De março a maio, número de pessoas dispostas a deixar o país subiu de 12% para 16% Foto: TASS
No início de junho, o presidente honorário e fundador da empresa VimpelCom, Dmítri Zimin, deixou o país. A opinião pública logo apontou que a partida do maior mecenas do país na área das ciências e da educação estaria ligada ao escândalo envolvendo sua fundação Dinastia, recentemente declarada “agente estrangeiro” pelo governo russo. Mas Zimin não foi o único.
Em abril deste ano, a ativista ambiental e líder da oposição Evguénia Tchirikova emigrou para a Estônia, junto com a sua família. “Na Rússia está ocorrendo uma repressão contra ativistas sociais”, justificou Tchirikova. Segundo ela, os ecologistas são hoje “o principal inimigo do regime oligárquico que se formou”.
Relatos como esses são cada vez mais comuns. O que chama atenção, contudo, é que a atual onda de emigração começou a ganhar força a partir do terceiro mandato presidencial de Vladímir Pútin, sugerindo que as causas de abandonar o país são sobretudo políticas.
“Percebe-se, sem dúvida, uma fuga de pessoas”, diz o presidente da associação inter-regional de organizações de defesa dos direitos humanos Agorá, Pável Tchikov. Há vários anos, a Agorá presta assistência aos cidadãos que tentam asilo no exterior. “Mas são poucos aqueles que fogem por perseguição política”, diz o jurista. “O restante apenas se sente menos confortável para viver no país.”
O professor e pesquisador sênior da Faculdade de Ciências Sociais da Escola Superior de Economia Iulii Nisnevitch concorda que a atual tendência se deve mais à atual situação política do que a motivos políticos específicos. “Como resultado, partem inclusive também aqueles que nunca se ocuparam de política”, aponta.
O pacote de leis para regular a internet, a limitação da participação estrangeira no capital social dos meios de comunicação russos, a novas regras para educação (vistas por muitos como uma tentativa de comercializar o ensino) e a lei de ‘agentes estrangeiros’, entre outros fatores, estariam contribuindo para criar “um clima desfavorável” no país, acredita o professor.
“O verdadeiro indicador não é formado por alguns casos isolados de perseguição, mas pelo fluxo geral das pessoas”, resume Tchikov.
De acordo com os dados do Serviço Federal de Estatísticas (Rosstat), o fluxo de emigrantes começou a diminuir em 1999. Porém, em 2012, essa tendência sofreu alterações, e o país voltou a registrar um aumento no número de emigrantes: quase 123 mil pessoas. Nos primeiros oito meses de 2014, esse índice chegou ao pico, com a saída de 203 mil cidadãos da Rússia – mais pessoas do que em qualquer outro ano inteiro ao longo dos mandatos de Pútin.
Caso Bolótnaia
“É impossível dizer quantas pessoas, do total daquelas que emigraram, o fizeram por razões políticas”, disse à Gazeta Russa a coordenadora da organização Human Corpus, Jenny Curpen. Em junho de 2012, Curpen deixou a Rússia, juntamente com outros cofundadores da organização, temendo acusações relacionadas com o caso da praça Bolótnaia, em Moscou.
Na época, foi instaurado um processo criminal sob alegação de distúrbios em massa e confrontos com a polícia. Das 34 pessoas formalmente acusadas, 12 foram presas.
“Parte significativa dos atuais emigrantes políticos não fala abertamente de si mesmo. Muitos atravessam a fronteira ilegalmente, não pedem asilo e, portanto, não se tornam sequer parte das estatísticas internas dos países que os acolheram”, contou Curpen.
Sediada na Finlândia, a Human Corpus existe oficialmente há menos de um ano. Nesse período, a organização já socorreu pouco mais de 200 pessoas que buscavam asilo. “O mais correto não é dizer que existam agora mais emigrantes políticos, mas que a emigração russa adquiriu um caráter de fluxo”, afirmou a ativista.
Para ela, o traço que distingue os processos iniciados com o Caso Bolótnaia é o fato de que, “pela primeira vez durante o mandato de Pútin, o alvo ter se tornado não só os ativistas, mas também pessoas comuns que participaram de ações de protesto pela primeira vez na vida”.
