Dois anos atrás, cientistas russos ressuscitaram vermes de 42.000 anos do permafrost. Perigo?

Duvanny Yar/youtube.com
Embora tenha iniciado dois anos atrás, experimento viralizou apenas recentemente. Mas será que esses microrganismos podem representar ameaça à humanidade?

Vermes antigos voltaram à vida, alimentando-se e multiplicando-se rapidamente. O acontecimento é verdadeiramente revolucionário, dizem os cientistas, e ninguém jamais pensou que fosse possível. Agora estão tentando entender como isso ocorreu.

“Você quer o Jurassic Park? Porque é assim que você obtém Jurassic Park.”

“Parem. Congelem o verme novamente. Estamos em 2020, não precisamos de outra catástrofe.”

“Eu tenho um mau pressentimento…”

A notícia de que cientistas russos haviam “descongelado” nematoides antigos (lombrigas) do permafrost siberiano surgiu pela primeira vez em 2018. Na época, artigos descrevendo o evento foram publicados em revistas científicas russas e estrangeiras. Recentemente, porém, alguém se lembrou dos vermes, e a história se tornou viralizou. Assim, o ano de 2020 foi alvo de novos memes, do tipo “Ah, é apenas uma preparação para a sequência. 2021”.

O material está sendo mantido sob supervisão científica, uma vez que a descoberta é considerada revolucionária no campo da criobiose e da biologia.

Os nematelmintos e outros invertebrados microscópicos, como rotíferos e tardígrados, são notoriamente resistentes, capazes de passar muito tempo em um estado desidratado ou congelado e então voltar à vida. “Mas mesmo o recorde existente de sobrevivência em animação suspensa era de apenas 30-40 anos”, diz Anastassia Chatilovitch, pesquisadora sênior do Instituto de Problemas Físicos, Químicos e Biológicos da Ciência do Solo da Academia Russa de Ciências. Junto com um grupo interinstitucional de cientistas, Chatilovitch estudou os antigos nematoides.

Puro acaso

Inicialmente, Chatilovitch e colegas não procuravam nematelmintos no permafrost. Eles estudavam comunidades de protistas (organismos eucarióticos unicelulares) que sobreviveram a milhares de anos de criopreservação em sedimentos permafrost na Iakútia. Não há nada intrinsecamente novo ou surpreendente em objetos vivos unicelulares que existiram em animação suspensa por milhares e até milhões de anos. Em 2000, os pesquisadores encontraram e reviveram esporos bacterianos que passaram 250 milhões de anos em cristais de sal. Ainda antes, cientistas do Centro Científico Puschino haviam conseguido cultivar uma planta a partir de células viáveis ​​encontradas em sementes que ficaram mais de 30.000 anos no permafrost – mas ninguém jamais sonhou que vermes multicelulares pudessem ser ressuscitados.

“Nunca tínhamos obtido animais multicelulares que sobreviveram à criobiose em uma escala de tempo geológica antes. Foi apenas uma feliz coincidência termos dois nematelmintos vivos em duas amostras de solo ao mesmo tempo”, diz Chatilovitch.

Rio Alazeia, Iakútia

Os nematelmintos sequer foram identificados de imediato. Quando as amostras de solo congelado foram enviadas para o laboratório Puschino, os cientistas as colocaram em uma placa de Petri com um meio de nutrição e as observaram de tempos em tempos, na expectativa de encontrar antigos protistas. “Nós vimos os vermes apenas quando eles começaram a se mover. Isso foi cerca de 10 a 14 dias após o descongelamento. Eles provavelmente voltaram à vida ainda mais cedo”, afirma.

As dúvidas de que esses eram, de fato, platelmintos mais modernos que haviam se infiltrado nas amostras foram dissipadas, e eis aqui o por quê. Em primeiro lugar, as duas amostras em que os vermes foram encontrados haviam sido coletadas por pesquisadores independentes em depósitos de diferentes gêneses em regiões distintas: próximo aos rios siberianos Kolima e Alazeia. Além disso, uma das amostras foi retirada do orifício usando um método de alta esterilização.

Uma espécie de nematelminto, Panagrolaimus, foi encontrada em amostras de 32.000 anos. A segunda espécie, Plectus, apareceu em uma amostra ainda mais antiga – 42.000 anos. Ambos os nematelmintos foram identificados como fêmeas.

Rio Kolima

Depois de escrever um artigo sobre o assunto, a equipe russa foi contatada por cientistas de Dresden que se ofereceram para colaborar com a pesquisa. Como resultado, o DNA do verme foi enviado para Teymuras Kurzchalia e colegas do Instituto Max Planck de Biologia Celular Molecular e Genética, na Alemanha, onde estão trabalhando na decodificação completa do genoma dos dois nematelmintos.

Enigma curioso

O caso dos nematelmintos, segundo Chatilovitch, foi “pura sorte”, porque se tivessem sido revividos de apenas uma amostra, os cientistas teriam duvidado da esterilidade da seleção – sempre há a possibilidade de contaminação. Tudo parecia incrível demais.

“Um organismo unicelular pode sobreviver devido às suas propriedades adaptativas, por exemplo, a capacidade de simular vários estágios de dormência – esporos ou cistos. Mas um organismo multicelular tem uma estrutura mais complexa. Embora os nematelmintos também tenham um estágio dormente (larva dauer), danos ao DNA e às membranas celulares podem ocorrer durante a hibernação prolongada e se acumular nas células. Podem ser produzidas toxinas capazes de destruir ou reparar o organismo durante a animação suspensa ou após o descongelamento. De alguma forma, esses vermes conseguiram sobreviver”, diz Chatilovitch, descrevendo o caso como “um enigma muito curioso”.

Especialistas do Instituto de Problemas Físicos, Químicos e Biológicos da Ciência do Solo da Região de Moscou

O genoma completo deve, portanto, fornecer respostas a uma lista de perguntas: Como funcionam os processos de reparo de danos? Que mecanismos de adaptação tinham os vermes antigos? Que genes únicos eles possuem? A espécie evoluiu ao longo de mais de 40.000 anos? Entre várias outras questões.

Foram necessários quase dois anos para a decodificação – um ano por cada nematelminto. Acontece que um deles é triploide, o que significa que tem três conjuntos de cromossomos e se reproduz por partenogênese (monossexual). A equipe alemã planeja concluir a decodificação do genoma até o final do ano.

Ameaça para humanidade?

Os descendentes desses mesmos nematelmintos fazer agora parte da coleção do Laboratório de Criologia do Solo, onde Chatilovitch trabalha. Alguns deles estão congelados, outros secos, alguns vivos e se reproduzindo.

A cientista admite ser frequentemente questionada se microrganismos perigosos poderiam ser descongelados junto com os nematelmintos. Será que algo terrível pode ser lançado no ecossistema? “Como resultado do degelo contínuo do permafrost, os organismos preservados nele encontram seu caminho para o ecossistema moderno todos os anos, é um processo natural (...) “Simplesmente acompanhamos a natureza e não fazemos nada que não ocorra no ambiente natural”, diz Chatilovitch.

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