Por que cientistas russos sonhavam em criar mutante de chimpanzés e humanos?

Primeiros geneticistas soviéticos sonhavam em criar um chimpanzé humano que ajudasse a construir uma nova raça.

Primeiros geneticistas soviéticos sonhavam em criar um chimpanzé humano que ajudasse a construir uma nova raça.

Vasily Yegorov/TASS
Em 1926, Ivânov começou a inseminar chimpanzés do Instituto Pasteur na Guiana Francesa com sêmen coletado de homens locais. Cientista também queria inseminar mulheres africanas com sêmen de chimpanzés, mesmo sem o consentimento delas.

Tentar descer na escala da evolução provavelmente não seja uma boa ideia, mas isso não impediu alguns ousados e inovadores cientistas russos de sonhar com uma nova raça.

No início do século 20, o biólogo Iliá Ivânov planejou o cruzamento entre humanos e chimpanzés, enquanto Serguêi Vôronov ganhou muito dinheiro enxertando testículos de chimpanzés em europeus ricos.

Como e por que os planos desses homens de criar uma raça de chimpanzés humanos falhou?

Uma nova raça mutante

A inseminação artificial de gado começou na Rússia quase 20 anos antes que nos Estados Unidos e na Europa, onde este tipo de produção em massa só foi introduzido na metade dos anos 1930.

Iliá Ivânov, pioneiro na área, estudou medicina em Paris, mas retornou à terra natal para trabalhar com o primeiro ganhador do prêmio Nobel russo, Ivan Pávlov.

Com financiamento do governo russo, ele já usava a inseminação artificial em 1914 e, neste mesmo no, criou mais de 7.000 cavalos saudáveis usando o método.

A ambiciosa meta seguinte do biólogo era fazer a inseminação entre espécies. Ele começou cruzando rebanhos com sucesso, e logo teve a ideia de cruzar humanos e chimpanzés. Não é surpresa que ele tenha sofrido consequências na Rússia ortodoxa.

Entretanto, o novo governo soviético, estava ansioso por usar a ciência como modo de combater pontos de vista religiosos, que ainda eram muito fortes na mentalidade russa da época.

O biólogo russo Iliá Ivânov, que teve a ideia de cruzar humanos e chimpanzés.

Em 1924, Ivânov escreveu para Anatóli Lunatchárski, líder do Comissariado para Educação, pedindo financiamento para seus experimentos, e anexou ao pedido cartas do Instituto Pasteur, que autorizava Ivânov a usar chimpanzés de uma criação na Guiana Francesa.

Lunatchárski recusou o pedido. Mas, em 1925, Ivânov recebeu ajuda de Nikolai Gorbunov, um alto oficial soviético e ex-secretário pessoal de Lênin.

Ele recebeu 10 mil dólares e artigos sobre seus projetos foram publicados na imprensa soviética.

O pesquisador não tinha receios morais quanto à pesquisa, apenas queria entrar para a história como o criador de uma nova raça.

Inseminação na Guiana e abuso de mulheres africanas

Em 1926, Ivanov começou a inseminar chimpanzés na Guiana Francesa com sêmen coletado de homens locais.

Mas Ivanov também queria inseminar mulheres africanas com sêmen de chimpanzés, mesmo sem o consentimento dessas mulheres, o que foi duramente proibido pela administração francesa.

Mais tarde, os franceses ajudaram Ivânov a enviar os macacos para Sukhumi, na Geórgia, onde foi construída uma fazenda para experiências com animais.

De volta à Rússia, Ivânov teve seus experimentos com mulheres africanas condenados pela Academia Soviética de Ciências, que os classificou como imorais.

Na época, chimpanzés fêmeas haviam sido trazidas da África, mas todas haviam morrido e nenhuma delas engravidou. Apenas um orangotango macho permaneceu.

Apesar disso, Ivânov persistiu, e queria encontrar ao menos cinco mulheres voluntárias para serem receberem sêmen de orangotango.