Freio da crise
O Serviço Federal de Migração da Rússia ainda não dispõe de estatísticas oficiais referentes a 2015. Porém, de acordo com uma pesquisa realizada em março passado pelo Centro Levada, o número de russos que não desejam emigrar atingiu o nível máximo de todas os estudos já produzidos pelo instituto: 83%. Apenas 12% das pessoas se disseram prontas para deixar o país.
“Pela primeira vez durante o mandato de Pútin, o alvo ter se tornado não só os ativistas, mas também pessoas comuns que participaram de ações de protesto pela primeira vez na vida”, disse à Gazeta Russa a coordenadora da organização Human Corpus, Jenny Curpen.
“Este clima de mala de viagem é acalmado pela crise”, explica Stepan Gontcharov, especialista do Centro Levada. “As pessoas já não têm tanta certeza sobre o futuro e preferem esperar. Isso tem a ver, inclusive, com a sensação geral de instabilidade e com o receio de guerra. Por isso é que agora, entre os que se declaram prontos para partir, estão principalmente os mais ricos, que podem se dar ao luxo de ir embora a qualquer momento.”
O estudo do Centro Levada evidenciou também que a principal razão para deixar o país atualmente é a busca por uma vida melhor e que os motivos políticos “estão longe de ocupar o primeiro lugar” na hora de decidir permanecer ou não na Rússia. “Há o fator material, o desejo de proporcionar aos filhos uma vida mais confortável”, diz o sociólogo.
A questão política é, segundo Gontcharov, importante apenas para um pequeno grupo de pessoas ligadas à chamada classe intelectual. “E os mais jovens e ativos deles, de acordo com nossos dados, já deixaram o país em 2012 e 2013”, acrescenta o sociólogo, ressaltando que, naquela época, o país ainda não estava em crise. “Era o início do terceiro mandato presidencial de Vladímir Pútin, dos protestos em massa e de uma guinada para repressão.”
A volta dos que não foram
A proporção entre os cidadãos russos que estão hipoteticamente prontos para deixar o país e aqueles que decidiram, de fato, dar esse passo é ainda menor. “Há muita conversa em torno disso. Falar de emigração é um passatempo nacional da classe média russa”, diz o deputado independente da Duma (câmara dos deputados na Rússia) e oposicionista Dmítri Gudkov, que não tem planos de emigrar por “não se sentir confortável em um país estrangeiro”.
Gudkov não acredita que as pessoas queiram realmente deixar a Rússia, pois têm consciência de que estariam abdicando não só do seu nível social, como da qualidade de vida que têm no país. “As pessoas entendem que é caro viver lá fora, que é preciso procurar trabalho, que precisam resolver a questão do visto. Surgem tantos problemas que elas mudam de ideia.”
Para Nisnevitch, da Escola Superior de Economia, os círculos intelectuais e a comunidade científica estão agora procurando outras opções. “São pessoas que não querem partir e não querem emigrar, mas já têm uma segunda cidadania, caso a situação se agrave”, diz o professor.
Os sociólogos do Centro Levada acreditam, entretanto, que não seria preciso esperar um agravamento da situação política para haver uma nova onda de emigração: basta superar a crise.
Desde março, quando o instituto de pesquisa divulgou o último estudo sobre o tema, o número de pessoas prontas para deixar o país subiu de 12% para 16%.
“Por enquanto está dentro dos limites de erro estatístico, mas a situação está se estabilizando. O aumento do bem-estar deve estimular a emigração, a não ser que seja colocada alguma restrição à saída das pessoas”, sugere Gontcharov.
No entanto, o presidente do comitê da Duma para os assuntos da CEI, integração eurasiática e ligações com comunidades russas, Leonid Slutski, refuta qualquer iniciativa do gênero. A mesma opinião foi apresentada pelo primeiro vice-presidente do comitê da Duma para as questões étnicas, Valeri Rachkin.
“Pelos números apresentados, não existe atualmente um verdadeiro problema de emigração. Além de não ter aumentado, esse número é tão insignificante que sequer levamos esse assunto em consideração”, disse Rachkin à Gazeta Russa.
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