Ilin escapou da pena de morte, mas jamais apresentou seu plano de reforma
Lev RomanovNinguém poderia adivinhar que um senhor delgado e amigável, acompanhado de seu vira-lata Khazar, que salvou do frio de -30ºC, seja um ex-terrorista. “Se um homem de 70 anos olha para o mundo do mesmo jeito que o fazia aos 20 anos, ele viveu em vão”, diz Víktor Ilin, o autor da tentativa de assassinato a Brejnev.
“Se eu pudesse voltar a 1969, eu não mataria ninguém. Graças a Deus, tenho a oportunidade de dizer isso agora. Quando estava atirando na comitiva, não achava que eu tinha um futuro. Foi um ato suicida. Mas, felizmente, ganhei uma segunda vida.”
Pensão em vez de fuzilamento
Ilin não foi condenado por seu crime, que teria levado a pena de morte, mas acusado de outras quatro ofensas graves: terrorismo, assassinato, roubo de armas e deserção.
Foi declarado louco e enviado para tratamento em um hospital psiquiátrico, apesar dos interrogadores, incluindo o então chefe da KGB e futuro líder da URSS, Iúri Andropov, terem afirmado desde o início que Ilin tinha ciência de suas ações e agiu motivado por razões ideológicas.
“Reconhecer que um cidadão soviético em seu juízo pleno tivesse atirado em Brejnev significava admitir que havia uma onda de insatisfação com o sistema comunista se formando no país”, explica Ilin. “Foi por isso que decidiram que só um louco seria capaz de tentar assassinar o líder da URSS”.
Na época, ninguém também imaginaria que 20 anos depois a União Soviética deixaria de existir e que a nova Corte Suprema liberaria o terrorista, transformando-o praticamente em um herói de resistência. Desde então, além de ter ganhado um apartamento para viver nos arredores de São Petersburgo, onde nasceu e viveu sua infância, recebe também uma pensão.
Único companheiro de Ilin, cão foi resgatado das ruas no inverno Foto: Víktor Ilin/Lev Romanov
Efeitos colaterais da pena
É difícil entender se, na época do atentado, Ilin estava ou não plenamente ciente de seu ato e consequências. Os anos que se passaram no hospital psiquiátrico tiveram efeito sobre ele. Ao falar, Ilin muda constantemente de assuntos, intercalando relatos do crime com poemas e vangloriando-se da reforma feita em seu apartamento, que, de fato, não possui nada além de pilhas de papel e lixo.
Ilin garante, porém, não ter recebido medicação forte no hospital. “Eu tinha ouvido falar de psiquiatria punitiva. Tinha medo que eles me injetassem haloperidol e me transformassem em uma planta, ainda mais porque fui enviado a um hospital longe de Moscou, em Kazan. Se alguma tivesse acontecido comigo lá, ninguém teria descoberto, mas, no final das contas, fui tratado como um ser humano”, conta.
Carta ao Kremlin ignorada
As razões por trás da decisão de Ilin de atirar em Brejnev estão provavelmente relacionadas à sua infância. Víktor tinha menos de dois anos quando foi levado para longe de seus pais, que eram alcoólatras, e cresceu em uma família adotiva. Na escola, mal se comunicava com os outros e admite que sofria de deficit de atenção.
“Eu sonhava em me tornar um geólogo”, lembra Ilin. “Naquela época, essa era considerada a profissão mais romântica da União Soviética – expedições, novos descobertas, terras inexploradas, canções junto à fogueira. Entrei numa escola técnica topográfica, viajei para muitas cidades e regiões distantes. Mas o que vi me deixou uma impressão deprimente. Pobreza, embriaguez, destruição – não exatamente o que mostravam na televisão soviética. Eu entendi que era assim que viva todo o país, enquanto os comunistas mentiam descaradamente. No início, eu não planejei um ataque terrorista contra o governo. Eu redigi um plano de reforma, que incluía um pagamento mensal a todos os cidadãos pela venda de recursos naturais, e o enviei ao Kremlin, para Brejnev. Mas eu não recebi resposta. Então decidi matá-lo, queria que todos soubessem das minhas ideias, e isso exigia um ato simbólico, eu planejava falar sobre o plano de reforma no tribunal, nas minhas últimas palavras.”
