Algumas ‘noivas da jihad’ expressaram desejo de retornar, mas devem sofrer consequências. Foto: Reuters
No início de junho, a imprensa russa gerou furor com a história de Varvara Karaúlova, de 19 anos. Estudante de filosofia na mais prestigiosa instituição do país, a Universidade Estatal de Moscou, ela foi encontrada em território turco, seguindo para a Síria para se unir às fileiras do EI (Estado Islâmico da Síria e do Iraque).
A guarda de fronteira turca a deteve em 4 de junho, quando a estudante tentava entrar no país vizinho, e seu pai teve que buscá-la na cidade de Batman, no sudeste turco.
“Foi graças aos turcos, que já acumularam bastante experiência nisso, que Varvara foi detida ainda na fronteira entre Turquia e Síria”, explica o cientista político Aleksêi Malachenko, do Centro Carnegie de Moscou.
Karaúlova não foi a única russa que se rendeu à atração do EI. Somente em junho, foram relatados pelo menos quatro casos distintos de jovens russas entre 16 e 19 anos que tentaram ou conseguiram efetivamente entrar em território sírio para integrar o grupo radical.
Mais de 500 europeias
De acordo com um relatório publicado em janeiro pelo ICSR (International Centre for the Study of Radicalisation and Political Violence), enquanto o número de estrangeiros lutando em território sírio ultrapassa os 20 mil, batendo o Afeganistão nos anos 1980, 4.000 desses provêm de países do Leste Europeu, e 550 são mulheres europeias.
Segundo o FSB (Serviço de Segurança Federal russo), há hoje 1.700 russos, provenientes sobretudo do Cáucaso do Norte, combatendo no grupo. Mas analistas políticos acreditam que as cifras sejam ainda maiores.
Para o chefe do Centro Antiterrorismo da Comunidade dos Estados Independentes, Andrêi Nôvikov, até 5.000 cidadãos russos integram as tropas do EI.
Por que elas?
O caso de Karaúlova intrigou a sociedade russa sobretudo porque a jovem cresceu em uma família cristã abastada que nunca teve ligação com o Islã.
A estudante começou, há alguns anos, a se interessar pelo Oriente Médio, estudar árabe, e, por vezes, vestir o hijab, o lenço usado para cobrir a cabeça. Mas não se sabe ainda qual o motivo de sua associação, e se ela foi atraída por um dos recrutadores do EI que, acredita-se, existem em toda a Europa.
“Fala-se muito agora sobre certos pontos de recrutamento espalhados pela Europa e Rússia para influenciar jovens do sexo masculino capazes de empunhar armas. Mas, pelo visto, um trabalho semelhante é feito com as mulheres”, diz Malachenko.
Associação de jovens como Karaúlova intriga Rússia. Foto do arquivo pessoal
Além disso, o grupo tem buscado atrair não apenas jovens combatentes, mas diversos profissionais.
Além de um anúncio da organização que ganhou popularidade oferecendo salário de US$ 225 mil para a vaga de gerente em seus campos de petróleo - cerca de 12 tomados entre a Síria e o Iraque -, desde o ano passado circulam vagas para médicos, juízes, programadores, designers e até hackers.
No caso de Karaúlova, acredita-se que a jovem seria usada com o objetivo de ensinar o russo, terceira língua na escala de importância do EI, atrás apenas do árabe e do inglês.
Noivas (e viúva) da jihad
As jovens atraídas pela organização, na maioria das vezes, são as chamadas “noivas da jihad”, que partem para a Síria com o intuito de se casar com combatentes do EI - e de lhes garantir a prole.
Foi o que aconteceu com a estonteante Seda Dudurkaeva, filha de Asu Durdukaev, um ex-ministro na república russa da Tchetchênia. Sua fuga para Aleppo, aos 20 anos, no final de 2013, para casar-se com um combatente do EI resultou na demissão do pai, anunciada no Twitter pelo presidente tchetcheno Ramzan Kadirov.
Renomeada como Aisha, a jovem logo ficou viúva do austro-georgiano Hamzat Borchashvili, e casou-se com um dos melhores amigos do marido morto, o comandante georgiano Abu Omar al-Shishani, um dos líderes da organização.
Diversas adolescentes europeias trilharam caminhos semelhantes, mas hoje estariam tentando voltar para casa, como as austríacas de ascendência bósnia Samra Kesinovic, 16, e sua amiga Sabina Selimovic, 15, ou as gêmeas britânicas Zahra e Salma Halane, 17, de pais somalianos.
Mas, se conseguirem retornar a seus países, essas garotas devem enfrentar consequências: interrogatórios, multas que chegam aos U$ 250 mil e até prisão - caso da auxiliar de enfermagem norte-americana Shannon Conley, 19. No Reino Unido, o governo ainda avalia novas leis que poderiam impedir o retorno de seus cidadãos.
Karaulova não corre risco de ser expulsa da universidade, segundo o reitor Vladímir Mironov, mas ficará suspensa. “Em um período de um ano ela deve ter o direito de voltar à faculdade”, disse.
Encanto extremista
As redes sociais têm papel crucial no recrutamento pelo EI. Além disso, para o psicólogo russo Pável Ponomariov, jovens laicos aderem ao Islã por se sentirem incapazes de se realizar.
“No caso de Karaúlova, trata-se de um suicídio social, uma tentativa de se apagar por completo da sociedade em que vivia e encontrar uma nova identidade em outro mundo”, diz.
Malachenko relembra ainda o perigo da busca por um ideal de justiça e valores utópicos.
“Uma parisiense afirmou que partia para combater pelos ideais islamitas, que eram ‘superiores àqueles que lhe ensinaram na escola e na igreja’. Talvez essa pessoa fosse sincera, mas talvez ela tenha apenas cansado da rotina e busque algo mais excitante. Afinal, para ‘lutar pela justiça’, há quem parta não apenas para a Síria e o Iraque, mas também para o leste ucraniano”, diz Malachenko.
Já o historiador e arabista Gueórgui Mírski compara a popularidade do pensamento extremista atual com a dos anos 1930. “A única diferença é que, na época, os jovens ocidentais instruídos se uniam aos radicais de seu tempo: comunistas ou nazistas.”
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