“Tributo à água”, o Baikal visto pelo lendário oceanógrafo Jacques Cousteau

AFP, Getty Images
Por ocasião do 25º aniversário da inclusão da “Pérola da Sibéria” na Lista do Patrimônio Mundial da Unesco, no último dia 30 de novembro, foi organizado na Maison Russe de París a exibição do último filme de Jacques-Yves Cousteau, “Lago Baikal, Atrás do Espelho”, que revela a ligação entre o marinheiro, a Rússia e o maior reservatório de água doce do planeta.

Na década de 1980, quando os primeiros videocassetes começaram a se espalhar na URSS, os filmes de Jacques Cousteau cativaram o público soviético de imediato. Uma década depois, os cidadãos da Rússia recém-independente ficavam com os olhos grudados na tela de televisão para assistir aos novos episódios da Odisseia Submarina de Cousteau.

Cousteau e seu amor pelo Baikal

Segundo explicou Francine Cousteau, a admiração do público russo pela personalidade do capitão e seus filmes era mútua. O amor do marinheiro pela Rússia, especialmente pelas regiões da Sibéria e do Baikal, remonta à sua juventude. “As pessoas sempre ficam surpresas quando ouvem que o comandante falava russo. Mais ainda quando contamos que ele aprendeu aos 26 anos, durante sua viagem à Rússia, e que foi capaz de manter essa habilidade [lingüística] ao longo dos anos”, diz a viúva com um sorriso nos lábios.

Francine Cousteau e Franck Machu, o diretor dos Arquivos de Cinema e Fotografia da Sociedade Cousteau

Depois de se formar na Academia Naval de Brest em 1936, o futuro explorador foi enviado para servir ao Exército francês na base naval de Xangai. Obrigado a viajar de trem pela maior parte da URSS até a fronteira chinesa para chegar ao seu posto de trabalho, o comandante, segundo Francine Cousteau, “ficou enfeitiçado pela Rússia”, sobretudo pelo Lago Baikal e pela região siberiana. “Durante essa viagem, que durou quase um mês e meio, as pessoas [no trem] lhe ensinaram o básico da língua russa. Ao mesmo tempo, ele ficou fascinado pelo Baikal e pela inviolável beleza natural que o rodeia”, conta. Assim surgiu o desejo de voltar um dia. A expedição da equipe de Cousteau ao Baikal em 1997 e as filmagens fecharam, de certo modo, o círculo de vida do grande explorador.

Reverência ao milagre vivo e homenagem à água

O documentário póstumo “Lago Baikal, Atrás do Espelho”, dedicado à memória do famoso oceanógrafo, conclui o ciclo da Odisseia de Cousteau. Este filme, muitas vezes descrito como o mais fascinante de toda a coleção, é uma homenagem à água, fonte da qual dependem todos os habitantes do planeta. “Era tarde demais para regressar à Rússia [com outra expedição]. Eu diria que poderia ter ido para muitos outros lugares na Rússia ou mesmo para outros lugares. O comandante escolheu Baikal, porque era o lugar ideal para nos mostrar o valor da água e o que devemos a ela, bem como o caminho que devemos seguir [para preservá-la]”, contou Francine Cousteau, que foi codiretora do longa, ao Russia Beyond sobre o origem da expedição e realização do filme.

A missão, “audaz e inédita”, da equipe de Cousteau começou no local do Baikal no inverno de 1996 e durou até o final de 1997. Embora a equipe viajasse a bordo do famoso navio Calypso, Jacques Cousteau não pôde participar das filmagens pessoalmente. “Ele já estava frágil, e as condições de inverno do Baikal não são muito favoráveis”, diz a viúva.

Imersão total no ecossistema do Baikal

As condições extremas do clima siberiano foram uma provação para a equipe, tanto para a viagem em si quanto para a coleta de imagens ou pesquisas científicas realizadas na área. Segundo Francine, “o sucesso dependia da forma física e da experiência pessoal da tripulação”. No entanto, o risco era justificado, pois os frutos dessas façanhas são inéditos: imagens em close e em movimento de focas de água doce; impressionantes imagens de um labirinto de gelo, no qual os espectadores submergem com mergulhadores; e vistas deslumbrantes da montanhosa Buriátia, onde a equipe de Cousteau saiu a cavalo em busca dos rios que alimentam o Baikal. Filmadas ao longo do ano, estas paisagens de natureza intocada – as montanhas, as ilhas, a costa, o mundo subaquático do Baikal e o deserto que ali reina durante o inverno – surpreendem até a imaginação mais sofisticada.

Embora o Baikal continue sendo o protagonista do filme, o olhar de Cousteau não se limitou à superfície espelhada do gigante e à vida que borbulha dentro dele. “O comandante sempre trabalhou [na criação do filme] seguindo o mesmo método: filmando tudo que cercava a equipe e o que ela fazia durante a expedição. O conceito do longa só foi construído depois, sempre em tempo real, examinando todo o material filmado”, disse Francine ao Russia Beyond. Desse modo, a composição do filme dá a impressão de que a equipe não está apenas estudando o Baikal, mas também se integrando a seu ecossistema, compartilhando as tradições da população local e as particularidades do seu modo de vida, moldado pelas condições severas da Sibéria.

Última aventura e mensagem para o futuro

Para permitir ao espectador experimentar um daqueles sonhos de Júlio Verne, a equipe de Cousteau usou sua experiência e todo o equipamento disponível para resolver o mistério do lago siberiano mais profundo e misterioso do mundo, que há muito tempo desafia as leis da natureza. Trata-se muito mais do que uma homenagem ao “paradoxo vivo”, como o lago é chamado no filme, ou uma homenagem à água – é uma última mensagem às gerações futuras do Capitão Cousteau, que lutou pela preservação desse precioso recurso natural. “Claro, é um lago magnífico. Certamente é um lago importante para a cultura russa, mas também para todos nós e para as gerações que estão começando a entender o que significa essa beleza natural que ainda existe”, conclui Francine.

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