Como os bois-almiscarados se estabeleceram no Ártico russo

Konstantín Babáchkin
A lã do boi-almiscarado é oito vezes mais quente que a da ovelha, mas nem pense em tosá-lo. Os próprios animais precisam dela para sobreviver em Taimir, Iamal e Tchukotka.

Grandes e formidáveis, os bois-almiscarados são alguns dos animais mais antigos do nosso planeta. Eles chegaram à Sibéria e à Eurásia há 3,5 milhões de anos, após descerem as montanhas do Himalaia, e gradualmente migraram para o norte do continente. Há cerca de 190 mil anos, cruzaram o estreito de Bering rumo à América do Norte e se estabeleceram no Alasca e no Canadá — além da Península de Taimir, na Rússia.

Durante todo esse período, sobreviveram a diversas mudanças climáticas globais e a muitas outras espécies, incluindo mamutes. No entanto, há cerca de 3.000 anos, os bois-almiscarados deixaram de existir na Eurásia em consequência da caça por humanos. Foi então que cientistas soviéticos conseguiram reintroduzir com sucesso os bois-almiscarados em Taimir.

Touro, cabra ou...

Os especialistas ainda não chegaram a um consenso sobre a natureza do boi-almiscarado. Alguns acreditam que pertence à classe dos touros; outros, que pertence à das cabras (como, por exemplo, as ovelhas de montanha). Mas há também quem acredite se tratar de um gênero independente, cujos parentes foram extintos há muito tempo. Estabelecer ligações genéticas entre este animal antigo e as espécies modernas é difícil. Até agora, seu único parente vivo é o takin, animal de casco fendido, que pode ser encontrado no Himalaia.

Apesar do nome, não existem glândulas almiscaradas em seu corpo; a sua nomenclatura vem, aparentemente, da palavra “almiscarado”, que, na língua de povos indígenas canadenses, significa área pantanosa.

Parece maior por causa do pelo

Sua lã, longa e grossa, torna o boi-almiscarado visualmente duas vezes maior do que é. Sua cernelha cresce até 1,5 metro e o animal pode atingir até 2,5 metros de comprimento. Um macho pesa cerca de meia tonelada, enquanto a fêmea tem quase a metade de peso. Tanto as orelhas como a cauda do boi-almiscarado ficam escondidas sob a lã felpuda.

Seu subpelo é muito quente, oito vezes mais que a lã de ovelha, e protege-o perfeitamente de geadas e ventos gelados. Durante a muda da primavera, um boi-almiscarado grande perde até três quilos de penugem.

Por incrível que pareça, durante o rigoroso inverno, os bois-almiscarados costumam pastar nos lugares onde mais venta. Isso porque há menos neve nessas áreas e isso torna mais fácil para eles desenterrarem plantas nutritivas.

Eremitas do Ártico

Geralmente, um rebanho de bois-almiscarados consiste em algumas fêmeas com descendentes jovens. Quando os machos amadurecem, partem para a tundra. Os zoólogos calculam que possam viajar até 700 km de distância do seu rebanho reprodutor; por isso, foram apelidados de “eremitas do Ártico”.

Quando é hora do cio, eles se juntam aos rebanhos com as fêmeas e às vezes afugentam os machos mais jovens. Seu período mais ativo ocorre no final de julho e dura até o final de setembro. Se vários machos reivindicarem uma mesma fêmea, eles terão uma luta frente à frente. Mas raramente termina em fatalidade – via de regra, o animal perdedor simplesmente desiste e foge.

Semicírculo para sobrevivência

Como se pode ver nas fotos, os bois-almiscarados se reúnem em semicírculo ou quadrado, como se estivessem posando. Na verdade, esta é a sua estratégia para proteger o rebanho. Os menores ficam no centro, enquanto os maiores os cercam nas laterais. E eles não apenas ficam pastando nessa formação — eles também podem se mover pela tundra dessa maneira.

Eles também se agrupam desse modo durante as tempestades de neve, permanecendo de costas para a direção do vento, ou quando avistam um inimigo – geralmente, lobos-do-ártico.

Retorno ao Ártico

Paleontólogos encontraram restos mortais de antigos bois-almiscarados nos territórios árticos da Rússia. Os “mais jovens” tinham cerca de 3.000 anos. Mas alguns cientistas acreditam que os últimos desses animais desapareceram bem mais tarde, provavelmente há apenas 400 anos.

Sabe-se que, no início do século 20, os bois-almiscarados viviam apenas no Canadá e sua população era protegida. Em meados do século passado, rebanhos de bois-almiscarados também foram restaurados na região do Alasca. Cientistas dos países escandinavos também tentaram trazê-los de volta, mas tais tentativas foram infrutíferas.

Na década de 1970, um programa do governo soviético começou a reintroduzir bois-almiscarados em Taimir. Em 1971, uma delegação de alto escalão do Canadá, chefiada pelo primeiro-ministro Pierre Trudeau, visitou Norilsk. Foi a primeira vez que o chefe de outro Estado visitou a cidade do Norte russo. Os canadenses ficaram surpresos com o fato de o povo soviético ter conseguido construir uma cidade com infraestruturas desenvolvidas em pleno Ártico. Durante a visita, os cientistas locais disseram ao primeiro-ministro canadense que gostariam de reproduzir uma população de bois-almiscarados e Trudeau prometeu ajuda. Em 1974, os primeiros dez bois-almiscarados com 15 meses de idade (fêmeas e machos em proporções iguais), capturados especialmente na Ilha Banks, foram soltos em Taimir.

Em 1975, mais 40 bois-almiscarados foram transportados para a URSS, desta vez da Ilha Nunivak (Alasca). Metade deles foi destinada aos povos de Taimir, enquanto a outra metade seguiu para a Ilha de Wrangel, em Tchukotka. No início dos anos 1990, os bois-almiscarados se espalharam pela Ilha de Wrangel e pelo norte da Iakútia e foram então levados para a Península de Iamal.

Atualmente, há mais de 16.000 bois-almiscarados vivendo no Ártico russo, sendo a maior população da espécie depois do Canadá (mais de 100.000). A maioria deles vive em Taimir, com cerca de 4.000 habitando a Iakútia.

Visita do premiê do Canadá a Norilsk, 1971

Existem cerca de 1.100 bois-almiscarados na Ilha Wrangel. Em Iamal, há quase de 400, dos quais metade vive na reserva de vida selvagem. Onde quer que os bois almiscarados vivam hoje, eles são monitorados por especialistas.

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