‘surpan’ bordado – um tipo de adereço feminino para a cabeça –, segundo a diretora do museu, Irina Menshikova. “Decidimos enfeitar as pontas deste tecido de seis metros com bordados de diferentes regiões da Tchuváchia. Enviamos tiras de tecido para mestres bordadeiras e depois costuramos tudo e apresentamos no festival em 2020. Lá, as pessoas nos perguntaram: E o que vocês vão fazer no ano que vem? Foi então que decidimos fazer um mapa bordado da Tchuváchia.”

Artesãos locais bordaram um mapa da Tchuváchia em 1937, mas tratava-se de um mapa geográfico com florestas, assentamentos e estradas. “Decidimos fazer agora um mapa etnográfico. Enviamos para as nossas regiões peças de tecido de corte adequado e pedimos a seus artesãos que fizessem bordados em seus estilos tradicionais locais. A principal condição era não ultrapassar as bordas e usar apenas bordados à mão.”

O museu só tomou conhecimento do que as bordadeiras haviam feito quando os trabalhos foram apresentados. Uma localidade tinha padrões antigos bordados, enquanto outra mostrava os grupos étnicos que viviam localmente; já outras, apresentavam o mítico cavalo alado Urgamak e seu mestre guerreiro-herói, e assim por diante. O mapa impressionou tanto os visitantes do Dia do Bordado que o líder da república propôs que um mapa bordado de todo o país fosse feito para 12 de junho, véspera do Dia da Rússia. O Museu Nacional da Tchuváchia preparou pedaços de tecido do mesmo tamanho e formato e os despachou para bordadeiras de todas as regiões – e elas ficaram muito animadas em apoiar a iniciativa.

Três sóis, a árvore da vida e os “diamantes”

Mais de 200 mestres do bordado passaram meio ano trabalhando no mapa. E, ao devolverem as peças acabadas, descobriu-se que mesmo as regiões mais distantes umas das outras tinham símbolos quase idênticos em seus bordados e em sua cultura.

“Na Tchuváchia, por exemplo, nosso principal símbolo é o Sol”, diz Olga Kuchmanova, chefe do departamento cultural e educacional do museu. “Reza a lenda que três sóis costumavam brilhar no território da Tchuváchia, mas, com o passar do tempo, um deles se transformou em Lua e outro se partiu em pedaços e se tornou as estrelas.” Os mesmos símbolos do Sol estavam presentes nos trabalhos enviados pelas regiões de Smolensk, Penza e Samara.

Nos mapas da região da Inguchétia, Daguestão e Ástrakhan, o símbolo solar é diferente: tem três raios solares. Já nos mapas de Kamtchatka, Tchukotka, Magadan e Iamal, o Sol é feito de contas com debrum de pele. “Nosso bordado antigo retrata a criação e a vida do povo evenque”, diz a artesã Galina Buchuieva, ao descrever o bordado produzido em Magadan.

Os povos indígenas do Extremo Oriente, por acaso, também possuem lendas sobre três sóis.

Outro símbolo comum a muitos grupos étnicos é a árvore da vida. A mais notável talvez esteja no mapa bordado da Iakútia, que é adornado com “diamantes” simbólicos (e não apenas diamantes). Paralelamente, em sua árvore, os mestres do bordado do Bascortostão representaram os povos que vivem em várias partes da república. No leste da Rússia, no sul da região do Volga e nos Urais, flores e ramos semelhantes podem ser vistos – ainda que essas regiões estejam a milhares de quilômetros distantes uma da outra.

Diversos animais podem ser vistos nas regiões da Sibéria. Claro, as renas do norte são retratadas com mais frequência, mas, em Tchukotka e em Kamtchatka, também é possível ver o urso polar e o urso pardo, respectivamente. E a região de Irkutsk é representada no mapa por uma besta peculiar, o Babr – segundo a lenda, este era inicialmente um tigre, porém, alguns séculos atrás, um desenhista heráldico desenhou um cruzamento entre um castor e doninha  – em uma palavra, uma criatura insondável, mas memorável.

Bordados e rendas de ouro

Moscou pode ser vista no mapa ao bater os olhos no mapa – as bordadeiras decidiram retratar o Kremlin de Moscou emoldurado em um padrão de fios de ouro. 

A mesma técnica também foi empregada para o mapa da Carélia, no qual foram bordados os tradicionais chapéus dos pomors (leia mais sobre os pomors aqui).

Vologda retratou sua região na técnica do ‘vidro de Vologda’, um bordado tipo renda utilizando linha branca sobre uma base branca. Oremburgo, por sua vez, usou padrões extraídos de seus lenços de cabeça locais para compor o mapa.

Inspiradas no mapa bordado da Rússia, muitas regiões estão fazendo seus próprios mapas bordados. O museu de Tcheboksari planeja exibir esta coleção no verão de 2023.

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