Um jovem camponês chega à enorme São Petersburgo com suas pobres vestes e um baú modesto e vai direto da estação de trem para a casa de seu ídolo, o poeta da moda Aleksandr Blok. O camponês é Serguêi Iessênin, mas a história é apenas mais um dos mitos que o poeta inventou sobre si próprio.
No início do século 20, o mundo da poesia russa estava cheio de poetas talentosos, por isso, para ser famoso, era preciso recorrer a truques e à criação de mitos. Foi assim que Iessênin passou a cultivar uma imagem de poeta camponês e talento nato.
Criador de mitos
Iessênin era, sim, proveniente de uma aldeia, mas sua família estava longe de ser pobre e Iessênin se vestia muito bem. Além disso, ele recebeu uma boa educação. Antes de partir para São Petersburgo, ele morou em Moscou por alguns anos, onde frequentou uma escola profissionalizante como ouvinte e trabalhou em uma gráfica.
Os poetas do movimento dos “novos camponeses” Serguêi Iessênin (dir.) e Nikolai Kliuev (esq.), em 1915, em Petrogrado.
Domínio públicoEle também já tinha publicado suas poesias em revistas. Uma das primeiras poemas ficou tão famosa que toda criança russa sabe de cor até a atualidade e se chama “Bétula”, a arvore-símbolo da Rússia.
Aliás, o amor dos russos pelas bétulas provavelmente se iniciou com os versos de Iessênin, assim como seu amor por espaços abertos, centeio dourado, “fogueiras de sorveiras vermelhas” e “bosques dourados”.
Esses temas estão sempre presentes na poesia de Iessênin: ele morou em Moscou e São Petersburgo mas evidentemente sentia falta de sua terra natal. Os poetas aristocráticos do século 19 viam e retratavam a natureza de maneira diferente: eles a admiravam, mas não com uma angústia de doer.
Serguêi Iessênin e Serguêi Gorodétski, 1916.
Domínio públicoIessênin visitou, sim, Blok em São Petersburgo, mas lhe encaminhou antes um educado bilhete avisando da ida. Após o encontro, Blok deixou o seguinte registro em seu diário: “Camponês da província de Riazan. 19 anos. Poemas frescos, limpos, vociferantes, verborrágicos. Língua. Veio em 9 de março de 1915.”
Anatóli Marienhof, amigo de Iessênin, escreveria mais tarde que Iessênin nunca tinha usado vestes de camponês antes, citando a fala do poeta: “Nunca tinha usado botas tão avermelhadas na vida ou um casaco tão miserável quanto o que usei para me apresentar”. Ele também escreveu que “tinha vindo a São Petersburgo em busca de fama e um monumento de bronze”.
Verdade é que ele encontrou fama, e muita: até hoje Iessênin é o poeta favorito dos patriotas russos.
Boêmio e escandaloso
Entre 1918 e 1919, Iessênin se aproximou do excêntrico círculo dos poetas imaginistas. De simples moço do campo, ele se transformou em “baderneiro” e “traquinas boêmio de Moscou”, e trocou as vestes simples do campo por fraque, cartola e bengala. Em seus poemas, ele celebrava a “Moscou das tabernas” e falava sobre sua reputação de “escandaloso”.
Iessênin em 1924.
Domínio públicoEm suma, a vida real de Iessênin era fiel à sua imagem poética: ele bebia e passava muito tempo em tabernas, brigando e causando escândalos e, assim, desenvolvendo certa reputação. No entanto, também havia sempre uma tristeza presente, pois o infeliz boêmio estava com saudades de casa e se crucificando por seu estilo de vida — parecia que ele estava se perdendo, mas também que o amor poderia salvá-lo.
E o jovem poeta buscava ativamente essa salvação, como mostra sua agitada vida amorosa, com casamentos mal-sucedidos, filhos abandonados e mulheres que iam embora com o coração partido.
Entre as musas de Iessênin esteve a famosa dançarina americana Isadora Duncan. Ele fez um tour com ela pela Europa e Estados Unidos, mas não suportou ficar na sombra de Duncan, e os dois logo se separaram.
Sua última mulher foi uma das netas de Lev Tolstói, Sofia. Por muitos anos, depois de mais um relacionamento mal-sucedido, ele voltaria para sua secretária, Galina Benislávskaia, que era apaixonada por ele, embora ele não correspondesse. Após a morte do poeta, Galina cometeu suicídio bem diante de seu túmulo.
Em “Confissões de um baderneiro”, Iessênin escreveu que seu comportamento ultrajante era proposital e que ele adorava ser xingado. Ele confessava então seu amor pela pátria e perguntava aos ancestrais no campo se eles sabiam que “seu filho era o melhor poeta da Rússia!” – nada modesto o rapaz!
O mais russo dos poetas
Iessênin e seu amigo Anatóli Mariengof, 1923.
N. Svischev - Paola/TASSIessênin estava em Moscou na época da Revolução, mas pouco se expressou sobre ela e, quando o fazia, era cheio de dedos. Ele não conseguia encontrar um lugar para si em meio aos acontecimentos, voltava a beber, buscava se esquecer de si próprio e daqueles dias amedrontadores. Por isso ele sempre teve problemas com a polícia.
Ele assistiu aos horrores da Guerra Civil Russa e passou fome e frio no caos que envolveu a cidade. Mas o que lhe importava mais não era o resultado dessa luta, e sim o destino de sua amada pátria.
Mesmo assim, ele ficou do lado dos bolcheviques. Antes da Revolução, Iessênin recitava sua poesia para a família real, mas achava que, como representante do povo, deveria ficar junto ao regime soviético.
Em 1924, ele escreveu que queria ser um filho digno dos “grandes Estados da URSS”. Ao mesmo tempo, ele também dizia que não importava que guerras ocorressem no planeta, que diferentes tribos sentissem ódio umas pelas outras, porque ele ainda devotaria todo seu ser poético a celebrar “aquele um sexto do globo com o nome abreviado de Rus”.
A mais enigmática morte russa
Iessênin.
Reprodução/SputnikEm um poema de 1923, Iessênin pediu àqueles que estariam com ele no último minuto de sua vida, que “o colocassem em uma camisa russa sob os ícones para morrer”. Mas sua morte efetiva foi diferente — apesar de não se saber ao certo como ele morreu e existirem muitas divergências sobre isso.
Oficialmente, sua morte ocorreu por suicídio. Em 28 de dezembro de 1925, o poeta se enforcou em um quarto do hotel Angleterre, em Leningrado (hoje, São Petersburgo). Ele deixou um poema, escrito com sangue, pois não havia tinta no local: “Adeus, amigo meu, adeus", onde se lia ainda: “Nesta vida, morrer não é novidade.”
Na década de 1970, porém, um investigador de Moscou afirmou que Iessênin foi morto por oficiais de segurança do Estado que dissimularam o assassinato com um suicídio. A principal evidência era um hematoma no rosto do poeta, que é bem visível nas fotos póstumas, indicada pelo investigador como provável indicio de morte violenta. Assim, Iessênin talvez tenha lutado com seus assassinos.
Essa hipótese acrescenta outra dimensão emocionante e trágica à imagem do poeta. Por isso não é de surpreender que ela tenha sido imediatamente adaptada para a cultura de massa, resultando em vários filmes e séries de TV sobre o assassinato do poeta.
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