Foi uma amizade de longa data em que, ao mesmo tempo, os dois homens discutiam sobre absolutamente tudo. Havia admiração e influência mútuas, mas também havia discordâncias irreconciliáveis em questões de arte, por exemplo.
Doze retratos, 25 desenhos, oito esboços de membros da família, 17 ilustrações das obras do escritor e três bustos de gesso são o número total de obras que Répin dedicou à figura de Lev Tolstói, de acordo com pesquisadores.
Répin e Tolstói se conheceram em Moscou, em 1880. Na época, Tolstói já não era só um escritor de destaque, mas também estava em uma “busca espiritual”, reavaliando valores e realizações de épocas anteriores. Foi Tolstói quem se dirigiu ao estúdio do artista, que então era relativamente jovem (Tolstói já tinha 52 anos, enquanto Répin estava com 36).
Em suas memórias, Répin escreve: “Lev Tolstói. Sério? Então é assim que ele é! Eu conhecia só um retrato feito por Ivan Kramskoi e até então imaginava que Lev Tolstói era um senhor excêntrico, um conde, alto, de cabelos escuros e de cabeça não muito grande...”
Répin lembrava que o escritor falava com uma voz profunda e sincera, e deu um sermão moral sobre como as pessoas se tornaram indiferentes aos horrores da vida e seguiram um caminho de deboche.
“O abajur sobre a mesa já estava aceso e havia uma aura sombria e misteriosa no ar. Parecia que estávamos na véspera do Juízo Final... Era, ao mesmo tempo, novo e aterrador...”
Depois de conhecer o escritor, Répin se ofereceu para acompanhá-lo até sua casa. Depois disto, eles passaram a se encontrar e passear quase diariamente, mantendo longas conversas. Répin ficou tão impressionado com tudo o que Tolstói dizia e escrevia que “depois não conseguia dormir, com a cabeça girando com a condenação impiedosa dele (de Tolstói) de formas de vida obsoletas”, escreveu o pintor.
O sermão do escritor sobre a abolição da pena de morte inspirou Répin a pintar “São Nicolau de Mira salva três inocentes da morte”. Alguns pesquisadores veem o próprio Tolstói na figura do homem barbudo de cabelos grisalhos adornado com cruzes de São Nicolau.
Este encontro deixou uma forte impressão em Répin, e ele escreveu ao crítico Vladímir Stasov que se sentia como um menininho perto de Tolstói e que queria ouvi-lo para sempre. “Meu Deus, que alma enorme que Tolstói tem! Tudo o que nasce, vive e respira, toda a natureza, tudo está refletido de maneira verdadeira nele, sem a menor falsidade. Uma vez que você o lê, ele permanece diante dos seus olhos para sempre...”
Tolstói também expressou sua opinião sobre a pintura “Os Cossacos do Zaparojia”, sobre qual Répin trabalhava. Tolstói achou o quadro frívolo, e isto perturbou profundamente o artista, que abandonou temporariamente a tela. Algum tempo depois, porém, Répin não resistiu em terminá-la, e ela se tornou uma de suas obras mais famosas.
Répin visitava frequentemente Lev Tolstói em sua casa, em Khamovniki, em Moscou. Por um longo tempo, porém, ele não retratou escritor, apenas o observou e construiu uma imagem mental. Ele só pintou seu primeiro retrato de Tolstói em 1887, quando visitou o escritor em sua propriedade de Iásnaia Poliana.
Répin ficou lá por uma semana e fez vários esboços, retratando Tolstói em seu escritório, lendo, andando, conversando com camponeses e arando o campo. Répin escreveu sobre como, em um dia quentíssimo de agosto, Tolstói arou o solo fértil e negro por seis horas a fio, sem interrupção. “Eu tinha um caderno de desenho comigo e, sem perder tempo desenhava os detalhes toda vez que o ‘cortejo’ inteiro passava...”
Quando o colecionador Pável Tretiakóv soube que Répin tinha ido a Iásnaia Poliana, lamentou não ter podido dizer ao pintor, antes da viagem, sobre como idealizava o retrato. Ele também queria que o escritor “fosse guardado para a posteridade em toda sua extensão – e, definitivamente, ao ar livre e no verão”.
Tolstói odiava posar, mas suportou firmemente sentar-se para o retrato e escrevia demonstrando carinho quanto a Répin em carta ao amigo Vladímir Tchertkov: “Temos – completar-se-á uma semana amanhã – Répin conosco e pintando meu retrato. Isto toma meu tempo, mas estou satisfeito e gosto muito dele, ele é uma pessoa muito boa e séria”. Em outras cartas, Tolstói dizia que tinha Répin em alta estima.
Répin visitava Iásnaia Poliana com frequência e se apaixonou completamente pelo charme da propriedade em que nasceu Tolstói. A influência da personalidade “forte e inspirada” de Tolstói era inabalável, e ele aceitava tudo o que o escritor dizia como a verdade suprema.
Com o passar do tempo, o feitiço parecia desaparecer e, no final das contas, Répin não estava mais encantado com a personalidade de Tolstói. Ao invés disso, ele sentia pena do velho com o arado ou sentado sozinho com uma vela em seu escritório escuro.
A postura do pintor em relação a Tolstói mudou drasticamente quando ele tirou a conclusão de que o gênio da literatura não deveria descer ao nível dos camponeses, mas, ao contrário, elevar os camponeses ao seu nível. Outra pedra no caminho eram suas posições em questões artísticas. Répin discordava categoricamente de Tolstói em muitos pontos.
Em um artigo, o escritor descreveu Rafael, Wagner e Shakespeare como inúteis, o que magoou Répin: “Afinal, é como se algum tagarela tivesse me dito que Lev Tolstói não tinha talento e era falso. Bem, qual é o ponto de discutir com uma pessoa assim?!”, escreveu Répin.
Ainda assim, os dois continuaram amigos, discutindo sobre todos os assuntos, até o fim da vida de Tolstói. Répin continuou a produzir retratos de Tolstói, mesmo depois da morte do escritor, em 1910. Acredita-se que Répin seja o responsável por criar a imagem de Tolstói que ficou gravada mais permanentemente nas mentes das pessoas até a atualidade.