Como a URSS projetou um foguete para viajar a Marte em 1971

Ciência e Tecnologia
JAIME NOGUERA
Se este projeto tivesse tido sucesso, os soviéticos poderiam ter colocado os pés no planeta vermelho há mais de quarenta anos.

Em 1959, apenas dois anos após o lançamento do primeiro Sputnik, o engenheiro-chefe do programa espacial soviético, Serguêi Koroliov, decidiu que o principal objetivo do programa espacial soviético não seria a Lua, mas Marte.

Na época, o homem que levaria Iúri Gagarin ao espaço estava trabalhando no escritório de projetos OKB-1. Ele foi responsável pelo desenvolvimento da primeira espaçonave tripulada da história da humanidade, que recebeu o nome Vostok (Leste, em português). Confiante em seus sucessos recentes, Koroliov decidiu trabalhar no projeto mais ambicioso da sua carreira: uma viagem tripulada a Marte.

Os encarregados pelo projeto foram os engenheiros do Departamento 9 do OKB-1, dirigidos por Mikhail Tikhonravov, que, por incrível que pareça, havia começado a planejar viagens tripuladas ao espaço ainda na década de 1920. 

Objetivo: o planeta vermelho

Entre 1959 e 1964, todos os esforços do OKB-1 concentraram-se em Marte, não na Lua. Porém, para chegar ao planeta vermelho, os engenheiros soviéticos tiveram que projetar uma nave interplanetária de peso e tamanho enormes. O foguete gigante recebeu o nome N-1 (de “Nosítel-1”, ou seja, “Transporte-1” em português) e poderia colocar em órbita uma carga de até 80 toneladas. Embora o N-1 fosse chamado pelo governo como um foguete de múltiplas funções, para Koroliov sempre foi o foguete marciano — uma ferramenta fundamental para realizar o seu sonho.

Devido ao tamanho da nave projetada para viagens superlongas, foi proposto um sistema de suporte de vida em circuito fechado por meio do qual os cosmonautas poderiam cultivar os seus alimentos em estufas hidropônicas. A espaçonave deveria ser equipada com um sistema de espelhos para iluminar as estufas. Os primeiros projetos também incluíam um sistema de rotação para criar gravidade artificial graças à força centrífuga.

TMK-1

O primeiro projeto de nave interplanetária foi proposto em 1959 pelo cientista Gleb Maksimov do Departamento 3. Em 1960, foi desenvolvido o KMV (Espaçonave Marte-Vênus, na sigla em russo) e, logo depois, o TMK-1 (Navio Interplanetário Pesado, na sigla em russo).

O TMK-1 pesava 75 toneladas e tinha 6x12 metros. A tripulação era formada por três cosmonautas, que teriam de permanecer no espaço por dois a três anos. O TMK-1 não pousaria em Marte, limitando-se a sobrevoar o planeta vermelho em baixa altitude.

A nave incluía uma cápsula no topo para permitir que os cosmonautas retornassem à Terra. Essa cápsula pesava 2,1 toneladas, tinha um formato de sino semelhante ao da espaçonave Soyuz posterior. Para reduzir o tempo da missão, foi proposto voar primeiro por Vênus para realizar a manobra de assistência gravitacional. De acordo com os planos do Departamento 3, o TMK-1 poderia partir para Marte em 8 de junho de 1971 e retornar à Terra em 10 de julho de 1974.

Voo para Marte com um reator nuclear

Em 1960, o membro da equipe de Tikhonravov e futuro cosmonauta Konstantin Feoktistov propôs o uso de energia elétrica nuclear no TMK-1. Um reator nuclear produziria íons ou plasma para o sistema de motores. Isso permitiria diminuir o peso da nave. Koroliov, porém, não aprovou o projeto; segundo ele, a redução de peso não compensaria as dificuldades técnicas. Por fim, decidiu-se que a nave marciana utilizaria apenas combustíveis químicos em seu sistema de propulsão.

Além do uso da energia nuclear, os engenheiros sugeriram tornar o projeto ainda mais ambicioso e chegaram a considerar o desembarque de uma tripulação de seis cosmonautas em Marte. O módulo de pouso seria instalado em um veículo com rodas que poderia explorar Marte por cerca de um mês. Terminada a missão, eles decolariam para a órbita marciana, onde o TMK os aguardaria para levá-los de volta à Terra.

Em 16 de maio de 1962, o governo da URSS optou pelo projeto de sobrevoo marciano e recomendou desenvolver melhor o programa de pouso em Marte. Assim, o planeta vermelho se tornou um objetivo oficial dos cosmonautas soviéticos.

Projeto nunca realizado

Koroliov propôs lançar diversas espaçonaves do tipo TMK como estações espaciais na órbita da Terra como testes dos sistemas sofisticados.

O projeto extremamente difícil exigiria dezenas de lançamentos do foguete N-1 para primeiro colocar a nave em órbita e depois fornecê-la com suprimentos. Um pesadelo de engenharia.

Koroliov morreu em 14 de janeiro de 1966, aos 59 anos, sem nunca ter realizado seu sonho marciano. Os planos de viagem ao planeta vermelho em nível estatal foram congelados quando a URSS se concentrou na corrida lunar com os Estados Unidos, que realizou a viagem bem-sucedida ao satélite da Terra em 1969. No entanto, o OKB-1 continuou planejando viagens a Marte, em sua maioria baseadas em propulsão elétrica nuclear. O último projeto soviético para colocar humanos na superfície do planeta vermelho data do final da década de 1980 e consistia em utilizar o foguete Energia.

Embora os cosmonautas nunca tenham pisado no planeta vermelho, o módulo de pouso soviético Marte-2 foi o primeiro objeto feito pelo homem a pousar (de forma bastante abrupta) nele, em 27 de novembro de 1971. A sonda tinha a bordo um emblema da URSS que ainda está na superfície marciana.

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