A sonda russa que chegou a Vênus

Albert Puchkarev/TASS
Hoje parece incrível, mas, meio século atrás, a União Soviética pousou uma sonda em outro planeta. Além disso, o fez na ausência de praticamente qualquer informação sobre a atmosfera do planeta vizinha ou quaisquer dados. Em outras palavras, foi quase ao acaso.

No final da década de 1950, o programa espacial soviético experimentava um boom sem precedentes. Na época, missões históricas bem-sucedidas aconteciam praticamente todos os anos: o primeiro satélite artificial, as primeiras criaturas vivas no espaço, o primeiro sobrevoo na Lua e fotos de seu lado oculto. Depois desses triunfos, parecia que nada mais era impossível. É por isso que, quando foram propostos os planos de realizar o primeiro pouso em outro planeta, os cientistas e engenheiros soviéticos responderam com entusiasmo.

Hoje parece utopia. Na época, pouco se sabia sobre outros planetas para realizar missões tão difíceis. Porém, após uma reunião em agosto de 1959, foi emitido um decreto governamental sobre o estabelecimento de estações para uma missão a Vênus (e também a Marte). Até o final de 1960, essas estações, que ainda nem existiam, deveriam voar para o espaço.

Missões no escuro

A equipe decidiu que a primeira missão seria a Vênus, já que o planeta está mais próximo da Terra. Naquela época, os soviéticos contavam com o foguete R-7, criação de Serguêi Korolev, que já havia lançado satélites artificiais e, mais tarde, levaria pessoas ao espaço. Para uma missão no espaço profundo, o foguete precisava passar por uma grande atualização com um estágio completamente novo e características únicas.

Diagrama de voo da espaçonave Venera-1 para Vênus

Foi definido então um esquema de testes - como no caso do sobrevoo da Lua (ocorrido em 1959), o plano era lançar uma sonda com paraquedas diretamente sobre a superfície do planeta. Como já se pode imaginar, a primeira missão de pouso estava fadada ao fracasso.

O fato é que, na época, os cientistas soviéticos acreditavam que Vênus tinha uma atmosfera semelhante à da Terra, bem como água e vida extraterrestre (para ser justo, eles não estavam sozinhos nisso - os americanos também acreditavam que o planeta também poderia abrigar vida). É por isso que a missão Venera 1 deveria impactar diretamente a superfície de Vênus. Mas falhou. A comunicação com a sonda foi perdida, e o curso não pôde ser corrigido; em vez disso, o equipamento voou 100 mil km além do planeta, em 1961. Em uma escala cósmica, não foi um erro enorme já que ninguém havia estado tão perto de Vênus antes.

Protótipo da estação Venera-1

O que se seguiu foi uma série de uma década de missões malfadadas para “conquistar” Vênus. Durante quase todas as janelas de lançamento, uma nova estação de pesquisa soviética foi lançada a Vênus. Mas, na ausência mesmo de uma ideia aproximada do real estado das coisas no planeta, as sondas não tinham a menor chance de atingir sua superfície.

As sondas Venera 4, Venera 5 e Venera 6 foram dilaceradas por pressões atmosféricas. Pelo lado positivo, pelo menos os dados transmitidos pelas sondas de volta à Terra forneceram informações precisas sobre a composição da atmosfera, sua temperatura e pressão. Por exemplo, descobriu-se que a atmosfera de Vênus era 90% dióxido de carbono e tinha pressão e temperatura “altíssimas”. Assim, encontrar vida em Vênus estava fora de questão.

Pesquisadores se preparando para o teste

“Eu testemunhei como os cientistas ficaram frustrados quando não encontraram vida em Vênus. Dois deles até disseram que suas vidas haviam sido em vão, pois foi apenas este sonho que os trouxera para a ciência... A propósito, um deles se tornou clérigo mais tarde”, lembrou o jornalista espacial Vladímir Gubarev em seu livro.

A partir daquele momento, o programa espacial Venera mudou de foco: agora a tarefa era descobrir se alguma vez existiu vida em Vênus.