Surpreendentemente, Ivânov recebeu uma carta de uma mulher em Leningrado (atual São Petersburgo) que queria participar do experimento. Mas o orangotango morreu.

Assim, os planos para começar uma criação de hominídeos mutantes em Sukhumi foram interrompidos.

O financiador de Ivânov, Nikolai Gorbunov, foi condenado durante os expurgos de Stálin, o que acelerou a queda de Ivânov.

Preso em 1930, ele foi condenado a cinco anos de exílio no Cazaquistão, de onde nunca retornou.

Vôronov, experimentos e reflexos culturais

“Se você está muito velho para dançar, arranje uma glândula de macaco.” É isso o que diz um trecho da letra da música “Monkey-Doodle-Doo”, de Irving Berlin, fazendo referência aos transplantes de testículo de macaco feitos pelo cirurgião russo-francês Serguêi Vôronov.

Pôster da música “Monkey Doodle Doo”, de Irving Berlin, Estados Unidos, 1913.

Acredita-se ainda que Vôronov tenha inspirado a personagem principal do livro “Coração de Cachorro”, do escritor soviético Mikhail Bulgákov. Na história, o professor Preobrajênski transplanta testículos de chimpanzés em humanos, exatamente como Vôronov. 

Assim como Ivânov, Vôronov estudou na França, orientado pelo prêmio Nobel Alexis Carrel. O cirurgião-chefe serviu por 14 anos como médico pessoal do líder do Egito. Lá, pesquisou as consequências da castração em eunucos reais.

Ele notou que os meninos cujas gônadas haviam sido removidas aos seis anos de idade eram lentos e inertes, tinham problemas de memória e envelheciam mais rápido.

Isso levou Vôronov a acreditar que as gônadas eram o principal órgão responsável pelo vigor e pelo intelecto em animais e humanos.

Usando suas habilidades cirúrgicas, Vôronov começou a transplantar gônadas de jovens bodes e carneiros em animais velhos.

Em 1914, Vôronov realizou o primeiro transplante de uma glândula tireoide de um macaco em um garoto de 14 anos com deficiência mental e afirmou que a operação melhorou drasticamente sua saúde mental.

Em 1920, Vôronov foi o primeiro a transplantar tecido de testículos de chimpanzé para um escroto humano, e o paciente declarou sentir mais vigor, melhoras na memória e nos níveis de estamina.

Serguêi Vôronov (1866-1951) e seu assistente operam um cão usando seu método de rejuvenescimento por transplante de testículos em um laboratório na França. Capa do jornal francês “Le Petit Journal Illustre”, de 22 de outubro de 1922.

Durante os anos 1920 e 1930, mais de 500 homens na França tinham tecido de testículos de chimpanzés implantados em seus corpos.

Entre os clientes de Vôronov estavam o empresário Harold McCormick, o presidente da Turquia, Mustafa Atatürk, e o primeiro-ministro francês Georges Clemenceau.

Batizado de “Doutor Juventude”, Vôronov ficou muito rico e cercou-se de serviçais. Escritor prolífico, ele popularizou suas atividades em diversos livros, com títulos como “De cretino a gênio”.

Mas logo os experimentos de Vôronov foram denunciados pela comunidade médica europeia. Alguns anos depois, muitos de seus pacientes afirmavam não ter  nenhum efeito benéfico após as operações.

Na década de 1940, Kenneth Walker, filósofo e urologista britânico, classificou as operações de Vôronov como “negócios médicos para macacos”.

Já durante a Segunda Guerra Mundial, tropas alemãs invadiram seu castelo na Riviera Francesa, e Vôronov fugiu para os Estados Unidos. Ele morreu em Lausanne, na Suíça, em total esquecimento, em 1951.

Recentemente, porém, as técnicas de Vôronov têm sido estudadas por especialistas no combate ao envelhecimento interessados em reposição hormonal em humanos. Por sorte, desta vez eles não estão usando testículos de chimpanzés.

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