Enquanto 49% dos russos veem Stálin com bons olhos, apenas 18% querem um líder como ele Foto: AP
Em outubro, o Ministério da Justiça da Rússia instaurou inquérito no Supremo Tribunal para dissolver a organização, alegando que sua licença não bate com as atividades executadas pela ONG. Uma audiência sobre o caso foi realizada em 13 de novembro, e outra foi marcada para 17 de novembro, mas adiada para 17 de dezembro, a pedido de ambas as partes.
“Vamos usar o tempo adicional para consertar os problemas que o Ministério da Justiça levantou”, diz Oleg Orlov, um dos fundadores da organização.
O grupo “Memorial” foi criado pela fusão de dezenas de organizações regionais espalhadas pelo país. Assim, a administração das subsidiárias por vezes não bate com a documentação oficial da matriz nacional. E é nessa falha administrativa que se baseia a acusação.
Reação
O caso tem sido considerado uma “punição exemplar” por ativistas do país. “Espero que seja o fim dessa história. Uma conferência será realizada, e os pedidos sem fundamento do Ministério da Justiça serão cumpridos”, diz Liudmila Aleksêieva, fundadora da mais antiga organização de defesa dos direitos humanos da Rússia, o Grupo Moscou Helsinque.
“A dissolução do ‘Memorial’ causará enormes danos à imagem do governo russo”, afirma o chefe do Conselho Presidencial de Direitos Humanos, Mikhail Fedotov.
Fundado em 1989 na capital sob os auspícios do dissidente vencedor do Nobel Andrêi Sákharov, o ‘Memorial’ organiza um enorme evento para relembrar vítimas dos abusos estalinistas, intitulado “O regresso dos nomes”. A ação acontece todo 29 de outubro, véspera do Dia da Memória das Vítimas da Repressão Política, quando uma multidão se reúne no centro moscovita para ler em voz alta os nomes das pessoas executadas durante as repressões de Stálin.
Desde a fundação do grupo, os ativistas do Memorial também se dedicam a monitorar novos casos de violação dos direitos humanos, trazendo-os a público e se ocupando da proteção jurídica das vítimas.
O líder reabilitado
Apesar dos crimes do regime estalinista, muitos russos ainda veem Iossif Stálin como um líder sábio, que usou meios rigorosos para alcançar propósitos necessários.
De acordo com pesquisa realizada pelo Centro Levada em 2013 entre russos, armênios, azeris e georgianos, 49% dos entrevistados têm uma atitude positiva em relação a Stálin. Por outro lado, apenas 18% dos russos disseram desejar ter um líder como ele nos dias atuais.
“A questão não está tanto no culto à personalidade de Stálin, mas no culto ao Estado. O culto ao líder será indestrutível enquanto na mente das pessoas a grandeza abstrata do império for mais importante do que o bem-estar dos cidadãos - o que, na minha opinião, é o principal critério para o sucesso do Estado”, disse à Gazeta Russa o copresidente do “Memorial”, Ian Ratchínski.
Para ele, a época soviética habituou a sociedade à ideia de que o Estado está acima do indivíduo. Assim, ao pensar na grandeza da URSS, as pessoas se esquecem do preço que se pagou por tal magnificência.
Já a socióloga Olga Krichtanóvskaia acredita que a figura de Stálin tem um caráter mais complexo.
“Aos olhos dos intelectuais pró-Ocidente, Stálin é um tirano e o criador da repressão. Mas o povo, em geral, se lembra dele como o responsável pela industrialização, o feitor de grandes conquistas, o vencedor da guerra. Ambas as coisas são verdades, e daqui nascem esses dois pontos de vista antagônicos. Ninguém vai defender Stálin dizendo que a repressão foi uma coisa boa. Mas a verdade é mais multifacetada”, diz Krichtanóvskaia.
Relembrar e não repetir
Na década de 1990, foi aprovada na Rússia a lei “Sobre a reabilitação das vítimas da repressão política” e criada uma comissão sob a alçada do presidente para acompanhar sua execução. De acordo com a lei, toda pessoa que tenha sido “vítima da arbitrariedade do Estado totalitário” tem o direito de ter seu nome reabilitado, em vida ou postumamente.
O país também conta com uma série de museus de história da repressão política, como o Museu da Gulag e o Museu Sákharov, que têm enormes coleções de documentos sobre a repressão e utensílios do dia a dia dos presos nos campos de trabalho forçado. Ambos trabalham em estreita colaboração com o grupo “Memorial”.
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