Ler os gênios russos é uma ótima ideia. A literatura russa está entre as mais respeitadas do mundo, e você certamente encontrará algo que se adapte a suas preferências. Mas há um problema: muitos dos mais conhecidos romances russos são infames pela enorme quantidade de páginas que contêm. Superar os quatro volumes de “Guerra e Paz”, de Lev Tolstói, por exemplo, é um verdadeiro desafio, e assim muitos acabam odiando Tolstói, os clássicos russos e a si próprios.
Mas existe uma saída: começar com algo mais leve - o que não significa, de maneira nenhuma, de pior qualidade. Então, confira nossa lista de obras cheias de talento dos gênios russos que não irão sobrecarregá-lo com verborragia:
1. ‘As doze cadeiras’ (Iliá Ilf and Evguêni Petrov, 1928)
Em 2020, quando esta obra completa pouco mais de 90 anos, uma nova e muito esperada edição está sendo lançada em português pela editora brasileira "Pomnite", com tradução direta do russo de Reinaldo Guarino.
Já na década de 1920, a então jovem dupla de escritores soviéticos de Odessa (atualmente, território da Ucrânia) criou um dos mais engraçados romances de sátira da história russa em um período em que o país ainda estava uma grande bagunça.
Com este pano de fundo, a história foca em Kíssa Vorobianinov, descendente de uma família nobre que embarca em aventuras com o grande trapaceiro Ôstap Bender buscando o tesouro da família.
Os objetos preciosos estão escondidos em uma das 12 cadeiras que já decoraram a mansão da família, mas que agora foram vendidas em leilão. Kíssa e Ôstap não sabem onde está a cadeira que contém o tesouro, por isso vagam pelo sul da Rússia enganando vendedores de móveis para tentar encontrar o tal assento.
As pessoas que eles conhecem também são, muitas vezes, malucas, o que torna a jornada hilária para o leitor. O final desta leve obra de ficção, no entanto, é muito mais sombrio do que o esperado.
Na sequência da obra, "O bezerro de ouro", que está sendo vertida por Guarino, Bender, que nutre o sonho de conhecer o Rio de Janeiro, fala diversas vezes na cidade brasileira, característica que marcou o personagem também em suas adaptações para TV - e que leva os russos a sempre relembrar dela quando conhecem algum brasileiro.
Como nota Guarino, o romance foi traduzido pela primeira vez para o idioma francês em 1929 e, a partir desta versão, para a língua inglesa. Em Portugal, uma tradução foi feita por Nina Guerra e Filipe Guerra, pela editora Campo das Letras, no ano 2000. No Brasil, as traduções anteriores foram feitas por Milton Tavares, da Editorial Vitória, em 1944, como "A aventura das doze cadeiras", e por Rui Lemos de Brito, para a Editora Luz, em 1961, como "As doze cadeiras". Nelas, porém, faltam dois capítulos que não eram publicados anteriormente na União Soviética, mas existiram na forma de folhetim, e que Guarino recuperou com auxílio do texto integral em russo organizado pelos professores Mikhaíl Odesski e David Feldman, da Universidade Estatal Russa de Ciências Humanas.
2. ‘Noites na granja ao pé de Dikanka’ (Nikolai Gógol, 1832)
Esta coleção de contos escritos na juventude por Gógol, que ainda viria a se tornar um dos autores russos mais afiados de todos os tempos, mergulha o leitor na colorida e calorosa realidade ucraniana do século 19 (então, parte do Império Russo). Os contos são baseados no folclore ucraniano, que Gógol conhecia muito bem, e foram publicados em português pela editora Assírio & Alvim.
O livro é pura fantasia e muito engraçado, e retrata um corajoso cossaco que, na véspera de Natal, monta no diabo e voa para São Petersburgo só para pegar os sapatos da Imperatriz que sua amada pediu.
Por vezes, a narrativa é mais horripilante que os romances de Stephen King. Basta tomar como exemplo o conto “A terrível vingança”, em que a heroína descobre que seu pai é o Anticristo. Uma coisa que todas as oito histórias têm em comum: elas nunca vão te entediar!
3. ‘O herói do nosso tempo’ (Mikhaíl Liêrmontov, 1840)
Este romance de Liêrmontov, publicado pela editora Martins Fontes e pela Relógio d’Água, é, provavelmente, o mais atraente de todos os textos psicológicos russos do século 19. A ação de “O Herói do Nosso Tempo” acontece no Cáucaso, fronteira russa selvagem já no Império Russo.
Assim, o livro é uma espécie de faroeste russo onde o protagonista, Grigóri Petchorin enfrenta perigos sem fim em busca de aventura. Ao mesmo tempo, o principal inimigo de Petchorin é ele mesmo. Liêrmontov retrata brilhantemente a natureza misantrópica e fria de um homem que destrói as vidas alheias - e sua própria.
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A profundidade psicológica e o cenário romântico do Cáucaso, junto com a complexa estrutura, cheia de flashbacks, criam um romance que ganhou os corações dos russos desde a escola - algo bastante raro, para dizer a verdade.
4. A ‘Pequena Trilogia’ de Anton Tchékhov: “Homem num estojo”, “A groselheira” e “Sobre o Amor” (1898)
Anton Tchékhov, que escreveu principalmente contos e peças teatrais, tinha duas características peculiares: um senso de humor leve e irônico e a brevidade. Pode-se ler as três histórias da chamada “Pequena Trilogia” em uma hora.
O enredo é simples: três homens da intelliguêntsia russa compartilham histórias em um dia chuvoso. Cada história tem um triste pensamento filosófico sobre a natureza humana, os sentimentos deles e suas fraquezas. Tchèkhov não dá nenhuma resposta a estes questionamentos, mas é difícil parar de pensar nos assuntos que ele descreve nestas curtas obras-primas.
No Brasil, os três contos estão em coletâneas esparsas: “Homem num estojo”, em “A Dama do Cachorrinho e Outros Contos” e em “O homem no estojo”, enquanto “A groselheira” e “Sobre o Amor” podem ser encontrados em "O violino de Rothschild e outros contos", da editora Veredas.
5. ‘Padre Sérgio’ (Lev Tolstói, 1898)
De maneira alguma famosa como “Guerra e Paz” ou “Anna Karênina”, além de muito mais curta, esta história marca o ponto em que Tolstói passou a voltar a atenção para contos focados em filosofia, indo na contramão de seus escritos épicos sobre a sociedade russa.
O protagonista de “Padre Sérgio”, um jovem bon vivant, encontra Deus após um grave choque e passa a dedicar a vida a se tornar santo. Parece que ele consegue - mas no fundo, ainda sofre com pecados escondidos e dúvidas.
Não vamos dar um spoiler. Mas digamos apenas dizer que o padre Sérgio irritou tanto a Igreja Ortodoxa Russa que o governo só permitiu que a obra fosse publicada depois que Lev Tolstói já havia morrido, em 1911.
No Brasil, a obra saiu pela Cosac & Naif.
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