Editor-chefe Aleksêi Venidiktov da estação de rádio simpatizante da oposição Ekho Moskvi Foto: Photoshot/Vostock-Photo
No dia 10 de novembro, a imprensa russa foi inundada de notícias anunciando o lançamento do Sputnik, um novo site no estilo do Buzzfeed, direcionado para "o combate à propaganda agressiva com que o mundo está sendo alimentado", segundo Dmítri Kiseliov, diretor da empresa-mãe do Sputnik, a agência de notícias estatal Rossíia Segódnia.
O lançamento do site foi apenas o mais recente de uma série de expansões da mídia apoiada pelo Kremlin e financiada até mesmo com a economia russa cambaleante devido à descida dos preços do petróleo, à fuga de capitais e à crescente inflação. A RT, emissora estatal internacional anteriormente conhecida como Russia Today, viu o seu orçamento de 2015 aumentar inesperadamente em 41% em setembro, passando assim para US$ 400 milhões, segundo informou a agência de notícias russa RBK. O orçamento do Rossíia Segódnia para 2015, por sua vez, triplicou em relação ao originalmente planejado, passando para US$ 6,48 bilhões de rublos (US$ 170 milhões).
Ao mesmo tempo que alguns meios de comunicação estatais destinados ao público estrangeiro ganharam maior espaço, muitos meios de comunicação respeitados e independentes dentro do país se encontram em situação cada vez mais complicada.
Em outubro, o presidente Vladímir Pútin assinou um projeto de lei que proíbe estrangeiros de possuírem mais do que 20% de qualquer empresa de mídia da Rússia. A proposta, que virou lei em menos de um mês, entrará em vigor em fevereiro de 2017.
A lei levará à "diminuição dos padrões editoriais e a uma redução no pluralismo de opiniões", disse Andrêi Richter, professor de jornalismo na Universidade Estatal de Moscou. As empresas estrangeiras de mídia, por estarem fora da Rússia, são normalmente menos vulneráveis à pressão Estado.
Muitos analistas independentes acreditam que a lei tem como alvo o jornal de negócios “Vedomosti”, que é propriedade conjunta da empresa norte-americana Dow Jones, da britânica Financial Times Group e do conglomerado de mídia finlandês Sanoma. Segundo um relatório da agência de notícias Bloomberg, os aliados de Pútin estariam planejando comprar o jornal quando os seus proprietários estrangeiros se virem obrigados a vendê-lo.
Seja qual for a razão, Richter assinala que essas leis correspondem simplesmente "à política geral dos últimos três anos", um período marcado pelo aumento às restrições na internet e aos direitos civis após as manifestações contra fraude eleitoral que eclodiram em dezembro de 2011.
Aumentando a pressão
Por sua vez, a experiência de outras empresas de notícias sem patrocinadores estrangeiros mostrou o que pode estar reservado aos repórteres do “Védomosti” caso o Kremlin ou pessoas favoráveis ao Kremlin se tornem proprietários dessas empresas.
Em novembro, a holding estatal de notícias Gazprom Media despediu um jornalista da estação de rádio simpatizante da oposição Ekho Moskvi por causa de um tweet. Quando o respeitável editor-chefe Aleksêi Venidiktov protestou, argumentando que os funcionários só poderiam ser despedidos com o seu consentimento, o diretor da Gazprom Midia, Mikhail Léssin, ameaçou demitir o próprio editor de longa data caso ele não concordasse com a decisão, disse Lesin à agência de notícias RBK. Embora Venidiktov não tenha sido demitido, a possibilidade ainda não está descartada.
Por outro lado, ser propriedade dos aliados do Kremlin pode ser igualmente ruim. Também em novembro, o editor-chefe do diário de negócio “Kommersant”, que pertence atualmente ao bilionário simpatizante do Kremlin Alisher Usmánov, anunciou a sua saída logo após a publicação de um artigo no qual se alegava que Ígor Sétchin, CEO da gigante do petróleo Rosneft, teria sugerido secretamente ideias para as sanções de represália do Kremlin.
Enquanto o editor do “Kommersant” definiu os rumores em torno de sua saída como "teorias da conspiração", em 2011 o editor da revista “Vlast”, Maksim Koválski, foi demitido por uma foto considerada desrespeitosa em relação a Pútin.
Tudo isso, segundo o pesquisador de imprensa Vassíli Gatov, se encaixa em um evidente padrão com o qual o Kremlin procura controlar a opinião pública, exercendo pressão sobre as empresas de mídia que possui.
E se o Kremlin não pode comprar determinada empresa de mídia, então "cria as condições para ela quebrar", diz Gatov.
Uma série de outras agências de notícias russas que não são propriedade de estrangeiros, mas que permanecem independentes dos oligarcas simpatizantes do Kremlin, se viram convertidas em alvos, principalmente sob a acusação de extremismo.
Em março, o editor-chefe do site de notícias de tendência liberal Lenta.ru foi demitido logo após a publicação de um link para uma entrevista com o líder nacionalista ucraniano Dmítri Iaroch. Muitos dos jornalistas do site saíram posteriormente como forma de protesto contra a decisão, escrevendo em sua carta de demissão coletiva que "nos últimos anos, o espaço para o jornalismo livre na Rússia diminuiu drasticamente". A equipe lançou então um novo site, o Meduza, a partir dos escritórios em Riga.
O Dojd TV, uma estação de TV a cabo, muitas vezes crítica ao Kremlin, viu a sua publicidade sendo retirada após transmitir uma enquete que questionava se a União Soviética esteve certa ao defender Leningrado durante a Segunda Guerra Mundial, tendo em conta as milhões de vidas russas que se perderam no cerco. Na sequência de uma lei redigida para proibir publicidade paga na televisão a cabo a partir de 2015, parece agora que poucas opções restam ao canal.
Direto do Kremlin
A crescente pressão sobre a mídia independente na Rússia vem acompanhada de uma forte campanha para fazer chegar aos telespectadores e usuários da internet em todo o mundo notícias promovidas pelo Kremlin.
Pútin explicou a lógica do movimento em um recente discurso na reunião do clube Valdai, no qual ele cobriu de críticas a postura dos EUA frente à crise da Ucrânia e o seu papel dominante no mundo depois da Guerra Fria:
"O controle total dos meios de comunicação globais tornou possível chamar o branco de preto e preto de branco sempre que se deseja."
Mas, de acordo com Robert Ortung, diretor-assistente do Instituto de Estudos Europeus, Russos e Eurasiáticos da Escola Elliot de Assuntos Internacionais da Universidade George Washington, os objetivos do Kremlin podem ser mais cínicos do que corrigir aquilo que, na sua opinião, é uma oferta de mídia enviesada.
"Ao eliminar a discussão de todas as alternativas possíveis relativamente à linha do governo, o Kremlin pode desse modo garantir a passividade da maioria dos russos”, disse Ortung.
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