Como cultivar algo no espaço quando não há gravidade, campo eletromagnético ou luz solar? Por mais de 50 anos, cientistas de diferentes países têm se esforçado para resolver o problema. Alguns experimentos tiveram certo sucesso. Mas agora, pela primeira vez, encontrou-se uma maneira de cultivar diversos de vegetais no espaço.
Tudo em tubos
“Uma estufa espacial de vitaminas” – é como os pesquisadores se referem ao ‘Vitacikl-T’, um tubo de titânio que permite um sistema de esteira transportadora cultivar vegetais a bordo da Estação Espacial Internacional. O aparato foi desenvolvido após a Rússia perder sua própria estufa ‘Lada’ em 2016; na época, a versão modificada entrou em órbita, mas explodiu com a espaçonave Progress.
A construção consiste em um tambor giratório com seis módulos de raiz. O plantio ocorre no primeiro módulo, seguido por outro por quatro dias e assim por diante. Em 24 dias, obtém-se a colheita no primeiro módulo, que é retirada antes que o módulo seja recarregado com novas sementes. As operações são realizadas em ciclo, uma a cada 44- a 66 dias e, por enquanto, a tecnologia tem produzido resultados maiores e melhores do que os demais jardins espaciais de fabricação estrangeira.
Uma das invenções exclusivas do equipamento é o sistema de tubo poroso de titânio, que penetra no solo artificial da mesma forma que as artérias, para transportar água.
“Simplesmente, não é possível regar as plantas no espaço: o fluxo de água se transforma em gotas, voando em todas as direções. Ao usar uma estrutura de tubo capilar, a água escoa lentamente pelos poros, direto para as raízes das plantas”, explica o diretor do departamento de materiais especiais não nucleares da Rosatom, Maksim Cheverdiaiev.
Quando há umidade insuficiente no sistema de reposição do solo, ocorre uma descarga, que é medida por sensores de pressão. Quando o solo está seco demais, o computador envia mais água.
Por enquanto, o plano é cultivar apenas alface – cujo objetivo é adicionar variedade à dieta espacial dos cosmonautas. Mas a ideia de uma estufa espacial deve se tornar indispensável no futuro. Em uma potencial colonização espacial, haverá necessidade de um ecossistema fechado e autônomo com água e oxigênio.
Fazenda espacial?
Ao longo da história, os cosmonautas russos conseguiram cultivar diversas plantas em órbita. As primeiras culturas foram enviadas para o espaço em 1960, com a nave Sputnik, juntamente com as cadelas Belka e Strelka. Como as sementes reagiram à microgravidade? A colheita foi segura para consumo? Isso afetou o DNA das plantas? Todas essas perguntas (e outras) levaram aos tipos de experimentos hoje conduzidos.
Por enquanto, o cultivo acontece em uma instalação bastante compacta – como a do segmento americano da ISS e – até recentemente – a russa. Ainda é cedo para se falar de uma estufa em grande escala.
“Há duas maneiras de o cultivo acontecer em gravidade zero. As plantas se fixam a uma superfície, enrolando-se em torno dela, ou tendem a alguma fonte de luz – tudo depende do tipo”, explica o cosmonauta Serguêi Prokopiev.
“As plantas são cultivadas de forma hidropônica. Receptáculos com substrato artificial fixados horizontalmente recebem sementes, e são criadas condições para que o ar penetre na estufa através da cápsula”, acrescenta.
A água e os nutrientes são dispensados automaticamente, embora, até agora, alguns astronautas realizem o procedimento manualmente, usando uma seringa e tubos, direto no substrato. O caminho para fazer dessa maneira era espinhoso, no entanto.
Em 1974, a bordo da estação orbital Salut-4, havia uma instalação hidropônica chamada ‘Oasis’, com a qual o cosmonauta Gueórgui Gretchko tentava cultivar ervilhas. Não havia solo, e as ervilhas tinham que crescer através de uma rede encharcada de água. Logo depois que o trabalho começou, enormes gotas de água começaram a vazar do sistema, e Gretchko teve que persegui-las com guardanapos. Ele acabou cortando a mangueira e regando manualmente.
No entanto, esse não foi o único problema. Em seu livro, ‘Cosmonauta no.34’, Gretchko confessou que seu desapreço por biologia na escola quase lhe custou todo o experimento. Ele pensou que os brotos estavam ficando presos no tecido e crescendo incorretamente e os libertou da rede. Acontece que ele confundiu raízes com caules.
Apesar disso, o experimento foi concluído com sucesso.
As ervilhas começaram seu ciclo – da semente ao caule. Mas, das 36 sementes, apenas três cresceram conforme o esperado. Por quê? Os cientistas acreditam que isso ocorreu devido a características genéticas das plantas, que dependiam da orientação da Terra – o broto sempre tende para a luz, e o caule segue na direção oposta.
Imitando a Terra
Depois que esse fator foi levado em consideração, a instalação foi modificada e novas sementes foram colocadas em órbita, com sucesso total. Mas as plantas não desabrochavam – assim como aconteceu em 1980, com as orquídeas que haviam florescido antes de partir para o espaço. Em vários dias, as pétalas cairiam, apesar de novas folhas continuarem a crescer, como aconteceu com as raízes. Surgiu então a teoria de que o campo magnético da Terra estaria em jogo.
O pai da cosmonáutica, Konstantin Tsiolkovski, descreveu uma solução para o problema. Ele desenvolveu um plano para criar um campo gravitacional artificial, envolvendo o cultivo das plantas em uma centrífuga. A solução prática já existia em 1933, e a centrífuga ajudou: os brotos giraram de acordo com o vetor da força centrífuga. O experimento bem-sucedido resultou no cultivo de Arabidopsis e agrião.
Na sequência, os cosmonautas continuaram a levar sementes para o espaço, cultivando cebolas, trigo, alface, repolho e outras culturas – bem como no espaço aberto. Em 2007 e 2008, foi realizado o experimento ‘Biorisk’, que envolveu sementes de mostarda, arroz, tomate, rabanete, levedura, agrião e nicandra cultivadas por 13 meses em um contêiner a bordo da ISS. Os tomates foram os únicos a perecer – os demais vegetais retornaram para a Terra preservando seu frescor.
O consumo de culturas cultivadas no espaço é permitido por lei desde a década de 1980, quando os cientistas determinaram pela primeira vez sua segurança ao estudar os efeitos de tal processo de cultivo.
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