Seita ganhou impulso na década de 1790, reunindo comerciantes e soldados
Oleg Skripnik“Eu não sou pai do pecado: aceite meu ato e vou reconhecê-lo como meu filho.” Reza a lenda que foram exatamente essas palavras ditas pelo camponês Kondráti Selivanov, fundador da seita mística Skoptsy, ao então tsar Pável I.
O imperador, não muito impressionado com os ensinamentos de Selivanov, decidiu enviá-lo a um mosteiro para loucos. Mas já era tarde: a ideia de que a castração seria a salvação do pecado já havia se espalhado pela Rússia, e Selivanov possuía inúmeros seguidores.
O nome da seita deriva do termo arcaico “oskopit”, que significava “castrar”, porém, seus membros optavam por epítetos românticos, tais como “cordeiros de Deus” ou “pombas brancas”.
Em seu auge, essas comunidades floresceram tanto entre os camponeses analfabetos provincianos como nas casas de comerciantes de São Petersburgo.
Pecado original
O ritual de autocastração já era observado entre cristãos fervorosos muito antes do aparecimento da seita.
O princípio mais importante da Skoptsy, que inspirou o antigo teólogo cristão e ascético Orígenes a castrar-se, teria surgido de uma passagem no Evangelho segundo Mateus. “Há castrados que foram castrados por outros, e há castrados que se castraram para o Reino de Deus”, lê-se.
Mais tarde, os sectários começaram a interpretar até mesmo trechos inocentes da Bíblia em seu favor: alegando, por exemplo, que Cristo, após lavar os pés de seus apóstolos, também teria os castrado.
Pode-se dizer que a Skoptsy era uma pequena boneca dentro da grande matriochka representada pelo sectarismo russo, e que havia se separado de outro grupo, o Khlisti, que, por sua vez, deu origem aos chamados “starovéri”, ou fiéis antigos (no século 17, esses indivíduos não aceitaram as reformas da Igreja Ortodoxa e se separaram dela).
A Skoptsy não só preservara os pontos de vista do Khlisti, mas foi ainda mais longe. Na época, iniciou-se a prática do “batismo de fogo”, isto é, a castração para os homens e o corte das mamas no caso das mulheres.
Segundo o historiador Serguêi Tsoia, a razão para que as seitas ganhassem popularidade foi o fato de muitas pessoas terem começado a perceber a Igreja Ortodoxa oficial como uma estrutura demasiadamente burocrática e degradada. “Isso levou quem estava desiludido a procurar a verdadeira fé em seitas”, explica.
Auge da Skoptsy
Três camponeses Khlisti – que castraram a si mesmo e outras 30 pessoas – da região de Orlov, a 350 km ao sul de Moscou, são considerados o pai da seita. Um deles foi Kontradi Selivanov, que logo se autoproclamou Cristo. Acreditava-se que a castração os salvaria do pecado da luxúria e os possibilitaria viver eternamente.
Em 1772, os sectários foram enviados para a Sibéria, mas isso só beneficiou o autoproclamado mártir. Vinte anos mais tarde, Selivanov retornou a São Petersburgo como uma autoridade mística e converteu dezenas de pessoas à sua fé.
Na década de 1790, começaram a surgir adeptos da Skoptsy entre comerciantes e soldados. Em 1802, o grupo aceitou seu primeiro aristocrata, Aleksêi Ielenski, que havia absorvido seus princípios durante o exílio. Dois anos depois, Ielenski enviou uma proposta para entregar a Rússia à Skoptsy, o que resultou no segundo exílio.
Ritual da seita Skoptsy Foto: Wikipedia.org
Selivanov, por sua vez, não se intrometia na política, mas sua seita foi ganhando cada vez mais seguidores entre os boêmios da capital – na época, o misticismo era moda e exótico.
Um oficial que atendia nome de Lubianóvski costumava dizer, por exemplo, que o tsar Aleksandr I havia se consultado com Selivanov antes da batalha de Austerlitz, em 1805, e o líder da Skoptsy teria implorado ao imperador para não “entrar em guerra contra os amaldiçoados franceses”, além de ter previsto a derrota da Rússia.
A legalidade da seita chegou ao fim em 1817, quando dois agentes da Guarda Branca foram castrados. Selivanov foi então preso, mas a seita tinha se espalhado por várias cidades.
Na segunda metade do século 19, Skoptsy era um fenômeno comum na Rússia. “Os skopets que possuem lojas geralmente se abrigam no andar de cima”, escreveu Dostoiévski sobre um estabelecimento típico de empréstimo de dinheiro, em seu romance ‘O Idiota’.
A introdução de elementos no folclore e o “caráter popular” da seita conquistava os camponeses, dos quais muitos foram persuadidos a se castrar sob a promessa de vida eterna.
A seita foi acumulando grandes riquezas, que eram usadas para converter os locais, seja comprando camponeses, oferecendo abrigo a órfãos, ou dando suporte aos necessitados. Alguns dizem que 6.000 pessoas teriam aderido à seita, enquanto outros citam centenas de milhares ou até mesmo um milhão de fiéis.
Stálin contra seitas
“Antes da revolução, o governo não lutava contra as seitas de forma eficaz, e muitas vezes fechava os olhos”, conta o historiador Serguêi Tsoia. “Além disso, no século 19, não se tinha forte controle sobre os grandes territórios. Os oprimidos apenas transferiam suas comunidades para a Sibéria ou ao norte”, completa.
A seita foi, enfim, desmantelada durante o governo de Stálin, por meio de repressões e prisões. Desde então, acredita-se não haver novos seguidores da Skoptsy.
Algumas fontes sugerem, no entanto, que ainda existem cerca de 400 membros da Skoptsy até hoje, embora não haja comprovações. A ideia é que os seguidores modernos da seita possam, de certa forma, ser chamados de “antissexuais”.
“Na Rússia existem cerca de 2.000 antissexuais, entre eles ermitãos religiosos”, diz o ativista Mirra. “E uma parte deles ainda pratica autocastração.”
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