“Que o Venera 7 pousou na superfície é um milagre”

O sucesso finalmente veio durante a missão Venera 7, que na verdade era Venera 17, mas a União Soviética preferiu ocultar seus fracassos anteriores. 

Lançamento de foguete com a estação Venera-7

Depois de um longo debate científico, levando em conta as novas informações reunidas, os engenheiros decidiram desenvolver uma nova sonda capaz de suportar pressão de 180 atmosferas e temperatura de 540ºC por 90 minutos. Seu corpo não era feito de uma liga de alumínio-magnésio, como nas sondas Venera anteriores, mas de titânio, o que aumentava sua resistência e peso. A nova sonda espacial pesava meia tonelada.

Venera-7

Como resultado, o número de instrumentos científicos que podia carregar foi reduzido. Na verdade, suas capacidades eram modestas: a sonda poderia medir a temperatura e a pressão na superfície, analisar o tipo de superfície e medir a aceleração máxima por meio de sua seção de freio. O equipamento portava flâmulas que traziam a imagem de Lênin e a bandeira soviética com seu conhecido emblema do martelo e foice.

A Venera 7 foi lançada a partir do cosmódromo de Baikonur, no Cazaquistão, em 17 de agosto de 1970. Como backup, cinco dias depois foi lançada uma espaçonave idêntica. No entanto, ela não conseguiu chegar até Vênus porque uma explosão de motor a impediu de deixar a órbita da Terra. Felizmente, a espaçonave “original” alcançou os entornos de Vênus 120 dias depois e, em 15 de dezembro, fez o primeiro pouso suave em outro planeta; o pouso americano na Lua, em julho de 1969, havia sido em um corpo orbital, não em outro planeta.

Na verdade, parecia um milagre. Ao longo da missão, as chances de que algo pudesse dar errado eram enormes. 

No final, a Venera 7 quase sofreu o mesmo destino de suas antecessoras: ao atingir o “alvo” e entrar na atmosfera de Vênus, seu paraquedas explodiu e a sonda desceu mais rápido do que o planejado. Por um tempo, pensou-se que, após o pouso, a sonda não funcionaria, pois ao entrar na atmosfera sua chave de telemetria falhou, fazendo com que os únicos dados transmitidos de volta à Terra durante a descida e após o pouso fossem a temperatura atmosférica. No entanto, análises subsequentes mostraram que, por 23 minutos depois de pousar, a sonda havia transmitido dados diretamente da superfície do planeta.

Planeta esquecido

Depois da Venera 7, uma nova geração de espaçonaves foi enviada ao planeta, o que permitiu à URSS assegurar a liderança na exploração de Vênus e se tornar o primeiro país a obter a primeira imagem de sua superfície. A foto foi tirada menos de seis meses depois, pela Venera 8. Essas foram, entre outras coisas, as primeiras fotos da superfície de outro planeta.

Imagem panorâmica colorida da superfície de Vênus

No total, a União Soviética lançou 27 espaçonaves para Vênus. A última foi a Venera 16, após a qual um novo programa espacial, Vega, foi traçado. Entre 1984 e 1986, com o uso de um explorador, foi possível estudar com sucesso a atmosfera venusiana e obter os dados mais precisos sobre o planeta.

Mas ainda era muito pouco. Sabia-se quase nada sobre as substâncias que constituem sua camada de nuvem ou como são formadas. Esses dados poderiam ser coletados por uma estação interplanetária completa na atmosfera de Vênus - mas custaria uma fortuna. É por isso que, por muitos anos, Vênus foi praticamente esquecida pelos pesquisadores.

Lançamento da missão espacial Vega-2

O interesse foi renovado em outubro de 2020 - por causa da fosfina, um gás composto que, segundo as pesquisas mais recentes, pode indicar a presença de vida. A fosfina estaria presente na atmosfera venusiana, em sua camada de nuvens. A Roscosmos planeja agora uma missão a Vênus em 2029, mas há chances de que possa acontecer antes, em 2027.

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