Quando pescadores soviéticos salvaram espiões dos EUA

Caylor foi um dos 10 tripulantes americanos resgatados em incidente

Caylor foi um dos 10 tripulantes americanos resgatados em incidente

Ígor Dunaevski
Em plena Guerra Fria, tripulantes de barco soviético arriscaram a própria vida para resgatar espiões americanos cujo avião havia caído nas águas geladas do mar de Bering.

Em 26 de outubro de 1978, no auge da Guerra Fria, um Alfa Foxtrot 586 estava realizando uma missão de espionagem perigosa ao longo da costa de Kamtchatka, no Extremo Oriente. Foi então que a aeronave de quatro motores caiu na água e afundou quase que imediatamente sob as enormes ondas provocadas por uma tempestade no mar de Bering. A aeronave despencou em apenas 90 segundos, o comandante estava perdido no mar, e 13 dos 15 tripulantes ficaram à deriva sobre dois botes.

O pesqueiro soviético Mis Siniavin era o único navio perto o suficiente para ajudar na situação e dirigiu-se para os botes onde estavam os aviadores americanos – como resultado, 10 membros foram resgatados com vida, e 3 corpos foram retirados do mar.

Os sobreviventes receberam cuidados médicos, mas estavam preocupados de que fossem tratados como espiões inimigos. Isso, porém, jamais ocorreu: além de terem recebido tratamento de ponta, foram devolvidos à custódia dos EUA em uma semana.

Durante muito tempo, os marinheiros soviéticos foram apresentados com admiração na imprensa estrangeira, e o então presidente dos EUA, Jimmy Carter, até enviou um telegrama pessoal para agradecer o capitão soviético Aleksander Arbuzov.

“O bom é que fomos salvos por marinheiros da União Soviética, em vez de nossos próprios marinheiros. Caso contrário, teríamos morrido”, diz Ed Caylor, o copiloto do avião espião da Marinha dos EUA, Alfa Foxtrot 586.

“Naquela época, nos EUA, uma pessoa retirada de uma água tão gelada seria jogada em uma banheira quente de imediato – e então morreríamos de choque térmico, pois todo o sangue frio vai diretamente para o coração e causa um ataque cardíaco. Mas os pescadores russos entendiam melhor como lidar com a questão. Quando entramos no navio, eles nos deram chá com mel. Passaram-se 30 minutos antes que eles tirassem nossa roupa e nos colocassem em um banho quente”, explica Caylor.

Arrastão soviético “Mis Siniavin” (Foto: Arquivo)Arrastão soviético “Mis Siniavin” (Foto: Arquivo)

Após a queda do avião, 13 membros da tripulação tiveram que se espremer em dois botes infláveis (atingidos por ondas de 10 metros). A única esperança parecia ser uma aeronave militar americana que sobrevoava a região enquanto a ajuda não chegava.

“Estávamos com água até a cintura, estava absurdamente frio, cerca de 4 graus. Eu me sentia perto da morte depois de 12 horas na água gelada, e três já tinham morrido. De repente, porém, vimos um navio com todas as luzes acesas se aproximando de nós.”

Confira abaixo uma entrevista com Caylor sobre esse exato momento:

Quando percebeu que os salva-vidas eram pescadores soviéticos?

Vimos um clarão e então ouvimos pessoas falando russo. Tínhamos um navio no radar bem antes de cairmos na água. E tentamos contato. Foi só três anos atrás que fiquei sabendo que nosso país havia pedido socorro aos sul-coreanos, mas eles disseram que era muito perigoso. Os russos, no entanto, avisaram Aleksandr Arbuzov sobre o ocorrido, e ele teria respondido: “É claro que eu vou”.

Tripulação dos EUA a bordo do “Mis Siniavin” (Foto: Arquivo)Tripulação dos EUA a bordo do “Mis Siniavin” (Foto: Arquivo)

Qual foi a primeira coisa que veio à cabeça quando subiu no navio?

Primeiro tomamos chá com mel, e senti minha energia voltando. Hoje, ainda tomo chá com mel quando está frio, e sempre me lembro daquele momento.

Aqueles eram os primeiros soviéticos com quem você se deparava...

Sim, eles agiram como um ser humano qualquer. Foram excelentes e estavam muito curiosos. Mas não sabíamos falar russo, então, não conseguimos nos comunicar bem.

No total, passaram-se 48 horas até que o Mis Siniavin chegasse a Petropavlovsk-Kamchatski. A tripulação americana foi levada a um hospital local, depois enviada a Khabarovsk e logo transferida de volta para casa nos Estados Unidos.

Foram necessários quase 25 anos para os socorristas e os resgatados entrarem em contato novamente. As tentativas dos resgatados de enviar mensagens e encomendas para a tripulação do Mis Siniavin foram infrutíferas por anos, e, apenas em 2003, os americanos ficaram conhecendo o nome de seu salva-vidas – Aleksandr Arbuzov. Em pouco tempo, reuniram-se em Las Vegas, nos EUA, com Aleksandr e sua equipe.

Qual foi sua primeira pergunta para Aleksandr?

Perguntei a ele: “Aleksander, por que, durante tempos difíceis entre Brejnev e Carter e entre nossos países em geral, por que você procurou e salvou espiões militares dos EUA?”. Ele me respondeu: “Porque nós dois somos homens do mar e devo salvá-lo”.

Qual foi a primeira impressão dele?

Ele é incrível, muito sincero e atencioso. Tornou-se uma verdadeira estrela em Las Vegas, e estava sempre conosco. Devo admitir que só estou vivo hoje por causa dele. Sempre vou lembrar dele. Tivemos muita sorte em ter Aleksandr como capitão desse navio. Obrigado, Aleksandr (o capitão Arbuzov faleceu recentemente).

Encontro em Las Vegas, em 2004; na foto, Caylor (primeiro à esq.), Arbuzov (terceiro à dir.) e a tripulação do  “Mis Siniavin” (Foto: Arquivo)Encontro em Las Vegas, em 2004; na foto, Caylor (primeiro à esq.), Arbuzov (terceiro à dir.) e a tripulação do “Mis Siniavin” (Foto: Arquivo)

Publicado originalmente em russo pela revista Rodina

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