Durante a Guerra Fria, as tensões entre a URSS e os países ocidentais cresciam catastroficamente. Com a corrida armamentista surgiu uma série de novos equipamentos, e o governo soviético percebeu que precisava melhorar as tecnologias de segurança aérea.
Um foguete balístico lançado dos EUA levava de 20 a 30 minutos para chegar à URSS. As forças de defesa da União Soviética precisavam de um sistema para detectar um míssil de 2 a 3 minutos após o lançamento, para que houvesse tempo suficiente para tomar as medidas cabíveis e eliminá-lo. Em meados da década de 1960, o construtor Vladislav Répin e o acadêmico Aleksandr Mints propuseram um sistema de radares de foguete de três níveis. O primeiro nível correspondia aos satélites que rastreavam a chama do míssil no espectro infravermelho. O segundo era composto por radares além do horizonte que localizavam as chamas por ondas de rádio. Já o terceiro, formado por radares terrestres, deveria localizar um foguete quando estivesse perto o suficiente do território soviético. Esses três níveis ajudavam a minimizar os riscos de reações falsas dos sistemas, mas a responsabilidade da equipe por suas decisões equivocadas aumentava.
Mas havia um problema no segundo nível: os físicos não tinham a tecnologia para fazer os radares além do horizonte. Os pesquisadores, chefiados pelo engenheiro Frants Kuzminski, recorreram a um método que o cientista Nikolai Kabanov inventara em 1946 para localizar aviões com antecedência. Funcionava com base na ionosfera - a camada superior da atmosfera da Terra a uma altitude de 60 a 1.000 quilômetros, que contém uma grande quantidade de elétrons livres por causa da chamada radiação espacial. Foi descoberto que a aproximadamente 300 quilômetros de altitude, a ionosfera reflete as ondas de rádio, o que lhes permite viajar ao redor da Terra.
O método de Kabanov funcionava da seguinte forma: uma fonte envia uma onda de rádio, localiza um avião a uma distância de 900 a 4.000 quilômetros, reflete no avião e retorna para uma antena receptora que analisa o sinal e descobre o tamanho, a velocidade e a direção do objeto voador. Esse método também poderia servir para rastrear os mísseis: neste caso, porém, as ondas de rádio refletem o rastro de gás de plasma do míssil, em vez de um avião.
Como era preciso realizar testes, em meados da década de 1960, foi iniciada a construção do primeiro radar experimental além do horizonte no território da República Soviética Ucraniana, próximo à cidade de Nikolaev (480 quilômetros a sudeste de Kiev) .
O projeto foi codificado como ‘Duga’ (Arco, em português) e já era enorme: sua antena receptora tinha 135 metros de altura e 300 metros de comprimento, e a antena de transmissão, 85 metros de altura e 210 metros de comprimento; além de um prédio de 90 metros de comprimento com 26 unidades de transmissão de dois andares.
A fabricação dessas unidades de transmissão foi permeada por perigos e dificuldades. Os funcionários de uma oficina mecânica em Dnipropetrovsk (atual Dnipro, 400 km a sudeste de Kiev) não conseguiram cumprir a tarefa sozinhos, e Kuzminski formou grupos extras de especialistas para ajudar. Após a conclusão, os especialistas levaram um ano para ajustar o Duga a localizar os alvos com precisão. O complexo começou a operar em 7 de novembro de 1971.
Os testes foram bem-sucedidos, e Frants Kuzminski se comprometeu a construir mais dois complexos Duga em cidades militares nos extremos opostos da URSS. A construção dos novos aparatos começou na década de 1970. O primeiro desses radares começou a operar em modo de combate em 1982 no território do Extremo Oriente da Rússia, perto de Komsomolsk-no-Amur (6.070 km a sudeste de Moscou), e o segundo entrou em serviço na Ucrânia soviética, perto da cidade de Chernobyl (90 km a noroeste de Kiev). A localização das estações minimizava o efeito da calota polar na ionosfera - a calota impede o movimento das ondas de rádio e quando cega um lado do país, em outro o sinal seria perfeito.
Os dois novos complexos eram significativamente maiores do que o primeiro em Nikolaev. O radar principal em Chernobyl consistia em duas unidades de antena receptora: a maior, com 140 metros de altura e 900 metros de comprimento, e a menor, com 90 metros de altura e 500 metros de comprimento. A unidade de antena de transmissão de 300 metros de comprimento foi construída perto de Tchernigov, portanto, havia uma distância de quase 80 quilômetros entre as partes do complexo.
O Duga de Chernobyl não foi fácil de construir: as antenas receptoras precisavam de milhares de toneladas de tubos estruturais reforçados, dos quais havia um déficit. Além disso, esses tubos continham radiadores especiais formados como cestos alongados. Os radiadores tiveram que ser revestidos de zinco para protegê-los da ferrugem.
O Duga era ultrassecreto, de modo que ninguém sabia a origem dos sons. Serguêi Babakov, historiador do Museu de Chernobyl, em Kiev, lembra que nem mesmo alguns oficiais soviéticos faziam ideia para o que o complexo foi construído e algumas pessoas acreditavam se tratar de uma arma para destruir o inimigo com impulso elétrico. O radar enviava seus impulsos cerca de dez vezes por segundo e, a partir de 1976 (quando os dois complexos operavam em modo de teste), esse sinal começou a aparecer no rádio éter em muitos países. Logo soube-se que a fonte estava localizada no território da URSS.
O som era semelhante a batidas frequentes - motivo pelo qual o Duga foi apelidado de "pica-pau russo". Nenhum dos métodos conhecidos ajudava a proteger o éter do ruído específico, já que o radar às vezes mudava de frequência e tom. O barulho, porém, estava irritando as pessoas, e vários países, como Noruega, Suécia e Suíça, dentre outros, expressaram protesto à URSS por quebrar uma convenção internacional de alocação de radiofrequência.
O governo da URSS decidiu mantê-lo em segredo e apenas acrescentou a "remoção de ruído" ao programa de modernização do Duga. Também incluiu tecnologia para melhor evitar a calota polar na ionosfera, formas mais desenvolvidas de detecção de mísseis e outros ajustes - mas o destino do Duga já estava selado. Em 26 de abril de 1986, aconteceu o desastre de Chernobyl, quando o reator nº 4 da usina nuclear local explodiu. O Duga estava situado a apenas dez quilômetros de distância da fábrica. Tudo no complexo permaneceu em seu lugar, mas a radiação inviabilizou sua operação. A cidade militar em torno do Duga foi evacuada, porém a equipe permaneceu em um quartel subterrâneo especial até 1987, quando todo o equipamento foi retirado. O aparato em si sobreviveu à catástrofe ileso: tudo foi mantido em uma área protegida da radiação nuclear.
O equipamento foi transferido para Komsomolsk-no-Amur, mas o destino foi cruel com o Duga: devido a novas ideias na defesa aérea, o desenvolvimento do projeto foi abandonado em 1988 e, na década de 1990, o equipamento do Extremo Oriente foi destruído por um incêndio, encerrando de vez a história do Duga. Já o complexo de Komsomolsk-no-Amur, foi desmontado em 1998. Em 1995, o radar experimental em Nikolaev teve o serviço interrompido e, em 2001, acabou sendo retirado. O Duga de Chernobyl é o único que ainda está de pé por estar localizado dentro da área abandonada.
Os ‘Stalkers’ (como são chamados os turistas ilegais da zona de exclusão de Chernobyl) são os que, atualmente, mais se beneficiam desse monumento à defesa aérea da falecida URSS, apesar de seu perigo mortal, já que os tubos estão bastante enferrujados hoje em dia.
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