Venedíkt Eroféiev, o escritor dos bebuns

Venedíkt Eroféiev

Venedíkt Eroféiev

Anatoly Morkovkin/TASS
Autor se tornou uma espécie de Charles Bukowski soviético com seu "De Moscovo a Petuchki - a Lucidez de um Alcoólico Genial". Mas a genialidade de sua obra não se restringe ao interesse apenas dos alcoólatras...

O escritor soviético Venedikt Eroféiev (1938-1990) completaria 80 anos no dia 24 de outubro e, em sua vida relativamente curta, produziu poucas obras literárias. Com elas, porém, conseguiu estimular os russos a refletirem sobre si mesmos e suas vidas.

Ele conhecia bem os costumes soviéticos e, antes de escrever, foi operário, trabalhando como carregador, perfurador em trabalhos de geologia, guarda em uma clínica de desintoxicação, pedreiro e instalador de cabos.

Trabalhar nesses empregos significava também... beber constantemente! E Eroféiev não fazia qualquer objeção a isto.

'Pereceremos completamente'

O que tornava Erofeev tão inclinado ao vício favorito dos russos? Ele se terminou a escola com notas máximas, o que levou a seu ingresso na Universidade de Moscou sem ter que prestar vestibular.

No entanto, foi ali que testemunhou a opressão intelectual e submissão à ideologia do Partido Comunista. Após pouco tempo, foi expulso da universidade por se recursar a assistir às aulas de educação militar, mas tentou se matricular em outra, onde passou apenas um ano.

No final das contas, ele foi aceito pelo Instituto Pedagógico Estatal Vladímir, onde seu hábito de beber e seu conhecimento tornaram-se famosos entre os estudantes.

Venedíkt Eroféiev

Amiga do escritor, a poeta Olga Sedakova diz: “Seu hábito de beber era simbólico... A negação da estrutura social era uma escolha dele. E muitos amigos e jovens admiradores imitaram seu modo de vida, algo como 'quanto pior, melhor'”.

Depois de ser expulso do Instituto Pedagógico Estatal Vladímir por ler a Bíblia para um grupo de colegas e escrever poesia antissoviética, Eroféiev chamou a atenção da KGB. Ele sabia latim e adorava música clássica e obras literárias que não estavam nos currículos das universidades soviéticas, dividia estes conhecimentos com colegas de trabalho, amigos e conhecidos.

Mas Eroféiev conseguiu se safar da prisão por meio - de novo! - da bebida. Em interrogatório na KGB sobre o que andava aprontando seu amigo, Vladímir Muravióv respondeu: “Bebe o dia inteiro, como ele sempre fez”.

Depois disto, os serviços secretos teriam colocado os arquivos de Eroféiev de lado. O escritor fez o possível para esconder sua verdadeira personalidade, principalmente recorrendo a esta persona mítica que era o Eroféiev bebum.

Fato e ficção

“Moskvá-Petuchkí” (que saiu em português pela editora Cotovia como "De Moscovo a Petuchki - a Lucidez de um Alcoólico Genial") alcançou popularidade como publicação clandestina na década de 1970, e ficou ainda mais conhecido quando foi  publicado oficialmente no fim dos anos 1980.

O livro era um “romance sobre um homem que fica bêbado no trem”, algo com que os cidadãos soviéticos se identificavam facilmente.

Como o autor notou com amargura, ninguém entendeu a tragédia por trás do livro. Os leitores acharam que era apenas uma história engraçada, e trataram o livro e o escritor de acordo com esta percepção.

Víktor Kulle, um poeta conhecido de Eroféiev, recorda-se de uma noite literária em 1987 com o "Bukowski soviético": “Ele enxotava as pessoas como moscas inoportunas. Estava claro que ele estava cansado, mas todo mundo achava que ao falar com ele tinha que xingar em voz bem alta e lhe oferecer bebidas...”.

Eroféiev tentou dar um nó na cabeça dos fãs com enigmas e construiu mitos sobre suas obras. 

Em primeiro lugar, espalhou-se a história de um capítulo perdido de  “Moskvá-Petuchkí” que consistia apenas de obscenidades havia sido cortado, restando apenas a frase “E eu bebi até o fim”. Pesquisadores fizeram esforços enormes para encontrar o capítulo - que nunca existiu.

Outro mito estava ligado ao romance “Dmítri Chostakóvitch”, que Eroféiev teria escrito e depois perdido em um trem. Um colega do escritor, Sláva Len, chegou até a publicar um trecho do livro - mas historiadores da literatura russa garantem que se trata de uma farsa.

A poeta Olga Sedakova, amiga de Eroféiev.

Há quem acredite que, assim como a obra “Os sofrimentos do jovem Werther”, de Goethe, deu início a uma epidemia de suicídios no fim do século 18, o livro de Eroféiev teria levado muitas pessoas ao alcoolismo na União Soviética.

“Estes jovens que leram o livro sem muita atenção retiveram apenas as linhas mais simples: beber até cair e cuspir na hierarquia social”, diz Sedakova.  

Talvez, a atitude fin-de-siecle do fim do período soviético fosse inútil na nova vida – uma vida que Eroféiev detestava e com a qual não queria se envolver.

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