Para tataraneto, Nikolai queria colonizar região só por proteção: “Não acreditava que uma raça ou cultura devesse dominar outra”
Ruslan Chamukov“Eu sempre reagi bem a quem eu sou. Talvez, porque não tivesse outra escolha”, brinca Nikolai Miklouho-Maclay, sentado na cadeira de seu escritório com postura impecável – assim como deve se sentar um nobre hereditário.
Nikolai nasceu exatamente 102 anos depois de seu homônimo e mundialmente famoso bisavô Nikolai (Nicholas) Miklouho-Maclay desembarcar nas margens de Papua-Nova Guiné. Hoje, ele é o fundador e diretor da Fundação Miklouho-Maclay para Preservação do Patrimônio Etnocultural.
Os descendentes de Miklouho-Maclay, que estudou os nativos de Papua-Nova Guiné durante 12 anos, vivem atualmente sobretudo na Rússia e na Austrália. Mas, até então, Nikolai foi o único que decidiu, depois de 150 anos, seguir os passos de seu antepassado – e viajar 18 mil quilômetros de carro, cruzando sete países.
Registro de primeira missão de Nikolai, em 1875 (Foto: Arquivo)
Missão pela história
Poucas pessoas hoje lembram qualquer coisa sobre Miklouho-Maclay, exceto seu nome – e isso incomoda o tataraneto. “Há a rua Miklouho-Maclay em Moscou, e algumas pessoas estão certas de que meu sobrenome é em homenagem a essa via.”
Certo dia, Nikolai teve de pedir uma ambulância para a mãe e lhe questionaram seu nome. Mas nenhuma ambulância chegou. Ele então descobriu que, no hospital, haviam pensado que ele fosse louco por ter respondido que seu nome era “Miklouho-Maclay”. “Jovem, ligue para a clínica psiquiátrica”, disseram, quando ligou de volta.
Um vídeo publicado no site de sua fundação também mostra moradores de São Petersburgo tentando adivinhar quem foi Miklouho-Maclay. Mas tudo o que conseguem lembrar são algumas piadas que, em sua opinião, “é melhor não contar”.
Antes de bolar a expedição, Nikolai trabalhava no setor agrícola. Tinha seu próprio negócio e usava o dinheiro que ganhava para viajar pelo mundo. Mas, com o tempo, deu-se conta de que deveria preservar a memória de seu antepassado.
Foi assim que surgiu a ideia de uma viagem por estrada até as margens da Papua-Nova Guiné: chegar ao país através de China, Tailândia e Indonésia; e, em seguida, dirigir pela Rússia, contando histórias sobre o etnógrafo.
“Esse deve ser o meu maior objetivo. Estamos falando de um enorme desafio, e se conseguimos fazer isso acontecer...Não devemos distorcer a história”, diz.
A tripulação da viagem é composta também por cientistas e exploradores. Juntos, durante duas semanas, eles irão examinar a vida cotidiana dos papuas e verificar se os nativos foram influenciados pela cultura russa.
Idioma local sofreu influências do russo devido a explorador (Foto: Arquivo pessoal)
O primeiro homem branco em Papua, Miklouho-Maclay, tornou-se um sinônimo para todos os europeus que mais tarde visitaram as ilhas. Por causa do etnógrafo russo, as línguas locais adquiriram, por exemplo, palavras como “topor”, “kukuruza” e “arbuz” (termos russos para “machado”, “milho” e “melancia”, respectivamente).
O tataraneto garante que, embora saiba dos riscos, não tem medo de nada (existem, por exemplo, tribos de canibais que ainda vivem a poucos quilômetros do interior da costa leste de Maclay). Mas um de seus colegas de viagem, o ex-cirurgião Konstantin Bespalko, já viajou por todo o mundo – cataratas de Iguaçu, Ilhas Galápagos, Madagascar, Laos, Camboja e Índia – e ressalta que há coisas a temer.
“Há dez anos, em Madagascar, fui atingido por um sapo de algum tipo. Eu estava em uma montanha e todo mundo gritou ‘perigo, perigo’ apontando para uma rã. Acontece que, se pisar nela, duas horas depois você pode dizer adeus a seus amigos. Eu não sei quando exatamente ele me atingiu, mas toda a minha perna acabou coberta de sangue, porque o sangue não coagulava – acho que ele tinha anticoagulantes na saliva”, conta.
Objetivos nobres
Há um mapa espalhado sobre a mesa e um globo brilhante no escritório da fundação. Nikolai diz que, apesar das inúmeras entrevistas que dá aos jornalistas e de sua participação na Sociedade Geográfica Russa (cujo conselho de curadores inclui o presidente russo, o ministro da Defesa e algumas das pessoas mais ricas do país), ele não se sente um indivíduo excepcional.
Nikolai contará com a ajuda de amigos em sua missão (Foto: Ruslan Chamukov)
“Eu fico surpreso como isso é importante para outras pessoas. Sabe, durante a minha infância, desde os 13 anos, eu gostava de velejar, mas só recentemente, 30 anos depois, descobri que um dos meus amigos de vela cobrava vários copeques para me exibir aos outros. E o mais surpreendente não era o fato de ele estar fazendo dinheiro com isso, mas que as crianças na época estavam dispostas a pagar para ver um Miklouho-Maclay vivo”, recorda Nikolai.
Além do objetivo de preservar a memória de seu antepassado e elevar o nível de erudição entre os estudantes de hoje, ele admite não ter outros objetivos. No entanto, seu antepassado possuía, entre outras coisas, ambições políticas.
Miklouho-Maclay propôs que a terra que ele descobriu fosse colonizada. Sugeriu chamar as ilhas de “Tchernorossia” (“Rússia negra”, em russo, por causa da cor da população indígena), e ele mesmo queria estar no comando da propriedade colonial. Mas o imperador não permitiu, e a costa acabou sendo colonizada pela Alemanha.
“A colonização pela Rússia era necessária por um único motivo – para ter sob sua proteção os pequenos grupos étnicos que povoavam a Papua-Nova Guiné. Meu tataravô nunca acreditou que uma raça ou cultura devesse dominar outra”, diz.
“E a ambição pode ser uma coisa boa”, continua. Nikolai repete então um dos lemas do antepassado: “Se uma pessoa tem ambição, é uma grande responsabilidade. Uma pessoa pode ser julgada por seus objetivos. E ele tinha grandes objetivos.”
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