Ilin passou quase um ano se preparando para o assassinato. Para ter acesso a armas, juntou-se ao exército após se formar. Servia não longe de Leningrado (atual São Petersburgo) e estudava os jornais todos os dias para saber onde, quando e com quem Brejnev estava se encontrando. Em meados de janeiro de 1969, os veículos publicaram mais uma vitória espacial soviética: as naves espaciais Soyuz 4 e Soyuz 5 haviam atracado em espaço aberto e, para tanto, uma celebração estava sendo organizada para 22 de janeiro. Na ocasião, a comitiva do governo chefiada por Brejnev deveria receber os cosmonautas no aeroporto e escoltá-los até o Kremlin.
Roubo, viagem e ataque em menos de 24 horas
Ilin calculou tudo com precisão matemática. No manhã de 21 de janeiro, depois de esperar o sentinela adormecer, ele roubou duas pistolas e cartuchos do depósito de armas, escapa da unidade, pegou um trem para o aeroporto de Pulkovo e voou para Moscou (na época, a segurança nos aeroportos era muito menos rigorosa).
Em Moscou, hospedou-se na casa de seu tio, que era policial, dizendo-lhe que estava de férias. Na manhã do dia 22, Ilin pegou escondido o sobretudo de polícia de seu tio e chegou ao Kremlin exatamente no momento da procissão do carro. Tudo isso transcorreu em menos de um dia.
“Se tivesse passado mais tempo, o plano teria falhado. O comando central da KGB havia sido informado sobre mim uma hora antes da tentativa de assassinato e só pude seguir em frente porque a unidade militar que descobriu sobre o roubo não quis fazer grande alarde e decidiu procurar por mim primeiro”, relembra.
Vídeo registra momento de disparos contra carro de cosmonautas Foto: Víktor Ilin/RT
Quando Ilin chegou ao Kremlin, viu um cordão policial separando a rua do governo da multidão de espectadores. Ilin deu alguns passos cordão adentro e, uma vez que estava usando um uniforme da polícia, ninguém prestou atenção especial nele. Quando a comitiva de Brejnev se aproximava do Kremlin, Ilin, com as pistolas escondidas nas mangas do casaco, saiu correndo do cordão e atirou repetidamente com ambas as mãos contra o carro que normalmente carregava o líder soviético.
Mas Brejnev teve sorte: no caminho vindo do aeroporto, seu carro trocou de lugar com o dos cosmonautas. Ilin disparou onze balas, matando o motorista e ferindo Andrian Nikolaev e Geórgui Beregovoi (Aleksêi Leonov e Valentina Tereshkova, a primeira mulher cosmonauta, também estavam sentados no carro). Um oficial sobre uma motocicleta foi atingido por outra bala. Ilin foi preso no ato sem apresentar qualquer resistência. No entanto, seu plano tinha frustrado: Brejnev continuava vivo, a notícia da tentativa de assassinato foi mantida em segredo (apenas a imprensa estrangeira cobre o assunto), e o julgamento, no qual Ilin iria apresentar seu plano de reforma, jamais aconteceu.
Plano B para vida
Pergunto a Ilin sobre suas visões políticas atuais, mas ele muda o assunto, dizendo que deve servir a Deus por ter matado um homem inocente.
Ígor Atamanenko, ex-tenente-coronel da KGB que interrogou Ilin em 1969, lembra que “quando, durante o primeiro interrogatório, o assassino descobriu que havia atirado contra cosmonautas e não em Brejnev, ele teve um ataque histérico”.
“Agora tenho uma vida diferente”, diz Ilin. “Assim que Khazar morrer, entregarei o apartamento ao governo e vou morar em um asilo.”
Ele não tem parentes e o único vizinho com quem foi amigo morreu há um ano. “Você precisa de alguma ajuda?”, pergunto a ele. “Eu queria publicar meus poemas há muito tempo, mas ninguém quis pegá-los. Você me ajuda?”. No final, entretanto, ele não me dá seus poemas. “Na verdade, agora não é um bom momento, vamos fazer isso no verão, depois da Santíssima Trindade. Preciso me preparar.”
Ilin planeja se mudar para asilo após morte de cachorro Foto: Víktor Ilin/Lev Romanov
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