4 segredos de ‘Anna Karênina’, de Lev Tolstói, que você precisa conhecer

Cultura
ALEKSANDRA GÚZEVA
O crítico literário e escritor Pavel Bassínski compilou um guia bastante peculiar sobre o complexo romance tolstoiano, que analisamos aqui ponto a ponto!

Reler um mesmo livro anos depois ou até com um humor diferente da primeira leitura produz novos detalhes e significados. Pavel Bassínski, um dos principais especialistas na obra e vida de Lev Tolstói, releu “Anna Karênina” uma dezena de vezes e, a cada uma delas, parecia-lhe se tratar de um romance completamente diverso.

Assim, ele decidiu reunir suas notas, descobertas e reflexões em seu novo livro, “A história verdadeira de Anna Karênina” (ainda sem tradução para o português; no original em russo, “Podlinnaia istoria Anni Kareninoi”, editora AST, 2022).

Eis algumas das descobertas mais interessantes de Bassínski:

1. O romance é inspirado no poeta Aleksander Púchkin

Após o grande sucesso de seu romance “Guerra e Paz” (1867), que retrata a guerra da Rússia contra a França napoleônica, Tolstói decidiu mergulhar mais fundo na história e escrever um romance sobre Pedro, o Grande.

Mas ele não conseguiu criar nenhum personagem que soasse natural centrado em tempos tão distantes. A crise criativa, no entanto, gerou outras ideias e Tolstói passou a trabalhar em um romance sobre a vida privada na era moderna.

Em 1873, Tolstói encontrou por acaso o livro “Contos de Belkin”, de Púchkin. Ele começou a relê-lo e se inspirou especialmente no fragmento inacabado: "Os convidados se reuniram na dátcha".

Ali, descreve-se o início de uma noite de ópera da alta sociedade quando de repente uma bela dama chamada Volskaia surge, atraindo a atenção de todos. "Ela é terrivelmente leviana", diz-se sobre ela na multidão, e gera-se o boato de que ela tem um amante.

Tolstói ficou encantado com o fato de Púchkin "ir direto ao ponto" e decidiu experimentar algo semelhante. Surge assim o esboço de um romance inteiro. Se o fragmento de Púchkin começa com "os convidados se reuniram na dátcha", o romance de Tolstói abre com uma frase curta: "Tudo era uma bagunça na casa de Oblonski".

Bassínski observa que, em um dos vários rascunhos do livro, “Tolstói também começa com a descrição de uma noite da alta sociedade e um boato de adultério de uma senhora. No final das contas, ele decidiu não começar com uma abordagem vencedora, mas sim com uma cena comum na família Oblonski. É uma linha lateral do romance, mas que ‘reflete a vida em sua banalidade’.”

Aliás, a imagem de Anna Karênina era inspirada na filha mais velha de Púchkin, a bela e fina Maria Gartung, que impressionou demais Tolstói.

2. Anna Karênina é cópia de Madame Bovary?

Gustave Flaubert escreveu “Madame Bovary” 20 anos antes de “Anna Karênina” ser criada. Embora não haja evidência direta de que Tolstói tenha lido “Madame Bovary”, o enredo é muito familiar: a mulher trai o virtuoso marido e depois comete suicídio (Bovary se envenenou).

Bassínski considera que Tolstói nunca mencionou, de propósito, “Madame Bovary”. Em entrevistas e cartas, ele se referia a outras obras de Flaubert e a jornalistas franceses chamava Flaubert de “grande mestre”.

A própria Karênina também se cala sobre Flaubert, apesar de que um escritor da moda como ele não passasse em branco por uma dama nobre como ela.

Mas, ao discorrer sobre literatura francesa, Tolstói refuta, indiretamente, a ideia de plágio na obra: “Não compartilho da ideia de uma sucessão Stendhal - Balzac - Flaubert. Gênios não nascem uns dos outros: o gênio sempre nasce independente."

Bassínski também analisa de maneira mais aprofundada as figuras de Anna Karenina e Emma Bovary, e as considera quase opostas. Anna é uma dama nobre que enlouquece os homens, enquanto Emma apenas sonha em ser assim. Anna é “um tufão que leva e destrói os outros”. Já Emma é uma vítima de seu sonho de encontrar um grande e belo amor.

3. Protótipo de Konstantin Levin é o próprio Tolstói

No primeiro rascunho do romance não existia a linha de Kiti e Levin, uma história "não romântica" que rende apreço ao livro. Quiçá Konstantin Levin seja o único personagem que tem um protótipo exato: o próprio autor. Tanto o mal-sucedido pedido de casamento a Kiti, como o trabalho no campo e certo caráter "selvagem" de Levin, todas essas características definem os traços da personalidade e da biografia de Tolstói.

Já após o suicídio de Anna, quando, de acordo com todos os cânones, o romance podia terminar, Tolstói prossegue e nos conta sobre o cotidiano rural de Levin. A maioria das adaptações do livro às telas termina exatamente neste ponto, e nem o editor de Tolstói queria manter a parte posterior.

O romance saiu em partes na revista “Rússki Vêstnik” e o final não foi impresso por razões políticas: Levin fala mal dos russos que se voluntariaram na guerra entre a Sérvia e a Turquia de 1876-1877 (onde também Vronski entra em desespero após a morte de Anna). Todos entenderam que esses eram os pensamentos justamente do pacifista Tolstói.

Mas, para explicar a decisão aos leitores, o editor incluiu uma nota: "No capítulo anterior do romance ‘Anna Karênina’, li-se: 'O final prosseguirá'. Mas, com a morte da protagonista, o romance realmente acabou."

"Tolstói ficou furioso! Para ele, a história de Levin e Kiti era muito mais importante do que a de Karênina e Vronski, porque era a história dele mesmo", escreve Bassínski. Mais tarde, o romance foi publicado em versão completa no formato de livro.

4. Tolstói tomou a famosa cena do trem de empréstimo da vida real

Na literatura russa, as personagens femininas "preferiam" se afogar em vez de se jogar debaixo de um trem. "O próprio Tolstói não inventaria uma cena desse nível. Ela era muito radical para a época", diz Bassínski. Então, de onde vem essa reviravolta na história?

Não muito longe da propriedade da família de Tolstói, chamada “Iásnaia Poliana”, há um cemitério onde os parentes do escritor estão enterrados. Há também ali uma lápide abandonada de Anna Pirogova. Aos 32 anos, essa moça solteira se jogou debaixo de um trem para se vingar de seu amante, o vizinho de Tolstói, A. N. Bibikov.

Ela tinha trabalhado como governanta para Bibikov e os dois tiveram um caso. No entanto, ele pediu a mão de outra mulher. Há uma nota sobre esse trágico evento no diário da mulher de Tolstói, Sofia Andreievna. Segundo Bassínski, o escritor chegou a assistir à autópsia do corpo de Pirogova e ficou profundamente tocado (da mesma maneira que Vronski no romance ao ver Anna morta).

Em um dos rascunhos do romance, o corpo de Anna Karênina foi encontrado no rio. “Nenhuma das opções [de suicídio] é tão dolorosa quanto a cena em que uma mulher jovem e bonita permite que uma máquina gigante de várias toneladas a esmague”, escreve Bassínski.

“Posteriormente, sua morte se tornou uma imagem de culto no teatro e no cinema, interpretada por estrelas como Greta Garbo, Vivien Leigh, Sophie Marceau, Keira Knightley e outras. Para uma atriz, interpretá-la é equivalente ao monólogo de Hamlet ‘ser ou não ser’", diz Bassínski.

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