Cerca de 67 mil mulheres foram convencidas a desistir do procedimento em 2015
Serguêi Veniavski/RIA NôvostiO patriarca Kirill, chefe da Igreja Ortodoxa Russa, assinou esta semana uma petição proposta por ativistas conservadores que pedem a proibição do aborto no país, permitido, em certos casos, desde 1955.
No documento, que já tem mais de 300 mil assinaturas, os ortodoxos defendem que a vida começa desde a concepção e pedem que os “cidadãos russos se pronunciem em favor de acabar com a prática de matar legalmente crianças antes do nascimento”.
O apoio declarado do patriarca, embora não tenha causado surpresa devido aos princípios da Igreja, trouxe o tema polêmico de volta à discussão pública.
“Julgando a reação das pessoas, parece que muitos esperavam que o patriarca falasse em nome de uma revolução sexual. Que decepção”, escreveu, ironicamente, o jornalista Ivan Davidov em seu Twitter.
Na Rússia, o aborto é legal até a 12ª semana de gravidez. O país foi o primeiro do mundo a permitir essa prática, sob todas as circunstâncias, ainda em 1920. Ao longo do século 20, no entanto, a legislação sofreu alterações, e o aborto voltou a ser banido em 1936. A lei que vigora até hoje e permite a prática foi restabelecida em 1955.
Primeiro passo para proibição
Após a divulgação da notícia, o assessor de imprensa do patriarca, Aleksandr Volkov, deu uma declaração tentando minimizar os fatos.
“Essa petição não se refere a uma proibição, mas à retirada de abortos do sistema de saúde obrigatório”, disse Volkov, acrescentando que Kirill havia assinado a petição para atrair a atenção da sociedade à questão.
A posição da Igreja Ortodoxa Russa foi também esclarecida pelo chefe do Departamento Sinodal para Relações Igreja-Sociedade e Imprensa, Vladímir Legoida.
“A demanda mais importante hoje é remover o aborto do sistema de saúde público para que as pessoas não apoiam a prática não tenham que custeá-la do seu próprio bolso”, explicou Legoida à agência TASS.
No entanto, segundo o representante ortodoxo, a expectativa é que a futura proibição de abortos financiados pelo Estado seja o primeiro passo para uma sociedade em que tal prática seja proibida em definitivo.
"Um país que mata seus filhos não pode prosperar", lê-se em cartaz de campanha contra o aborto Foto: Aleksêi Kudenko/RIA Nôvosti
Aliados contra o aborto
Representantes oficiais de igrejas cristãs e muçulmanas na Rússia concordam com a proibição do aborto no país.
Em apoio à posição de Kirill, o supremo mufti da Rússia, Talgat Tadjuddin, qualificou a prática como “infanticídio”.
A nova ouvidora dos direitos de crianças e adolescentes na Rússia, Anna Kuznetsova, também se uniu ao coro dos grupos que pedem a proibição.
“O mundo civilizado inteiro tem se pronunciado contra o fenômeno do aborto; apoiamos essa posição”, declarou Kuznetsova, ressaltando a importância e a eficácia das políticas de Estado na prevenção da prática.
No ano passado, cerca de 67 mil mulheres teriam sido convencidas a desistir do procedimento devido ao programa federal de aconselhamento.
Mais perigo para as mulheres
O Ministério da Saúde da Rússia, no entanto, não tem a intenção de proibir a prática do aborto ou removê-la da lista de procedimentos cobertos pelo sistema de saúde.
Segunda a chefe da pasta, Verônika Skvortsova, introdução de limites para a realização do aborto pode ser perigosa para as mulheres.
“Há certas nuances relacionadas com a possibilidade de estimular abortos clandestinos, especialmente para as pessoas com baixa renda ou menores de idade”, disse Skvortsova à rádio Gorvorit Moskvi.
Além disso, segundo a ministra, o objetivo é também evitar um aumento das mortalidades infantil e materna, o que poderia acontecer com o aperto das restrições.
Em geral, os críticos da proibição ecoam a posição assumida por Skvortsova de que, em vez de acabar com o procedimento, a medida faria com que diversas mulheres procurassem clínicas clandestinas e colocaria mais vidas em risco.
Prova de que a proibição não funciona para o propósito ao qual se destina são as tentativas anteriores de limitar a prática no país, como ocorrido na URSS”, defende Víktor Radzinski, presidente da Sociedade Russa de Obstetras e Ginecologistas.
“Quando a prática foi proibida na União Soviética, entre 1936 e 1955, as mulheres que tentavam o procedimento morriam de sepse [problema que ocorre em pacientes com infecções graves]”, arremata Radzinski.
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