1. Destaca o problema universal da superproteção
O personagem de meia-idade Zaur é um pai-helicóptero que está continuamente controlando seus filhos 24 horas por dia, 7 dias por semana. Ele tem três filhos já crescidos que são obrigados a se adaptar à superproteção sufocante de seu pai. A família patriarcal mora no vilarejo de Mizur, no alto das montanhas da Ossétia do Norte, onde, por gerações, os jovens obedecem aos mais velhos e as mulheres aos homens. Mas os tempos vão mudando, assim como as pessoas e sua visão de mundo.
Na primeira oportunidade, o filho mais velho de Zaur, Akim, foge de casa rumo à cidade grande mais próxima, Rostov-no-Don, em busca de trabalho. Seu irmão mais novo, Dakko, ainda é um adolescente sem preocupações na vida, e o pai não permite que ele sequer vá à escola. Mas é a adorável filha de Zaur, Ada, que vive uma vida frágil cheia de ansiedade e medo. Seu lugar é em casa, como diz o ditado, com a rotina doméstica destinada a permanecer como a única responsabilidade legítima de Ada para sempre. O amor sufocante do pai controlador, que tranca seus dois filhos em casa e proíbe Ada de usar o cabelo comprido ou perfume, é prejudicial. Ada trabalha como vendedora em uma pequena loja, mas Zaur esconde seu passaporte para que a filha jamais o deixe. Ele nem mesmo permite que ela passe por uma cirurgia necessária (Ada tem problemas para controlar a bexiga e sofre constrangimento constante). Só se pode imaginar que o pai é contra a cirurgia por egoísmo ou, talvez, porque o procedimento médico é considerado íntimo demais para uma jovem solteira do Cáucaso.
Ao contrário de Mefistófeles (demônio do folclore alemão), o pai tirano de Ada é “parte daquele poder que deseja eternamente o bem e opera eternamente o mal”, mas ainda assim o coração compassivo de Ada permanece ligado ao homem autoritário. O que Ada vivencia está próximo da síndrome de Estocolmo. Os problemas e medos internos são tão profundos que até a mera perspectiva de uma eventual liberdade a aterroriza.
2. Tem a sobrevivente de um ataque terrorista como protagonista
‘Unclenching the Fists’ é cheio de revelações, e enquanto Ada faz planos para escapar das garras de ferro do pai, os espectadores descobrem que sua família se mudou para Mizur após o cerco da escola de Beslan. Ada, ao que parece, é uma sobrevivente da tragédia, com cicatrizes por todo o corpo. O ataque terrorista mais sangrento da história da Rússia ocorreu em Beslan, pequena cidade na Ossétia do Norte, em setembro de 2004, e ceifou a vida de mais de 330 pessoas, incluindo 186 crianças. O filme de Kira Kovalenko faz um ótimo trabalho ao mostrar um personagem cujas cicatrizes físicas e mentais jamais irão curar.
3. Estrelado por atores não profissionais e filmado em língua ossétia
É de conhecimento geral que a Rússia é um país multicultural, habitado por povos de mais de 190 etnias. Mais de 100 idiomas e dialetos são usados em todo o país. Para dar destaque a essa diversidade, Kira Kovalenko decidiu nadar contra a corrente e fazer um filme russo na língua ossétia. Além disso, Kovalenko, que é bastante exigente no set, tentou trazer autenticidade absoluta às cenas, recorrendo sobretudo a atores não profissionais. Os dois irmãos de Ada, por exemplo, são retratados por jovens locais que não têm experiência em atuação. Ada (Milana Aguzarova) e seu pai autoritário (Alik Karaev) são os únicos atores com formação profissional, cujo talento é inquestionável.
4. Dirigido por uma cineasta promissora
Kira Kovalenko, de 31 anos, é ex-aluna do veterano diretor da ‘Arca Russa’ Aleksandr Sokurov, que recebeu um prêmio pelo conjunto de sua obra da Academia de Cinema Europeu em 2017.
Kovalenko nasceu na cidade de Naltchik, capital da República de Kabardino-Balkária, na região russa do Cáucaso do Norte, e nunca havia pensado em se tornar diretora de cinema. Kira viajou a Moscou pela primeira vez para trabalhar como designer, mas logo percebeu que esta não era a sua praia. Então voltou para Naltchik, onde se matriculou em cursos de cinema com Aleksandr Sokurov, um dos mais importantes cineastas vivos atualmente.
Como outro aluno famoso de Sokurov, Kantemir Balagov (que recentemente terminou o trabalho no episódio piloto da adaptação da HBO do game de terror de sobrevivência ‘The Last of Us’), Kovalenko tem olho para personagens não convencionais e atenção para assuntos delicados. ‘Unclenching the Fists’ é o seu segundo longa-metragem, depois de ‘Sofichka’, de 2016, rodado na língua abecásia e baseado no livro de Fazil Iskander.
5. Aclamado pela crítica e em festivais
Produzido por Aleksandr Rodnianski, um importante ator da indústria cinematográfica russa, ‘Unclenching the Fists’ teve sua estreia mundial no Festival de Cannes em 2021. O pequeno filme com um apelo amplo e universal recebeu boas críticas e se tornou o primeiro filme russo na história a ganhar o Grande Prêmio do programa ‘Un Certain Regard’ em Cannes.
O filme de Kovalenko foi exibido durante o 59º Festival de Cinema de Nova York, ao lado de longas de diretores de peso como Todd Haynes, Bruno Dumont e Paul Verhoeven.
‘Unclenching the Fists’ também içou a bandeira da Rússia no 46º Festival Internacional de Cinema de Toronto (TIFF) e no 69º Festival de Cinema de San Sebastian.
Ao abordar a falta de liberdade e a codependência, seu filme não tem o objetivo de entreter, mas mergulhar os espectadores na atmosfera sufocante de desespero. Para quê, você se pergunta? Para advogar pelos mais vulneráveis , talvez. O estilo humano de contar histórias sem pressa de Kovalenko funciona tanto em nível emocional quanto espiritual, tornando assuntos delicados acessíveis a qualquer público. A jovem diretora conta sua história sem o menor traço moralizante e só isso já é digno de grande reconhecimento.