40% dos crimes de agressão graves acontecem justamente em família na Rússia.
Alamy/Legion MediaA moradora de Oriol (a 352 quilômetros de Moscou) Iana Savtchuk, foi espancada e chutada pelo ex-marido até ser levada inconsciente ao hospital, onde morreu, aos 36 anos de idade, na semana passada. Ela havia chamado a polícia apenas 40 minutos antes, mas os funcionários da instituição disseram que não se intrometeriam e que, caso ela ligasse novamente, não voltariam.
"Como vocês não vêm? Como vocês não vêm se eu liguei? Moça, se algo acontecer, você vai embora?", perguntou Iana à policial Natália Bachkatova. Suas indagações foram gravadas em áudio que foi encontrado posteriormente no celular de Iana.
"Se você morrer, certamente viremos, registraremos o cadáver. Não se preocupe", respondeu a policial.
Iana Savtchuk morreu apenas 40 minutos após polícia deixar sua casa sem prestar o devido auxílio. / Yana Savchuk/vk.com
A história ganhou grande repercussão nas redes sociais. Descobriu-se então que Bachkatova foi premiada no ano passado como melhor guarda civil de Oriol.
Já o ex-marido de Iana, tinha sido condenado três vezes anteriormente - por roubo, estupro e porte de entorpecentes - e já havia ameaçado a mulher antes.
Uma leitora do site Ekho Moskvi comentou a notícia sobre Iana: "Enquanto meu ex-marido me espancava, foi bem assim que a polícia reagiu aos meus chamados".
Outra reiterou: "A polícia diz que não quer meter a colher em briga de marido e mulher".
Contexto ainda pior
A notícia tomou proporções ainda maiores - e piores - com o pano de fundo de um projeto polêmico de lei da Duma de Estado (câmara dos deputados na Rússia) que propõe descriminalizar a agressão doméstica no país.
O projeto foi apelidado de "lei da palmada" e está em trâmite na Duma.
Seu surgimento, segundo os deputados, ocorreu porque as leis estavam em situação paradoxal: por agressão doméstica, hoje, o russo pode enfrentar condenação criminal, enquanto a mesma agressão a um desconhecido na rua rende apenas multa.
Agora, sob iniciativa de uma mulher, a deputada Elena Mizúlina, os legisladores tentam equiparar as punições, aplicando multa aos agressores domésticos.
Para a deputada Elena Mizúlina, é inconcebível que agressor doméstico possa ser preso e tenha passagem pela polícia, e não apenas multa. / Maksim Blinov/RIA Novosti
"Por uma palmada na família, hoje, pode-se pegar até 2 anos e passagem pela polícia por toda a vida, mas por uma briga na rua, só uma multa. Essa situação é inaceitável", diz Mizúlina.
A comissão patriarcal para questões familiares da Igreja Ortodoxa Russa também declarou-se a favor a proposta "lei da palmada".
Mas o governo, a maior parte dos senadores e os defensores dos direitos humanos se colocaram contra a ideia.
De acordo com dados de 2015 do Conselho Presidencial para Desenvolvimento da Civilidade, Sociedade e Direitos Humanos, a cada 40 minutos uma mulher morre na Rússia vítima de agressão doméstica, e 40% dos crimes de agressão graves acontecem justamente em família.
Além disso, mais da metade das mulheres que sofrem agressões dos maridos e companheiros não os denunciam à polícia. De acordo com dados de organizações diversas, apenas 3% dos casos chegam aos tribunais.
Precedentes policiais
No ano passado, outro caso semelhante ao de Iana ganhou repercussão no país. Oleg Belov, morador de Níjni Nóvgorod, a 417 quilômetros de Moscou, matou a mulher, os seis filhos e a mãe.
A mulher de Belov já havia tentado abrir 6 vezes boletins na polícia, já que o marido a espancava constantemente. Em nenhuma delas, porém, deu-se continuidade às investigações. Em quatro casos houve recusa da polícia em abrir caso criminal, segundo a procuradoria.
Oleg Belov, que matou a mulher, os seis filhos e a mãe já tinha sido denunciado inúmeras vezes pela esposa. / Anastasija Makarycheva/RIA Novosti
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