Na década de 1980, quando os primeiros videocassetes começaram a se espalhar na URSS, os filmes de Jacques Cousteau cativaram o público soviético de imediato. Uma década depois, os cidadãos da Rússia recém-independente ficavam com os olhos grudados na tela de televisão para assistir aos novos episódios da Odisseia Submarina de Cousteau.
Cousteau e seu amor pelo Baikal
Segundo explicou Francine Cousteau, a admiração do público russo pela personalidade do capitão e seus filmes era mútua. O amor do marinheiro pela Rússia, especialmente pelas regiões da Sibéria e do Baikal, remonta à sua juventude. “As pessoas sempre ficam surpresas quando ouvem que o comandante falava russo. Mais ainda quando contamos que ele aprendeu aos 26 anos, durante sua viagem à Rússia, e que foi capaz de manter essa habilidade [lingüística] ao longo dos anos”, diz a viúva com um sorriso nos lábios.
Francine Cousteau e Franck Machu, o diretor dos Arquivos de Cinema e Fotografia da Sociedade Cousteau
Casa Russa da Ciência e Cultura em ParisDepois de se formar na Academia Naval de Brest em 1936, o futuro explorador foi enviado para servir ao Exército francês na base naval de Xangai. Obrigado a viajar de trem pela maior parte da URSS até a fronteira chinesa para chegar ao seu posto de trabalho, o comandante, segundo Francine Cousteau, “ficou enfeitiçado pela Rússia”, sobretudo pelo Lago Baikal e pela região siberiana. “Durante essa viagem, que durou quase um mês e meio, as pessoas [no trem] lhe ensinaram o básico da língua russa. Ao mesmo tempo, ele ficou fascinado pelo Baikal e pela inviolável beleza natural que o rodeia”, conta. Assim surgiu o desejo de voltar um dia. A expedição da equipe de Cousteau ao Baikal em 1997 e as filmagens fecharam, de certo modo, o círculo de vida do grande explorador.
Reverência ao milagre vivo e homenagem à água
O documentário póstumo “Lago Baikal, Atrás do Espelho”, dedicado à memória do famoso oceanógrafo, conclui o ciclo da Odisseia de Cousteau. Este filme, muitas vezes descrito como o mais fascinante de toda a coleção, é uma homenagem à água, fonte da qual dependem todos os habitantes do planeta. “Era tarde demais para regressar à Rússia [com outra expedição]. Eu diria que poderia ter ido para muitos outros lugares na Rússia ou mesmo para outros lugares. O comandante escolheu Baikal, porque era o lugar ideal para nos mostrar o valor da água e o que devemos a ela, bem como o caminho que devemos seguir [para preservá-la]”, contou Francine Cousteau, que foi codiretora do longa, ao Russia Beyond sobre o origem da expedição e realização do filme.
A missão, “audaz e inédita”, da equipe de Cousteau começou no local do Baikal no inverno de 1996 e durou até o final de 1997. Embora a equipe viajasse a bordo do famoso navio Calypso, Jacques Cousteau não pôde participar das filmagens pessoalmente. “Ele já estava frágil, e as condições de inverno do Baikal não são muito favoráveis”, diz a viúva.
Imersão total no ecossistema do Baikal
As condições extremas do clima siberiano foram uma provação para a equipe, tanto para a viagem em si quanto para a coleta de imagens ou pesquisas científicas realizadas na área. Segundo Francine, “o sucesso dependia da forma física e da experiência pessoal da tripulação”. No entanto, o risco era justificado, pois os frutos dessas façanhas são inéditos: imagens em close e em movimento de focas de água doce; impressionantes imagens de um labirinto de gelo, no qual os espectadores submergem com mergulhadores; e vistas deslumbrantes da montanhosa Buriátia, onde a equipe de Cousteau saiu a cavalo em busca dos rios que alimentam o Baikal. Filmadas ao longo do ano, estas paisagens de natureza intocada – as montanhas, as ilhas, a costa, o mundo subaquático do Baikal e o deserto que ali reina durante o inverno – surpreendem até a imaginação mais sofisticada.
Embora o Baikal continue sendo o protagonista do filme, o olhar de Cousteau não se limitou à superfície espelhada do gigante e à vida que borbulha dentro dele. “O comandante sempre trabalhou [na criação do filme] seguindo o mesmo método: filmando tudo que cercava a equipe e o que ela fazia durante a expedição. O conceito do longa só foi construído depois, sempre em tempo real, examinando todo o material filmado”, disse Francine ao Russia Beyond. Desse modo, a composição do filme dá a impressão de que a equipe não está apenas estudando o Baikal, mas também se integrando a seu ecossistema, compartilhando as tradições da população local e as particularidades do seu modo de vida, moldado pelas condições severas da Sibéria.
Última aventura e mensagem para o futuro
Para permitir ao espectador experimentar um daqueles sonhos de Júlio Verne, a equipe de Cousteau usou sua experiência e todo o equipamento disponível para resolver o mistério do lago siberiano mais profundo e misterioso do mundo, que há muito tempo desafia as leis da natureza. Trata-se muito mais do que uma homenagem ao “paradoxo vivo”, como o lago é chamado no filme, ou uma homenagem à água – é uma última mensagem às gerações futuras do Capitão Cousteau, que lutou pela preservação desse precioso recurso natural. “Claro, é um lago magnífico. Certamente é um lago importante para a cultura russa, mas também para todos nós e para as gerações que estão começando a entender o que significa essa beleza natural que ainda existe”, conclui Francine.
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