“Viaz”, o “lettering” russo que voltou à moda

Cultura
IÚLIA KHAKÍMOVA
Escrita decorativa introduz os russos à arte da caligrafia e ajuda estrangeiros a aprender a língua.

Na Rússia, o “viaz” já foi usado nas cartilhas russas, para ensinar a ler, escrever e também a contar (naquela época, os números eram indicados por letras) e como primeira etapa no desenvolvimento de todas as formas de escrita russa, conta Piotr Tchobitko, fundador e diretor de arte da escola de caligrafia de São Petersburgo "De Az a ijitsa", onde há estudantes do mundo todo: Canadá, Alemanha, Polônia, Chipre, Finlândia, Grã-Bretanha, Israel, EUA, América Latina e Austrália.

"Uma vez tivemos um grupo de árabes que queriam aprender caligrafia aqui, e eu lhes disse que não conhecia a escrita árabe. A isso, eles responderam que não era preciso, que queriam justamente aprender nosso ‘viaz’, que é o mesmo que para eles a escrita cúfica [criada no final do século 8]". No Oriente, formas geométricas claras de sinalização têm base semelhante à nossa ‘viaz’", diz Tchobitko.

“Além disso, entre meus alunos havia muitos chineses estudando o viaz que depois aprenderam uma outra caligrafica: o ‘ustav’ e o ‘semi-ustav’. Segundo eles, a caligrafia russa tem muito em comum com a chinesa.”

Na opinião de Tchobitko, o “viaz” é uma porta de entrada à sua maneira para a arte da caligrafia em geral. Ele é facilmente compreensível e por isso tem tanta recepção por crianças e adultos.

"Quando uma pessoa começa a entender o viaz, ela descobre a beleza da língua russa", diz Tchobitko.

As origens do ‘viaz’

O “viaz” ornamental surgiu em meados do século 11 em Bizâncio, mas atingiu seu apogeu em Estados eslavos. Acontece que as letras do alfabeto grego não permitem revelar completamente o maior potencial do “viaz”: a “ligadura de mastro”, ou seja, a conexão de elementos diretos das letras.

Já o alfabeto cirílico é imensamente mais rico neste aspecto porque absorveu todo o alfabeto grego e o complementou com letras "autênticas" para denotar os sons específicos da antiga língua eslava. Assim, para um calígrafo, o cirílico e o “viaz” são uma verdadeira abundância de “ligaduras de mastros”, com cerca de 400 a 600 delas.

Os primeiros registros de uso do “viaz” entre os eslavos do sul datam da primeira metade do século 13. O mais antigo deles é uma inscrição do rei João Asen II da Bulgária em uma coluna de mármore na Igreja dos Quarenta Mártires em Tirnovo (Bulgária, 1230).

No século 14, o “viaz” do sul eslavo tornou-se mais rico e mais interessante do que o bizantino. Inicialmente, isso pode ser notado em escritos, nos nomes e títulos dos reis búlgaros e dos reis sérvios, e, mais tarde, em todos os manuscritos dos eslavos do sul, segundo o paleógrafo russo Viatcheslav Schepkin.

A queda desses Estados interrompeu o desenvolvimento dessas técnicas de escrita, mas, no século 15, surgiu o “viaz” romeno, baseado naquele dos eslavos do sul. Esse "trânsito" da escrita obviamente ocorreu através dos mosteiros do Santo Monte Atos.

Na Rússia, o “viaz” surgiu no final do século 14 e, no século 15, foi amplamente difundido em Nôvgorod, Pskov, Tver, Moscou, assim como na Trindade-Sergius Lavra, que se tornou um centro da escrita russa.

No final do século 15, o “viaz” tinha se tornado a forma de escrita mais utilizada da Rússia. Mas, entre 1708 e 1711, Pedro, o Grande realizou uma reforma do alfabeto russo e introduziu uma “fonte civil”, mais próxima da ocidental. Assim, a partir dessa época, o “viaz” foi preservado principalmente entre os Velhos Crentes, que resistiram às inovações estatais. 

Da Igreja à publicidade

Até o final do século 19, o “viaz” era usado na decoração de livros, ícones e interiores de igrejas. Mas uma revolução foi realizada nessa esfera pela associação criativa Mundo da Arte (1898-1927), que decidiu redescobrir o valor artístico do antigo “viaz”.

“O artista russo e ilustrador de livros Ivan Bilibin começou a usar o ‘viaz’ em livros, publicidades e cartazes. Mikhaíl Vrúbel criou interessantes efeitos decorativos baseados na combinação do ‘viaz’ com elementos peculiares ao estilo Art Nouveau. Paralelamente, Viktor Vasnetsov, o mestre pintor de contos de fadas russo, usou o ‘viaz’ na decoração de catedrais e até na pintura de selos", conta Tchobitko.

Ele ressalta que na virada dos séculos 19 e 20, o “viaz” finalmente deixou de ser exclusivo da Igreja, penetrou na tipografia e foi usado no design de livros e arte decorativa e aplicada.

Tchobitko e seus alunos contribuíram para o renascimento dessa caligrafia na Rússia no século 21. Em 2008, eles participaram da organização da primeira exposição internacional de caligrafia, em São Petersburgo.

Nas exposições seguintes, em Moscou, Nôvgorod, São Petersburgo e Tallinn a caligrafia russa teve lugar especial, principalmente o “viaz”. 

Sua capacidade decorativa, de ornamentação, seu ritmo especial e sua estrutura inspiraram designers, e o “viaz” começou a surgir por toda parte, desde embalagens e joias até a decoração dos interiores de casas particulares e espaços públicos.

Ao mesmo tempo, artistas de rua e grafiteiros passaram a absorver o “viaz” em suas obras.

Alguns deles, como Pokras Lampas, tentam combinar o gótico ocidental e o “viaz” russo — já que ambos requerem pinceis largos. Assim, o “viaz” russo hoje atua como uma espécie de material para experimentação em caligrafia.

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