Como diz o ditado, “não havia sexo na União Soviética” – portanto, seguindo essa lógica, também não haveria por que existir filmes eróticos. Em seu lugar, a propaganda cultural recorria habilmente ao erotismo no esporte: corpos em forma e pouco vestidos, mas dentro de outro contexto. Segurando remo ou durante o arremesso, por exemplo. Já nos filmes estrangeiros, as cenas eróticas eram geralmente editadas. Mas, então, o que os cineastas soviéticos poderiam fazer diante tal situação?
Apesar das restrições, alguns deles conseguiram produzir filmes bastante ousados.
O Homem Anfíbio, 1962
Lembram de “A Forma da Água”, o aclamado drama de fantasia sobre uma mulher muda que se apaixona por uma criatura anfíbia humanoide e que ganhou o Oscar de Melhor Filme em 2018? Nada mal, é claro, mas isso poderia ter acontecido ainda mais cedo. Cerca de 50 anos antes, a ideia de fazer um filme com enredo semelhante, baseado em um romance do autor soviético Aleksandr Beliaev, rondava Hollywood. No fim das contas, porém, o projeto não decolou porque os produtores decidiram que as difíceis e longas cenas subaquáticas não valeriam o esforço.
Mas, na União Soviética, esse longa foi produzido e se tornou um cultpara os fãs de ficção científica soviética. Tudo no filme era marcante para a época: o traje do homem anfíbio, feito de 10.000 escamas, as cenas subaquáticas reais, a trilha sonora – além disso, o filme continha as primeiras cenas eróticas da URSS.
Em uma das passagens, a protagonista feminina Guttiere, interpretada por Anastassia Vertinskaia – a ‘Greta Garbo soviética’ – aparece em um traje de banho transparente. Por décadas após o lançamento do filme, Vertinskaia foi considerada símbolo sexual.
É verdade que isso pode não ser o que você esperava da palavra “erótico”, mas não esqueça que o filme foi lançado apenas nove anos após a morte de Stálin. O que mais você poderia esperar? Era, sim, muito ousado para o seu tempo.
A Pequena Vera, 1988
Foi um longo caminho desde vislumbres de nudez até um filme que quebrou vários tabus da época. “A Pequena Vera”, dirigido por Vassíli Pitchul, foi a segunda tentativa – e consideravelmente mais ousada – de incluir cenas eróticas. O filme chamava atenção porque, pela primeira vez na história do cinema soviético, exibia relações sexuais.
“Lembro que tiramos a cena inteira de um filme de [Bernardo] Bertolucci. Acho que foi uma jogada de relações públicas brilhante de Vassíli Pitchul”, declarou Natália Negoda, que interpreta Vera. “Nós nos reunimos na cozinha de alguém e começamos a pensar em como fazê-lo tecnicamente. Filmamos em estado semiconsciente.”
E o truque funcionou. Mais de 50 milhões de pessoas assistiram ao filme na União Soviética, e Negoda se tornou a primeira atriz soviética a aparecer na capa da “Playboy” norte-americana. O filme, que descreve a vida de uma jovem chamada Vera, no contexto de conflitos geracionais, pobreza na província e embriaguez, entrou para a história como um símbolo da perestroika.
Verdade seja dita, isso não se deve apenas às cenas de sexo. O filme incorporou um grau de realismo sem precedentes sobre a vida do povo soviético e impulsionou uma enxurrada de longas sobre temas antes proibidos, como violência doméstica, prostituição e crime. No conjunto, esse gênero passou a ser chamado de ‘tchernukha’.
Garota Internacional, 1989
Seguindo os passos de “A Pequena Vera”, o instigante melodrama de Piotr Todoróvski “Garota Internacional” tornou-se outro símbolo de mudanças sociais e de uma nova estética, mesmo com um toque erótico. O filme conta a história de uma enfermeira que faz dupla jornada como prostituta em hotéis para estrangeiros. O filme, elegível a financiamento estatal, foi feito como uma colaboração russo-sueca.
Inicialmente, o cineasta Todoróvski, que fez filmes de guerra e fora indicado ao Oscar, não queria fazer um filme sobre prostitutas. Foi sua esposa quem insistiu – ela o levou a hotéis diferentes, mostrando-lhe prostitutas reais. “Fiz um filme não sobre uma putana[na gíria russa, uma prostituta que trabalha por dinheiro vivo], mas sobre uma mulher que não se realizar no período soviético”, disse Todoróvski mais tarde.
No entanto, o longa foi percebido de maneira diferente. A prostituta era vista como uma espécie de heroína da época – não como uma mulher vivendo sob circunstâncias difíceis, mas como um modelo a ser imitado. De certo modo, “Garota Internacional” mostrava como ganhar dinheiro aparentemente fácil em um período de privações.
Morena por 30 Copeques, 1991
O título fala por si só. É a história, desta vez uma comédia, sobre o já conhecido tema da prostituição. O filme retrata uma cidade provinciana tomada por pobreza e que busca resolver a situação com um empreendimento empresarial bastante incomum – e que funciona como metáfora: transformar o museu local de história em bordel.
Este longa está cheio de corpos nus, além da presença da bela e talentosa Anna Samokhina, que fez carreira aparecendo desnuda em filmes nos anos 1990. Ainda assim, o sexo aqui tem sobretudo natureza cômica. Nada de novo: já havia inúmeros filmes semelhantes de baixo orçamento no crepúsculo do período soviético.
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