Colônia Santa Cruz, no Paraná, reúne russos mergulhados em suas tradições
Olga RovnovaEles fugiram da Rússia no século 17, sofreram repressão das autoridades, promoveram o celibato e os sacramentos eclesiásticos e, por fim, criaram muitas igrejas. Contrariando as práticas da Igreja Ortodoxa introduzidas naquele período, esses personagens conhecidos como “starovéri” (“fiéis antigos”, em português) representaram a força motriz do capitalismo russo no início do século 20 e sobrevivem até os dias de hoje.
A língua falada fora da Rússia permaneceu igual ou foi transformada?
Há dois tipos de língua russa falada no exterior: a padrão e os dialetos. A padrão, quando separada das metrópoles, mantém todas as suas propriedades e permanece a mesma língua, mas também surgem nela novos fenômenos, geralmente léxicos. Novas palavras geralmente estão relacionadas com as realidades dos países onde a língua é falada.
E o dialeto?
Se nos referirmos especificamente à Rússia, trata-se da língua do povo, que continua a ser usada nos interiores do país. Se falamos do russo no exterior, trata-se principalmente da língua dos fiéis antigos, que emigraram por caminhos e em momentos diferentes da Rússia para os países onde moram, como Polônia, Romênia, Argentina, Bolívia, Brasil, Uruguai, EUA, Canadá e Austrália.
Grupo de "fieís antigos" no Estado de Goías Foto: Olga Rovnova
Como esses fiéis chegavam à América do Sul?
Aqueles que acabaram ficando na América Latina eram fiéis antigos das regiões de Níjni Novgorod e Vladímir. Devido às perseguições no início do século 18, eles foram reassentados em diferentes partes da Sibéria e do Extremo Oriente. Depois, os que conseguiram se salvar do poder soviético, no final da década de 1920, fugiram para a China. Alguns deles se mudaram do Extremo Oriente para a Manchúria, através do rio Amur. Outra parte viajou do Cazaquistão até Xinjiang [Sinkiang]. Esses grupos não mantiveram contato nem sabiam da existência um do outro.
Por quanto tempo viveram na China?
Até o final dos anos 1950, quando, durante a Revolução Chinesa, começaram a surgir kolkhozes [fazendas coletivas]. E como já conheciam esse sistema e sabiam o que era o poder soviético, não quiseram entrar nos kolkhozes.
O governo chinês, que tratava a todos muito bem – e posso dizer que todos os idosos lembram a China com grande ternura e amor e acompanham de perto a evolução do país –, propôs a eles que optassem por ficar e aceitar todas as condições da vida política e econômica ou partir. Eles escolheram a segunda opção.
Ao contrário da fuga da Rússia, desta vez foi um reassentamento organizado em que participaram as Nações Unidas, a Cruz Vermelha e muitas organização sem fins lucrativos. Dois países sul-americanos estavam dispostos a aceitá-los: Brasil e Chile. Mas no Chile houve um terremoto, e o país foi substituído pela Argentina. A maioria deles foi para o Brasil. E então ele começou a migração interna.
Segundo pesquisadora, maioria dos fiéis que se mudaram da China vieram ao Brasil Foto: Olga Rovnova
Como era a vida dos emigrantes na América do Sul?
No começo foi muito difícil. No Brasil, a terra é vermelha e a manta é muito fina, de apenas cinco centímetros. Os fiéis antigos dizem que quando eles conversaram um agrônomo local e perguntaram “O que podemos plantar aqui?”, ele disse que naquela terra não era possível cultivar nada e que era necessário fertilizar muito, por isso, diz-se que a terra está coberta com as lágrimas e o suor dos fiéis antigos russos. Agora, os moradores do Estado do Paraná tem orgulho de dizer que esta é a “nossa terra brasileiro-russa”.
Em meados dos anos 1960 grande parte deles emigraram para os EUA. Por quê?
Principalmente por razões econômicas. Os fiéis tinham famílias grandes, crianças que “Deus lhes mandam”, como diziam, e essas novas crianças precisavam de espaço. E naquele tempo as terras nos EUA era vendidas a preço baixo. Se não me engano, cerca de US$ 20 por hectare.
Quais idiomas falam os fiéis antigos na América do Sul?
Falam os dialetos nos quais se transformaram a língua dos fiéis antigos ao longo dos últimos 300 anos. A linguagem mudou muito, obviamente, já que sua base foi influenciada ao longo de todo caminho percorrido e pelos lugares onde encontravam outros dialetos e outras línguas.
Existe diferença entre os dialetos falados nas várias partes do continente?
O idioma russo tem uma variação regional. Em diferentes territórios se fala a mesma língua, mas ainda há coisas que são diferentes. Refiro-me tanto à linguagem literária como aos dialetos. Seria muito interessante observar se há novas diferenças entre o russo falado na Bolívia e no Brasil.
Tenho notado uma coisa: no dialeto dos fiéis da Bolívia apareceu uma nova palavra. Eles vivem rodeados por tribos indígenas, das quais uma se chama “colla”. Eles a chamam de “Kolya”. Assim, “kolya” significa índio, e “kolintsi” são os índios, com sua própria língua “kolinski”. “Você fala kolinski?”, pergunta-se. Mas, de um modo geral, o dialeto é o mesmo em todas as partes da América Latina onde vivem os fiéis antigos.
Argentina também recebeu grupo de imigrantes russos em meados de 1950 Foto: Olga Rovnova
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