“Quero voltar para o Rio”, diz bailarino brasileiro no Bolshoi de Moscou

Cultura
ANNA GALAIDA
Aos 21 anos de idade, David Motta Soares terminou a escola de balé do teatro Bolshoi em Moscou, aprendeu russo e fez os papéis principais nos palcos mais importantes da Rússia. Mas ainda quer voltar para casa.

O brasileiro David Motta Soares é o primeiro estrangeiro a receber um convite para trabalhar no Teatro Bolshoi após terminar a Academia Moscovita de Coreografia.

Por enquanto ele está oficialmente no corpo de baile, mas entre os amantes do balé já há um círculo de fãs: Soares personifica um tipo raro de dançarino noble, um príncipe de sangue azul.

Sua coleção de papéis principais faz inveja aos outros galãs: ele lidera “Giselle”, “Coppélia”, “Jewels”, “O herói do nosso tempo” e outros espetáculos.

Ele falou ao Russia Beyond sobre esta experiência:

O Brasil é representado normalmente não pelo balé, mas pelo futebol. Por que você escolheu esta arte?

Minha prima tinha um estúdio de balé. Um dia ela me sugeriu: “Venha comigo, é chato ficar sozinha lá”. Eu fui e, enquanto ela ensaiava na sala, assisti através do vidro. Depois da aula, a professora se aproximou de mim e perguntou: “Você não quer dançar balé? Precisamos muito de meninos!”.

Eu nem sabia o que era balé, apenas comecei a ir às aulas dela e, depois da aula, ela disse: “Você tem um corpo muito bom. Vamos ensaiar mais”. Foi assim que tudo começou.

Depois de alguns meses, começamos a ensaiar com mais seriedade, e depois de um ano fomos ao primeiro concurso.

Você se deu facilmente com o balé?

Eu tinha nove anos, a gente tinha todos os dias entre duas e três horas de aulas e, depois, ensaiava. A professora nos envolvia tanto que nunca hesitávamos, só pensávamos: “Precisamos fazer, então faremos”.

Como seus pais viam as aulas de balé?

Minha mãe, que é médica, recebeu bem de cara meu interesse pelo balé. Meu pai, que é jornalista, considerava que isto não era uma profissão. Ele dizia: “Você pode dançar para si mesmo, mas precisa decidir o que fará da vida”.

Eu explicava para ele que isto também era uma profissão, mas ele não me escutava. A gente morava na pequena Cabo Frio, não tinha teatro por lá, não tinha balé de verdade.

Eu mesmo antes de vir a Moscou não tinha visto balé ao vivo. No Brasil, eu assistia ao balé pela internet, em gravações.

E mesmo assim você decidiu ir estudar do outro lado do mundo?

Isto não foi decisão minha, eu nem sabia que iria parar aqui. Eu tinha 12 anos e participava do concurso Youth America Grand Prix, pelo qual ganhei um mês de estágio nos Estados Unidos.

Lá, alguns professores de Moscou me viram e propuseram a minha professora que eu continuasse meus estudos em Moscou. Tudo isto foi decidido muito rápido, eu só consegui voltar para casa para pegar meus documentos. Ao partir, eu pensava que estava indo fazer mais um estágio curto, mas depois voltaria a estudar no Brasil.

Mas, depois de um mês, recebi uma carta dos meus professores que para mim, como dançarino, era importante ficar em Moscou e continuar os estudos na academia de coreografia, e que meus pais concordavam com isto. Claro que eu fiquei chocado!

Você se recorda das suas primeiras impressões de Moscou?

Eu cheguei com minha professora. Era novembro. O tempo estava nublado. Lembro que fomos à rua Arbat e ao Kremlin e começaram a cair os primeiros flocos de neve. Eu olhei e pensei: “Como assim, caem do céu!”.

Era interessante e ao mesmo tempo assustador, porque eu nunca tinha visto algo assim. Estava terrivelmente frio, e todos os russos em volta estavam sem chapéu, sem luvas.

Eu não sabia o que me aguardava. E, ao mesmo tempo, era muito interessante porque começava a fantasiar. Mas lembro de ficar plantado na Praça Vermelha e não conseguir imaginar nada, era só assustador.

Como seus colegas se relacionavam com você em Moscou?

Eu caí no 4° ano. Normalmente, na Academia Russa não pegam estrangeiros tão jovens. E no início meus colegas não entendiam muito bem, como eu também, quem eu era, porque tinha ido parar ali entre eles. Mas eles me ajudaram muito: pegaram-me pela mão e me levaram de classe em classe.

E era difícil para eles e para mim, mas depois de, digamos, um ano, encontramos uma língua em comum, quando eu comecei a entender um pouco o russo. Quando eu cheguei, não sabia nem russo, nem inglês.

A escola de balé de Moscou tem sua própria tradição. Você precisou reaprender o que já tinha estudado no Brasil?

Nem tanto, porque meus professores brasileiros estudaram com professores russos no Brasil e, em Moscou, em cursos pedagógicos, por isso eu tinha uma base russa.

Na escola, você era direcionado ao Teatro Bolshoi?

Nas aulas, havia bastantes estrangeiros, mas, apesar disto nosso professor, Andrêi Valentinovitch Smirnov, sempre dizia que era preciso aspirar ao melhor, aspirar ao Teatro Bolshoi. Mas eu não pensava nisso.

Depois da formatura, eu queria voltar o Brasil, ir para casa, me encontrar: descobrir para onde ir e para quê. E parti com a ideia de que Moscou havia acabado para mim.

Mas dois meses depois recebi um telefonema da Galina Olégovna [Stepanenko, diretora de elenco de balé do Teatro Bolshoi] dizendo: “Esperamos você, está tudo pronto, venha”. De novo tudo estava resolvido por mim, e de novo eu ia a Moscou.

Você não pensou em voltar com seu diploma moscovita ao Brasil?

A ideia de voltar para casa está comigo todos os dias. Mas quando eu vim para cá após a academia, eu não tinha forças para ir a algum lugar para ver, pensar em uma grande carreira... eu não tinha nada em mente.

Durante meus cinco anos de estudos em Moscou, eu pensei: “Pronto, pego meu diploma e volto para casa, para minha família”. Todos os anos eu esperava as férias, mas o mês de férias voava tão rápido! E quando eu comecei a trabalhar no Teatro Bolshoi, no final do primeiro ano, tive uma crise.

Eu peguei férias por conta própria e fui passar um mês no Brasil. Cheguei ao teatro no Rio e disse: “Quero trabalhar aqui, não posso mais viver tão longe, é difícil para mim”.

Trabalhei com o elenco por uma semana. Mas vivia-se um período difícil ali: não havia dinheiro e todos os espetáculos foram cancelados, os funcionários do teatro buscavam trabalho no exterior porque não recebiam os salários já havia alguns meses.

Além disso eu comecei a comparar o teatro no Rio ao Bolshoi. Claro que o Rio é minha cidade amada, o lugar onde eu para sempre quererei voltar e eu iria ali com muito prazer para dançar.

Mas me acostumei com a vida acontecendo inteira no teatro, correndo de um ensaio ao outro, dançando todos os dias. É uma casa de loucos, mas eu não vejo como viver de outra forma.

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