No último dia 12 de janeiro, o Telegram se tornou o segundo aplicativo mais baixado nos Estados Unidos e o fundador da plataforma, Pável Durov, anunciou em seu canal que 25 milhões de novos usuários haviam se inscrito no serviço nas 72 horas anteriores. Entre os novos usuários, a maioria é proveniente da Ásia (38%), Europa (27%) e América Latina (21%); outros 8% são do Oriente Médio.
O número de usuários do Telegram, que agora ultrapassa 500 milhões, começou a crescer desde que que as contas de Donald Trump foram bloqueadas, em 7 de janeiro, pelo Twitter, Facebook, Instagram e outras plataformas. Outro fator, ainda mais expressivo, para os usuários migrarem para o Telegram é a nova cláusula de confidencialidade do concorrente WhatsApp. De acordo com as novas regras, os dados pessoais dos usuários WhatsApp podem ser disponibilizados para o Facebook, que detém a propriedade do serviço. A atualização das condições de uso acabou sendo transferida para 15 de maio após protestos dos usuários.
“As pessoas não querem mais trocar sua privacidade por serviços gratuitos. Elas não querem mais ser reféns de monopólios de tecnologia que parecem pensar que podem se safar de qualquer coisa, desde que seus aplicativos tenham uma massa crítica de usuários”, declarou Durov ao comentar os desdobramentos recentes.
Como o Telegram se difere de outros apps de mensagens?
Troca instantânea de mensagens de textos entre dois ou mais usuários são apenas uma pequena parte da infraestrutura do aplicativo russo.
No Telegram, é possível criar chats secretos vinculados a um dispositivo específico do usuário – ou seja, não são salvos nos servidores da plataforma e, a pedido do usuário, podem desaparecer após determinado período. O limite de tempo pode ser definido para qualquer foto ou vídeo desses bate-papos – e, ao expirar, eles também se autodestruirão. Quem costuma fazer print da tela, precisa ter cuidado: o aplicativo avisa o outro usuário sobre o ato.
Além do mais, diferentemente das comunidades nas redes sociais, o Telegram possui canais, e a principal diferença é a ausência total de algoritmos. Os próprios usuários controlam seu uso de mídia: todas as mensagens são publicadas pelo canal em ordem cronológica.
O app não dispõe da função de descoberta, popular em outros aplicativos modernos. Os usuários só ficam sabendo de novos canais interessantes por meio de mensagens encaminhadas por amigos ou outros canais, ou por fontes externas. Os canais podem ser abertos ou anônimos, as postagens podem incluir seção de comentários, e há possibilidade de criar um chat público vinculado a determinado canal.
Outra característica conveniente é a possibilidade pode conhecer pessoas por geolocalização. Se, por exemplo, um turista estiver entediado em uma cidade desconhecida e quiser conhecer alguém, basta clicar em “Contatos”, selecionar “Pessoas Próximas” e surgirá uma lista de todos aqueles que estão nas proximidades (e que já habilitaram esse recurso). Os usuários costumam criar chats para locais específicos, como museu, uma praça ou um bar – neste caso, é só fazer uma pergunta ou começar a conversar com uma pessoa próxima.
O Telegram também tem vários softwares automáticos, conhecidos como “bots”, que calculam a taxa do dólar, permitem que ouvir qualquer música diretamente do aplicativo, criar um feed de notícias pessoal e assim por diante. Além do app para dispositivos móveis, o Telegram conta com versões convenientes para internet e desktop que não exigem um canal de comunicação vinculado a um smartphone, como WhatsApp ou Viber.
E a quem pertence o aplicativo russo?
Pável Durov, fundador da popular rede social russa Vkontakte (o ‘Facebook russo’), desenvolveu o Telegram junto com seu irmão Nikolai. A primeira versão do aplicativo apareceu na App Store em agosto de 2013. Segundo Pável, o Telegram está crescendo e se desenvolvendo graças a investimento pessoal. Em uma entrevista à revista “Fortune” em 2016, o empresário disse investir um milhões de dólares por mês no suporte à plataforma.
Em 2014, Pável deixou definitivamente o cargo de CEO do VKontakte, vendeu suas ações na empresa e foi embora da Rússia. Em seu blog, ele alegou que a mudança ocorreu após uma mudança nos acionistas da rede social em 2013. No entanto, um dos acionistas havia acusado Durov de trabalhar em seu projeto pessoal, o Telegram, em detrimento da rede social.
Inicialmente, o Telegram sequer era compatível com o idioma russo e tinha como alvo um público mais amplo – a plataforma de mensagens só foi adaptada para o russo em 2017.
Por que a Rússia tentou bloquear o Telegram
Ainda em 2017, o FSB exigiu que o Telegram fornecesse as chaves de codificação para comunicação entre usuários suspeitos de planejamento de atos terroristas. Os representantes do aplicativo se recusaram a compartilhar os dados, afirmando ser ‘tecnicamente impossível’. Em consequência disso, o Serviço Federal para Supervisão de Comunicações, Tecnologia da Informação e Mídia de Massa (Roskomnadzor), órgão responsável por monitorar a observância das leis na Internet russa, bloqueou oficialmente o acesso ao Telegram na Rússia em 2018. O aplicativo de mensagens continuou, porém, acessível via VPN, e os desenvolvedores aprenderam rapidamente a contornar o bloqueio para que o Telegram funcionasse mesmo sem a necessidade de se conectar a serviços de terceiros.
