Nova geração se prende à rede, mas não ao social

Convívio virtual tende a limitar capacidade de articulação na vida real Foto: Alamy/Legion Media

Convívio virtual tende a limitar capacidade de articulação na vida real Foto: Alamy/Legion Media

Crianças e adolescentes russos demonstram cada vez mais dependência à internet. Psicoterapeutas dizem que, embora essa tendência não seja reconhecida oficialmente, o problema já é alvo de estudos há 20 anos. Entre as principais causas, especialistas apontam falha dos pais na imposição de limites.

O objetivo dos primeiros videogames era diversificar o lazer da população.  Mas, 60 anos depois, esse passatempo entrou na lista de hábitos que mais causam dependência na população. “Ninguém tem a ideia de dar um cigarro ou bebida alcoólica para uma criança de dois anos, mas os pais dão tablets. Assim, o conceito de dependência se desenvolve até mais rápido do que o alcoolismo”, explica o representante do Centro Federal de Pesquisa Médica em Psiquiatria e Narcologia, Lev Perejóguin.

De acordo com uma pesquisa do Centro Russo de Estudo de Opinião Pública, apenas 52% dos russos acreditam que a internet pode causar vício em crianças. Porém, Perejóguin, que dedicou 13 anos ao estudo desse problema, um a cada ou oito crianças torna-se dependente de computadores. Como esse vício ainda não foi incluído na lista da Classificação Internacional de Doenças, ele não pode ser considerado oficialmente.

O próprio fundador da Apple, Steve Jobs, chegou a declarar no passado que limitava o uso de dispositivos modernos em casa. A mesma posição foi exposta por Evan Williams, fundador do Blogger e Twitter, cujos filhos podem usar aparelhos eletrônicos, “mas não mais do que uma hora por dia”.

“Em nossa família, jogos de computador são prêmio ou castigo”, conta Olga, mãe de Iura, de 8 anos de idade. “Não deixamos jogar em caso de mau comportamento ou grosseria, mas premiamos por desempenhos esportivos. De todas as formas possíveis, a mais eficaz é, infelizmente, o computador.”

Da tela para a realidade

Em 2012, o caso de um menino de 12 anos de idade que matou o pai por ele ter cortado os fios do seu computador impressionou os moradores de Korolev, nos arredores de Moscou. O garoto esfaqueou o pai da mesma forma que o personagem do seu jogo favorito.

“É  justamente a restrição que representa a resposta principal  para a pergunta de como proteger a criança contra a dependência”, sugere Perejóguin. “Na URSS havia normas para todas as idades quanto ao tempo passado na frente da televisão. Um desenho animado para crianças na pré-escola durava até 10 minutos, por exemplo”, lembra.

Exemplo de casa

Há 10 anos apenas um em cada cinco cidadãos russos tinha acesso à internet. Hoje, esse número saltou para mais de dois terços da população russa (68%). O número de usuários que se conectam à rede diariamente também aumentou em 9 vezes, de 5% a 45%.

“Os próprios pais dão mau exemplo”, diz a professora Valéria Annenkova. “Qual é a primeira pergunta feita pelos pais quando eles vêm para uma reunião na escola? ‘Aqui tem Wi-Fi?’ E então, eles, assim como as crianças, começam a usar celulares e tablets escondidos embaixo das mesas.”

Um estudo conduzido pelo Centro Russo de Estudo de Opinião Pública revelou que 22% dos russos admitem passar “tempo demais” navegando na internet.

“Na escola, as crianças começam a aula discutindo sobre o que viram na internet no dia anterior”, continua a professora. “Quando perguntei se conseguiam não usar a internet durante uma semana, houve polêmica. Nós sequer conseguimos reunir um grupo para passar as férias na floresta, pois as crianças não podem imaginar a vida sem internet.”

Social, mas nem tanto

Para abrir uma conta no Facebook, é preciso ter, no mínimo, 13 anos de idade, no VKontakte, a principal rede social da Rússia, a idade mínima é de 14 anos. Mas, para registrar-se nas redes sociais, não é necessária apresentar dados nem documentos autênticos, e os adolescentes podem representar um personagem que gostariam de ser.

“Uma coisa é jogar futebol, ser um exemplo para os meninos e um objeto de simpatia para as meninas. Outra coisa é não saber jogar futebol, ser estudante de nível médio e além disso sentir falta da atenção dos pais”, diz Perejóguin. “A criança entra no grupo de abandono social.”

De acordo com os especialistas entrevistados pela Gazeta Russa, comunicar-se e fazer amigos pela internet tende a ser mais fácil do que na vida real. Dezenas de seguidores virtuais e comunidades costumam salvar os adolescentes dos sentimentos de solidão e lhes conferem a ilusão de vida. “Essas crianças se degradam rapidamente como indivíduos e perdem suas habilidades sociais”, aponta a psicóloga Elena Galitskaia.

Para obter o “status” perdido na vida real e angariar mais “curtidas”, os jovens e crianças acabam ficando dispostos a cometer atitudes impensadas. “Eu tive um caso”, continua Perejóguin, “em que uma menina disse: ‘Vamos lá, eu vou pular da janela, e você filma com a câmera do celular. Depois, vamos ver quantas pessoas vão curtir’”. 

 

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