Quem tem medo dos Lobos da Noite?

Organização recebeu R$ 3,4 mi do governo em 18 meses. Foto: Valéri Melnikov/RIA Novosti

Organização recebeu R$ 3,4 mi do governo em 18 meses. Foto: Valéri Melnikov/RIA Novosti

Tachado de ‘provocador’, grupo de motoqueiros pró-Kremlin recebe subsídios estatais e foi incluído em lista de sanções impostas à Rússia.

Na véspera da comemoração do Dia da Vitória, em 9 de maio, os motoqueiros russos do clube Lobos da Noite tentaram atravessar a Europa para visitar locais significativos para a história da 2° Guerra Mundial. Mas não foi fácil fazê-lo: diversos países tentaram impedir sua passagem e tacharam a jornada de “provocação”. 

A reação pode estar ligada à aprovação dos motoqueiros pelo presidente Vladímir Pútin e seu envolvimento em atividades políticas. Considerada a mais antiga organização do gênero do país, os Lobos da Noite surgiram em 1989, encabeçados pelo médico e roqueiro Aleksandr Zaldostanov, o “Cirurgião”. 

O grupo tem uma hierarquia rígida e não aceita usuários de drogas, traficantes, criminosos, satanistas ou LGBTs. Enquanto a União Soviética ruía, seus integrantes se opunham às autoridades, mantinham a ordem em shows de rock e protegiam empresários. Sua principal tarefa, porém, era cultivar a “filosofia do homem livre”. 

Isso durou até o Ocidente cortar laços com o Cirurgião. “Andaram jogando areia nos nossos olhos, nos comprando com chicletes e jeans, mas quando a conversa tocava na democracia, nos diziam que isso era para idiotas”, diz o líder do Lobos da Noite. 

Hoje, o clube tem cerca de 5.000 membros, uma rede de filiais na Europa Oriental, e busca ativamente proteger as bases do conservadorismo no país: a Igreja Ortodoxa Russa e o Estado.

" A volta de Sevastopol começou em 2009, quando o presidente me entregou a bandeira nacional e, depois, fizemos ali o primeiro show de motos patriótico”, diz Aleksandr Zaldostanov, fundador do “lobos da noite”.

Assim, Cirugião e sua organização foram incluídos na lista das sanções antirrussas dos EUA e do Canadá, e o Serviço de Segurança ucraniano iniciou, em 19 de maio, um processo criminal contra o líder do clube por “Financiamento do terrorismo”. A alegação é que ele teria custeado as repúblicas separatistas de Donetsk e Lugansk, declaradas pela Ucrânia como formações terroristas.

Dividendos

 Não se sabe ao certo quando os Lobos da Noite começaram sua jornada pró-Kremlin, mas acredita-se que isso tenha ocorrido pela primeira vez em 2008, quando participaram de um show celebrando a vitória de Dmítri Medvedev nas eleições presidenciais. 

Já em 2009, o líder dos Lobos tinha ganhado fama suficiente para receber uma visita de Pútin, que lhe entregou uma bandeira do país. Em 2012, Cirurgião tornou-se um dos homens de confiança do presidente nas eleições.

“Desde então, seu projeto tem sido mais que apenas um clube de motoqueiros. O objetivo é claro: receber dividendos políticos, públicos e, principalmente, financeiros”, disse à Gazeta Russa o analista político Aleksêi Vorobiov.

A organização recebeu subsídios para realizar shows de grandes proporções e “projetos sociais”. Com o capital obtido, em maio passado os Lobos da Noite alugaram um terreno de 266 hectares em Sevastopol. E ainda tiveram um desconto substancial, pagando apenas 0,01% do valor do terreno: 1,4 milhão de rublos (cerca de R$ 86 mil).

Só no início de maio, porém, que os números vieram à tona. A Fundação Para a Luta Contra a Corrupção, do oposicionista Aleksêi Naválni, calcula que, desde meados de 2013, os Lobos da Noite e outras estruturas ligadas a seu líder receberam do Estado 56 milhões de rublos (R$ 3,4 milhões) . 

O próprio Cirurgião confirma os dados. “É isso mesmo. Mas lutamos 25 anos por nossas ideias sem nenhum subsídio. E, se vamos falar em valores, posso ir logo dizendo que não recebemos o suficiente. Precisamos de mais.”

Prestação de serviços

 Nos últimos anos, os Lobos da Noite atuaram em diferentes frentes, desde a organização de um enorme show nacionalista em 2010 em Sevastopol, que teve até a presença de Pútin montado em uma Harley, a um campeonato de motocross “em apoio ao Patriarca Kirill da Igreja Ortodoxa Russa edos valores tradicionais da civilização russa” após a ruidosa apresentação das Pussy Riot na Catedral de Cristo Salvador, em 2012. 

Foram eles também que defenderam o prédio da administração de Sevastopol durante os protestos realizados por pró-europeus na Ucrânia, em janeiro de 2014. E, com seu apoio à integração da Crimeia à Rússia, o clube acabou incluído na lista de sanções ocidentais contra o país.

" Os Lobos da Noite são peregrinos do século 21. O peregrino é um refugiado de si mesmo que se assustou com o que  acontece em casa, no sofá, em frente à TV”, diz Andrêi Kuraiev, professor da Academia de Teologia.

Menos de um mês depois de entrar para o rol, Cirurgião fundou, junto a outros partidários de suas ideias, o movimento russo “Antimaidan”, que visa a reprimir protestos contra o governo.

“O fato de eles receberem subsídios significa que sua atividade é considerada pelo Estado como consolidadora da nação e útil aos interesses nacionais”, diz o cientista político Leonid Poliakov.

Motoqueiros de outros grupos, porém, não se sentem confortáveis com as ações dos Lobos. “Não é a atividade política em si que irrita, mas a especulação em volta do patriotismo”, diz Grigóri Kudriavtsev, do clube Shtrafbat [“Batalhão Penal”]. “Eles tentam transformar as corridas quase em comícios, homenageando o Dia da Vitória e outros acontecimentos nacionais. E quem não quer tomar parte, segundo eles, é porque está contra o sistema.”

Para o cientista político Ígor Mintusov, os Lobos da Noite encorajam a classe política russa na atualidade. “Valores conservadores, patriotismo exacerbado, antiocidentalismo e simpatia por Stálin são seus principais pontos”, diz.

 

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