Nas celas desses mafiosos, há telefones, comida de restaurante, garotas... Nada muito diferente do Brasil.
Valery Sharifulin/TASSAtrás de uma cerca alta, em um bairro nobre nas cercanias de Moscou, uma mansão se destaca com sua garagem vasta. Um operador de câmera adentra a propriedade e revela molduras de gesso, entalhados dourados, lustres suntuosos de cristal, poltronas e sofás Luís XIV, ícones religiosos. A luz da manhã passeia com dificuldades entre os porta-retratos pesados, e o visual remonta a um museu de antiguidades ou a um confisco de teatro. Mas esta é, na verdade, a casa do "Ladrão dentro da lei", chefe do submundo do crime na Rússia, Zakhári Kalashov. Quem dirige a filmagem é o grupo de captura da polícia.
Também conhecido pelo pseudônimo de Shakro Molodôi, o mafioso foi detido por um caso de extorsão em que figuram cadáveres, ex-agentes da lei e policiais corruptos. Mas Shakro não se aflige. Esta não é, nem de longe, sua primeira detenção.
Nascido em Baku, capital do Azerbaijão, Shakro ficou famoso após tomar a autoridade de outro mafioso, Ded Khassan, morto em 2013.
Shakro Molodôi, o chefe do grupo mafioso "Ladrões dentro da lei", é escoltado em base militar aérea fora de Madrid em 2006. Foto: Reuters
Shakro foi julgado pelo menos três vezes. Na Europa, ele respondeu por financiamento do submundo do crime russo. O tribunal espanhol sentenciou Shakro como culpado por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Depois de nove anos de prisão, em outubro de 2014 ele foi deportado para a Rússia, onde foi novamente solto.
Cinco minutos por um milhão
Os "Ladrões dentro da lei" são um fenômeno soviético. Eles surgiram ainda nos anos 1930, e era composto por gente que não aceitava o poder soviético e entrou para os subterrâneos da criminalidade.
O "dentro da lei" que lhes rendia denominação, porém, não significa, de forma alguma, que eles seguissem quaisquer das normas sociais aceitas, mas sim que estavam dentro da "lei do crime".
Essa instituía que era proibido casar, registrar moradia (algo obrigatório na Rússia e na URSS), ter emprego, possuir propriedades, manter contatos com o governo ou, sobretudo, ter uma conduta considerada indigna. Essa última está, claro, ligada à moral ladra: não entregar os outros, pagar as dívidas, não estar ligado a equipes esportivas etc. O título ainda lhes conferia o direito arbitrarem no submundo do crime.
É verdade que os ladrões como tais acabaram ainda no início dos anos 1960, quando foi instituída a pena de morte para os integrantes do grupo, de acordo com o presidente do Conselho de Coordenação do Sindicato Policial de Moscou e Região, Mikhail Pachkin.
Hoje, há apenas um "Ladrão dentro da lei": o chefe da quadrilha, exceto por algumas das tradições que se mantiveram: a cerimônia de "coroação" (quando é outorgado o título a algum membro) e a manutenção do fundo de caixa dos ladrões (destinado a auxiliar os membros da quadrilha em necessidade ou as famílias de membros detidos).
Em assembleia, as autoridades compartilham sugestões e depois tomam uma decisão. Tudo isso acontece em locais calmos e sem muita gente: eles vão a hotéis e restaurantes caros, onde os vizinhos de mesa sequer notam o que acontece, em navios e até em cemitérios. Atualmente, o status de um membro pode ser comprado - mas eles evitam tocar no assunto.
"Isso é nojento demais. O status tem que ser merecido. São bem recebidos grandes investimentos financeiros, acima de tudo", disse à Gazeta Russa uma fonte que não quis ser identificada na agência secreta "Prime Crime", especializada no submundo do crime.
O valor varia de acordo com a pessoa. Quem não é merecedor do título, geralmente não consegue comprá-lo nem por um milhão de rublos. Mas há quem consiga compra por algumas centenas de milhares.
"Se eles estiverem precisando muito de dinheiro, podem vender o título por um milhão sim, mesmo a quem não mereça. Dali a cinco minutos tiram o título pela primeira falha cometida e não devolvem o investimento", explica a fonte da "Prime Crime".
Com o "fundo de caixa", eles compram carcereiros e diretores de penitenciárias.
Fonte: YouTube/Ринат Сафин
"Nas celas há telefones, comida de restaurante, garotas. Um "Ladrão dentro da lei" que está preso em Smolensk ia todo final de semana para Moscou, pretensamente como parte da investigação. Ele pagou o hotel para o policial que o acompanhava e fugiu para as Ilhas Canárias", conta Pachkin.
Tribunais, procuradores e investigadores à venda
Em 2015, a "Prime Crime" calculou haver 485 "Ladrões dentro da lei" espalhados pelo mundo. Desses, apenas um quarto (118 pessoas) estava atrás das grades. Muitos trabalham em colaboração com agentes da lei, de acordo com Pachkin.
Em 2008, algum dos membros do grupo passou aos agentes informações sobre uma assembleia que estava sendo planejada. O resultado foi quase uma produção de Hollywood: um navio alugado cheio de autoridades, helicópteros com membros das forças especiais descendo à plataforma por meio de cordas e captura da embarcação. Então, foram detidos 39 "Ladrões dentro da lei". No dia seguinte, porém, a maior parte já estava de volta às ruas.
"Eles são pegos, registrados, por vezes plantam armas e drogas neles, mas depois eles são soltos porque não podem ser acusados de nada", explica Pachkin.
Por falta de provas, muitas vezes eles não podem ser acusados de formação de quadrilha.
"Hoje, os 'Ladrões dentro da lei' difundem sua influência a territórios muito mais longínquos que os da antiga URSS. É toda uma corporação", explica a fonte da "Prime Crime".
Na Rússia, eles têm representantes em todas as grandes cidades e até em aldeias.
"Eles agora controlam um enorme fluxo de caixa, empresas, regiões inteiras. Compram tribunais, procuradorias, investigadores", diz Pachkin.
Quando houve um incidente com Shakro que resultou em um tiroteio em um restaurante, os policiais que foram ao local não apenas não atrapalharam o curso dos acontecimentos, mas "ficaram no seu furgão como em uma plateia de cinema. Um deles chegou a levar do restaurante um prato para viagem com entradas", disse uma testemunha ao jornal russo Kommersant.
Agora, após a detenção do "Rei dos Ladrões dentro da Lei", o submundo do crime viverá uma nova ruptura.
"Um criminoso como ele, influente e autoritário, não consegue conduzir os negócios atrás das grades. O lugar do Sharko logo será tomado por outro", diz a fonte da "Prime Crime".
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