Em junho de 2020, o Roskomnadzor desbloqueou o acesso ao Telegram e declarou que o serviço “tem uma visão positiva da vontade de combater o terrorismo e o extremismo expressa pelo fundador”. A empresa desenvolveu um sistema para evitar atos de terrorismo, ao mesmo tempo preservando a confidencialidade das comunicações, segundo Durov.
É verdade que há planos de lançar uma criptomoeda no Telegram?
Não apenas uma moeda. Durov estava planejando o lançamento de uma plataforma inteira de pagamentos com blockchain, a TON (Telegram Open Network), que compreenderia o aplicativo Telegram e a criptomoeda Gram, além de ferramentas de armazenamento de dados.
Em 2018, Durov conseguiu atrair US$ 1,7 bilhão, de 175 investidores, para o projeto, prometendo-lhes um pagamento de 2,9 bilhões de tokens Gram após a emissão da moeda. A plataforma deveria ter sido lançada no final de outubro de 2019, mas, em 11 de outubro daquele ano, a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos (SEC) entrou com uma ação no Tribunal do Distrito Sul de Nova York acusando o Telegram de colocar ilegalmente em circulação tokens digitais que a SEC classificou como títulos, e não moeda.
Em março de 2020, o tribunal de Nova York decidiu que os Grams não eram uma moeda, mas um título e proibiu sua emissão e distribuição a investidores nos EUA e em todo o mundo. Durov assinou um acordo voluntário com a SEC, segundo o qual teve de pagar US$ 1,2 bilhão aos investidores. Em maio do mesmo ano, Pável anunciou o fechamento da TON e, em junho, quitou a dívida por completo.
O que acontecerá com o Telegram agora?
Em dezembro passado, Durov anunciou que a partir de 2021 o Telegram começaria a gerar receita – segundo o fundador do aplicativo, o processo seria “discreto” e todos os serviços existentes permaneceriam gratuitos para os usuários; também garantiu que não haveria publicidade nos chats. A ideia é fazer dinheiro com funções adicionais para negócios e para usuários com requisitos mais amplos.
“Vamos oferecer nossa própria plataforma de publicidade para os canais, garantindo conveniência e confidencialidade para os usuários, ao mesmo tempo que isso nos permite cobrir os custos de servidor e tráfego”, escreveu Durov em seu canal no Telegram.
Atualmente a plataforma não regula publicidade em seus canais.
Após o anúncio, vários investidores ocidentais se ofereceram, em janeiro de 2021, para comprar cerca de 5 a 10% das ações da Telegram, com a empresa avaliada em 30 bilhões de dólares. Durov recusou, segundo o The Bell, alegando dispor de recursos próprios. O site The Information também relatou que Durov havia recebido uma proposta de financiamento de dívida de US$ 1 bilhão, mas não tomara uma decisão final. De acordo com o site de notícias, a dívida pode ser convertida em ações em um eventual IPO, e caixa em si seria justamente necessário para a expansão e o financiamento do Telegram antes do lançamento das ações.
Se o aplicativo está se expandindo e há possibilidade, inclusive, de lançamento de IPO, isso significa que está tudo OK com o Telegram?
Não exatamente. Parece haver um risco real de que o Telegram seja removido da App Store – e então seria muito mais difícil construir uma base de usuários.
No último dia 17 de janeiro, a ONG norte-americana Coalition for a Safer Web (Coalizão por uma Rede mais Segura) abriu um processo contra a Apple exigindo a remoção do aplicativo Telegram da App Store, de acordo com “The Washington Post”. A organização alega que mensagens de extremismo foram espalhadas usando o aplicativo na preparação para o ataque ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, e o Telegram não tomou medidas para bloquear essas declarações. Durov ainda não comentou o processo, embora o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Serguêi Lavrov, já tenha reagido. “Ouvi dizer que o Telegram foi ameaçado de perder os meios para fornecer seus serviços. Vai ser interessante”, disse Lavrov.
O próprio Durov já criticou a Apple em mais de uma ocasião. Em particular, condenou a comissão de 30% sobre a venda de aplicativos de terceiros na App Store. Além disso, o fundador do Telegram afirma que a Apple censura alguns aplicativos, monitora usuários e obriga os desenvolvedores de aplicativos a exibir mais anúncios para gerar receita.
Em janeiro passado, Durov criticou a decisão da Apple e do Google de remover o app Parler, popular entre os apoiadores de Trump, e sugeriu aos usuários que migrassem para Android.
“A Apple é a mais perigosa dos dois, porque pode restringir completamente quais aplicativos você usa, enquanto no Android você pode instalar aplicativos particulares hospedados externamente, como APKs”, disse Durov.
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