"Durante duas horas fui bombardeado por considerações do tipo: 'Você tem cabelo comprido, talvez você seja hippie'" Foto: Makar Butkov
Quando estava terminando a universidade me deparei com um problema: o que fazer em relação ao serviço militar? Eu não tinha interesse em fazer mestrado. Também achava humilhante fugir das notificações e ficar me escondendo. Minha consciência não permitia que eu subornasse alguém.
Foi então que fiquei sabendo da possibilidade de optar pelo serviço cívico alternativo. Durante o processo, a organização de direitos humanos “Grajdanin i Armia” (O Cidadão e o Exército, em russo) me ajudou a formalizar todos os documentos necessários. Confiante, dirigi-me à Junta do Serviço Militar.
A secretária ficou bastante surpresa e contente com o meu comparecimento voluntário, mas, ao saber que eu queria substituir o serviço militar obrigatório pelo AGS, o sorriso em seu rosto foi substituído por uma expressão de indiferença.
Passei por um exame médico, preenchi os papeis e fui para casa. Fiquei aguardando a convocação para me apresentar diante da comissão responsável pela aprovação da transferência para o AGS.
que o serviço cívico alternativo surgiu na Rússia em meados do século 18? Essa medida foi tomada após a chegada de protestantes menonitas prussianos, que migraram a convite de Ekaterina II. Seguindo o princípio de repúdio a qualquer juramento, eles trabalhavam como guardas florestais, capatazes ou bombeiros. Hoje em dia, qualquer pessoa em idade de prestar serviço militar obrigatório tem o direito de optar pelo AGS.
Preparei para a ocasião todo um discurso sobre a inadmissibilidade do cumprimento de uma ordem sem qualquer objeção, filosofia da não violência e liberdade de impor a própria vontade.
Durante duas horas fui bombardeado por perguntas e considerações do tipo: “Será que você não é homem?”, “E se o inimigo atacar?”, “Você tem cabelo comprido, talvez você seja hippie”. Mas resisti com dignidade e recebi em mãos o certificado de prestador de serviço cívico alternativo.
Carteiro por dois anos, experiência para a vida
O local para prestação do serviço é selecionado sem levar em conta suas preferências. Você pode ser designado para servir em quaisquer instituições públicas – bibliotecas, hospitais, transporte público etc. Eu tive sorte: fui trabalhar como carteiro na repartição Central de Moscou, que fica a apenas 30 minutos de casa.
A equipe de colaboradores da minha repartição era constituída basicamente por mulheres e alguns poucos homens da mesma idade – entre 40 e 50 anos. Muitos deles já estavam trabalhando nos correios havia mais de 10 anos.
O trabalho do “prestador alternativo” não difere do desempenhado pelo colaborador regular, pois também inclui responsabilidades, horários, salário, férias e licença médica. O que acontece é que, durante dois anos (em vez de um, como no caso do serviço militar), você fica preso a um único lugar, sem a possibilidade de mudar de cargo ou de profissão.
Eu chegava à repartição às sete horas da manhã, organizava a correspondência dentro da minha área e depois fazia as entregas. As minhas caminhadas matinais eram animadas por audiobooks e podcasts. Em duas ou três horas eu percorria toda a minha área, composta por 16 edifícios. Como aprendi rapidamente a realizar o meu trabalho, eu geralmente terminava o meu dia de trabalho antes das 14 horas, como estava previsto no meu horário.
Depois de seis meses, fui encarregado da entrega de aposentadorias. Esta tarefa requeria bastante responsabilidade, e a questão não estava apenas na quantidade de dinheiro que eu carregava comigo, mas também no relacionamento com os idosos.
Todo mês eles esperavam por mim em um dia determinado e davam-me de “caixinha” os trocados que restavam. Mas eles nunca entendiam a razão de eu recusar a ajuda, já que provavelmente esse é um costume que permaneceu desde a época da URSS.
Recordo-me de que bem no início, logo que comecei a trabalhar, os meus colegas reagiram agressivamente à minha presença, diziam que estava me esquivando do Exército e zombavam da minha aparência incomum. Mas, com o tempo, foram se acostumando e passaram a me tratar de igual para igual.
Não me arrependo desses dois anos de experiência como carteiro. Dificilmente teria a chance de conhecer essas pessoas no curso comum da vida. E o mais importante: permaneci fiel às minhas convicções sem deixar de cumprir o meu dever cívico.
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