O expurgo de Stálin e o Gulag pelos olhos do pintor Piotr Belov

Cultura
ALEKSANDRA GÚZEVA
No final da década de 1980, o artista Piotr Belov chocou os moscovitas com suas pinturas que pela primeira vez apresentavam abertamente o tema do Gulag e do expurgo de Stálin. 

Quando essas pinturas foram exibidas pela primeira vez ao público em Moscou, em 1988, os russos fizeram longas filas para conferir a exposição.

Piotr Belov, até então desconhecido, imediatamente se tornou o símbolo da perestroika e da glasnost na arte, bem como das mudanças quando conversas e sussurros na cozinha tomaram o espaço público. Antes, falar (e muito menos pintar) sobre o tema das repressões de Stálin era quase impossível. Raramente os livros sobre o Gulag chegavam à publicação.

Com o sucesso em Moscou, as pinturas de Belov fizeram uma turnê inteira pela União Soviética. Em 2020, a família do artista doou as pinturas ao Museu de História do Gulag, na capital russa. Na instituição, as obras ganharam sobrevida em novas exposições – permitindo aos russos compreender a emoção sentida por seus compatriotas nos anos 1980.

“As pinturas que impressionaram tanto o público com sua bravura e profundidade foram logo intituladas de ‘ciclo anti-Stálin’”, diz Roman Romanov, diretor do Museu de História do Gulag.

“Suas obras expressavam a dor e o medo mais íntimos, compreendidos por muitos contemporâneos. Ele conseguiu exprimir uma forte dissonância que era relacionável às experiências de milhões de compatriotas”, acrescenta Romanov.

A pintura abaixo mostra um maço de cigarros chamado Belomorkanal (ou apenas Belomor, na gíria) em referência ao canal Mar Branco-Báltico. O canal é famoso por ter sido construído por prisioneiros do Gulag em tempo recorde, e as obras de construção em condições difíceis ceifaram milhares de vidas. A metáfora é clara.

A imagem de Pasternak emparedado é bastante realista. Quando seu romance ‘Doutor Jivago’ foi proibido na URSS, ele o levou secretamente para o Ocidente. A obra foi publicada no Ocidente e o autor recebeu o Prêmio Nobel de literatura. Mas as autoridades soviéticas lançaram toda uma campanha de intimidação contra Pasternak, o que levou à sua morte prematura. Na parte inferior da pintura, vê-se um jornal Pravda com um retrato de Nikita Khruschov, que iniciou a campanha.

Esta pintura se refere ao diretor de teatro Vsevolod Meyerhold, que foi alvo de repressão. Belov imaginou o corpo abatido e espancado na prisão, enquanto a cabeça está coberta com o retrato de um cartão de identificação de um oficial.

“Stálin, nas pinturas de Belov, é uma alegoria da morte”, explica Kirill Svetliakov, curador da exposição. “Em uma das pinturas, ele está olhando para a ampulheta onde crânios humanos ‘medem’ o tempo, em vez de grãos de areia. Em outra pintura, figuras humanas se assemelham a cinzas e caem de seu cachimbo. Na outra, pessoas são flores silvestres sob as botas do ditador.”

“A análise precisa [da pintura abaixo] revela uma fotografia no fragmento descongelado – no qual é possível reconhecer a testa do pai e a primeira página do manuscrito de ‘O Mestre e Margarita’", lembra Ekaterina Belova, filha do artista. “Também podemos ver uma fotografia virada de cabeça para baixo. Certamente tem a mãe nela – seu penteado e cabelo. E então um grande campo de neve. Papai costumava dizer que se alguém começasse a cavar a neve, poderia mostrar muitos manuscritos escondidos em cada trecho descongelado... Aqui, mal foi cavado e há muitas coisas inexploradas à frente...”

A exposição ‘Fila pela Verdade’ de Piotr Belov da época da perestroika está em cartaz no Museu de História do Gulag, em Moscou, até 18 de maio de 2022.

LEIA TAMBÉM: O que aconteceu com os filhos dos “inimigos do povo”?