Muçulmanos em oração durante cerimônia na Mesquita de São Petersburgo
Denis Tarasov/Global Look Press“O Islã tradicional é parte inalienável da vida espiritual de nosso país”, afirmou Vladímir Pútin durante a inauguração da Grande Mesquita de Moscou, uma das maiores da Europa, em setembro de 2015. Para Pútin, as “tradições do Islã iluminado” evoluíram por séculos na Rússia, e o Estado continuaria a apoiar o desenvolvimento da teologia islâmica.
As palavras de Pútin refletem a posição oficial das autoridades no país: o Islã é uma religão pacífica e amigável, que não tem nada em comum com as interpretações torcidas dos radicais e terroristas. Em uma conferência à imprensa em 23 de dezembro do ano passado, Pútin afirmou ser contra unir as palavras “Islã” e “terror”.
Fé multifacetada
Tanto as autoridades seculares quanto os cléricos mulçumanos na Rússia fazem a distinção entre o “Islã radical”, com sua propensão perigosa a provocar ações de terrorismo, de um lado, e o “Islã tradicional”, de outro —tolerante e baseado não apenas no Corão, mas em costumes dos povos mulçumanos e na ideia da coexistência pacífica das religiões.
“Em cada região russa, o Islã tradicional tem uma interpretação diferente”, explica o especialista em religiões Ígor Zagárin, professor associado da Academia Presidencial da Economia Nacional e Administração Pública da Rússia. “Tradições locais e nativas evoluíram, cada uma a seu passo, no Tatarstão, em Bachkortostão, no Cáucaso e assim por diante.”
Além disso, os mulçumanos não têm um centro espiritual único, como a Igreja Ortodoxa Russa tem. As diferentes regiões têm sua própria administração clerical, no caso do Islã, e seus líderes podem não ser reconhecidos como tais fora de sua própria área geográfica. “O país tem dezenas de centros espirituais e organizações que acabam competindo entre si”, complementa Zagárin.
Ao mesmo tempo, o Islã tradicional russo tem traços em comum, que são compartilhados por todos. A maioria adere à tradição sunita, e às escolas que tiram sua inspiração tanto do Corão quanto de costumes historicamente estabelecidos. Elas fazem, portanto, parte de uma interpretação “mais suave” do Islã se comparadas aos princípios conservadores que dominam países como a Arábia Saudita.
Islã tradicional x Islã puro
O desafio para o “Islã tradicional” é imposto pelos salafitas, os mulçumanos que querem a “purificação” da religião e uma volta às regras vigentes no período que vivia o profeta Maomé (7o séc.) e uma estrita obediência à “sharia”, seu código de leis, explica o pesquisador.
O Islã salafista “não é completamente aceito” na Rússia, diz. Uma conferência mulçumana realizada em Grozni, em agosto de 2016, emitiu uma “fatwa” (sentença, julgamento sob as leis islâmicas) contra todos os salafistas, wahabistas e demais radicais sectários considerando-os “elementos indesejados no território russo”.
Por outro lado, a comunidade salafista não está oficialmente banida e continua a existir na região do norte do Cáucaso. O grupo de moderados é leal ao Estado e contra o uso de violência. Entretanto, as autoridades mantêm-se em vigilância próxima, e várias tentativas já foram feitas para que fechassem suas mesquitas. “A priori, as autoridades governamentais tratam os salafistas como ‘desleais’ ou como podendo desviar-se da lealdade ao país a qualquer momento”, afirma Ilchat Saietov, supervisor acadêmico do Centro de Estudos Islâmicos da Mardjani Foundation.
Longe da política
Outras organizações islâmicas são completamente proscritas do território russo se elas fazerm parte das listas de terroristas ou de organizações extremistas. Além dos óbvios, como Estado Islâmico ou Al-Qaeda, as listas incluem participantes de organizações menos “famosas”, como Hizb ut-Tahrir e a Irmandade Muçulmana, identificadas já em 2003.
A razão para banir tais organizações é a avaliação oficial negativa sobre a interferência da religião na política, segundo Ilchat Saietov. Na Rússia, é proibido criar partidos políticos com base nas diferentes religiões. A ideologia do Hizb ut-Tahrir inclui o estabelecimento de um califato, enquanto a Irmandade Muçulmana afirma estar tentando criar uma síntese de democracia baseada na sharia, comenta Saietov, e é por isso que o Estado as vê como organizações hostis a ele.
“Tentativas de espalhar a dúvida sobre a legitimidade das autoridades laicas, realizadas sob o ponto de vista fundamentalista religioso, levando em consideração a sharia e não a constituição, iria criar hostilidades com qualquer governo”, diz.
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