Governo da Letônia ignora situação de populações russófonas

Atualmente existem 270 mil 'não cidadãos' vivendo na Letônia Foto: Reuters

Atualmente existem 270 mil 'não cidadãos' vivendo na Letônia Foto: Reuters

Com o colapso da URSS em 1991 e a formação de novos Estados independentes, 25 milhões de russos acabaram ficando além das fronteiras da Rússia. Como resultado, nas ex- repúblicas soviéticas da Estônia e da Letônia surgiu o estranho fenômeno dos “não cidadãos”.

Entre os países-membros da União Europeia, os bálticos são um dos partidários mais ativos da contenção russa. Segundo relatos locais, após a reanexação da Crimeia à Rússia, muitos cidadãos da Letônia começaram inclusive a viajar a campos patrióticos onde aprendiam a atirar e a cavar trincheiras.

O curioso é que a economia dos países bálticos está intimamente ligada à da Rússia. Além disso, nesses lugares há cidades e regiões inteiras onde nas ruas, nos cafés e nas lojas ouve-se constantemente a língua russa – são descendentes de pessoas que se mudaram para os países bálticos na época do Império Russo e da União Soviética.

A província de Latgale, no leste da Letônia, é um desses locais. Ali, 44% da população usa a língua russa no cotidiano. Já na capital, Riga, os russófonos representam mais da metade do total de habitantes. Muitos deles são cidadãos de pleno direito, mas há também quem nasceu na Letônia e acabou ficando sem cidadania – e sem uma série de direitos fundamentais.

“O conceito de ‘não cidadãos’ surgiu na Letônia em de outubro de 1991, quando o Conselho Supremo local tomou a decisão de conceder cidadania automaticamente apenas às pessoas que já viviam na Letônia antes de 1940, bem como aos seus descendentes”, explicou à Gazeta Russa Aleksandr Vassíliev, diretor-executivo da ONG Fórum do Báltico.

Na época, 740 mil dos 2,5 milhões de habitantes da Letônia eram ‘não cidadãos’. Hoje, a quantidade de ‘não cidadãos’ caiu para 270 mil.

Uma lei análoga foi aprovada também na Estônia, em março de 1992. Os habitantes que não eram cidadãos estonianos em junho de 1940, bem como seus descendentes, poderiam obter cidadania somente depois de passar por um processo de naturalização.

As demais ex-repúblicas soviéticas, após o colapso da União Soviética, implementaram uma política chamada “variante zero”, isto é, concederam automaticamente a cidadania a todas as pessoas que residiam em seu território.

Tabuleiro político

A demanda pela naturalização na Letônia teve alguns picos: quando o processo foi implantado, e em 2004, quando o país aderiu à União Europeia. “Naquele tempo, 20 mil pessoas se naturalizavam por ano. Mas esse número vem caindo constantemente e, nos últimos anos, chegou a 2.500 pessoas ao ano”, disse Vassíliev.

Os ‘não cidadãos’ de hoje são, em sua maioria, pessoas de meia-idade e idosos –jovens de até 18 anos representam apenas 3 a 4% dos casos.  Porém, a redução do número de ‘não cidadãos’ não se deve à naturalização de mais pessoas. “Isso acontece devido a processos naturais – essas pessoas estão envelhecendo e morrendo.”

Segundo Elizaveta Krivtsova, membro do Conselho Administrativo do Congresso Letão dos ‘não cidadãos’, o governo letão se recusa a discutir o problema. “O mais importante para nós é iniciar um diálogo, pois os dados mais recentes revelam que os processos de naturalização foram interrompidos e as soluções propostas pelo governo são ineficazes”, afirma.

Krivtsova alerta para o fato de que, no contexto geral de discussão sobre segurança e estabilidade da sociedade da Letônia, os ‘não cidadãos’ correm risco de se tornar vítimas dos jogos políticos entre o Ocidente e a Rússia.

Eleitorado do contra

Os ‘não cidadãos’ diferem dos apátridas pelo fato de possuírem passaporte e fazerem jus à proteção diplomática no exterior. Além disso, têm o direito de viver na Letônia e na Estônia, sem ter que solicitar uma autorização para residência. “Mas existe uma diferença fundamental entre eles: os ‘não cidadãos’ da Estônia têm o direito de votar nas eleições municipais; os da Letônia, não”, diz Vassíliev.

O especialista credita essa vantagem ao fato de a população russófona na Letônia ser dotada de poder político. “Trata-se, em primeiro lugar, do partido ‘Soglássie’ (Concórdia) que está no poder em algumas cidades importantes, incluindo Riga”, explica.

Como os ‘não cidadãos’ vivem nas grandes cidades – no início de 2014, representavam 20,8% da população de Riga, “se eles puderem votar, a atual coalizão governista perderá a esperança de recuperar o poder em Riga, Daugavpils, Liepaia e em outras cidades.”

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